A palavra é meu domínio sobre o mundo, Clarice Lispector disse certa vez. E, no meu entendimento, está completamente correta. Aqueles que souberam explorar corretamente o idioma, em suas diversas facetas, tornaram-se líderes famosos. A palavra tem poder, pois, sem elas não existiria comunicação. Situação potencialmente perigosa no amor e na guerra. Mais perigoso, ainda, o mau uso das palavras, como bem demonstra a nossa história, senão vejamos:
Uma relação verdadeira e duradoura baseia-se na comunicação. Amigos não são amigos se não conversarem, assim como, os namorados e os casados, mas, o que dizer da conversa silenciosa das redes sociais? É a mesma coisa?
Como entender tantos pontos de interrogação e exclamação? E a inundação de fotos e comentários de felicidade e perfeição, semelhante aos comerciais de margarina?
Quantas curtidas valem um beijo? Qual o sentido em ostentar fotos transbordantes de amor, quando ao menor sinal de estremecimento na relação elas são prontamente deletadas?
E o olho no olho, o calor da pele, o brilho dos olhos e o sorriso contido? É possível amar virtualmente?
Até aonde entendo, as emoções, as mãos trêmulas, o coração disparado ainda estão presentes nesse tipo de relação, resultado da bomba química lançada a partir do cérebro que se estende para o corpo inteiro, levando à sensação de invencibilidade, falta de apetite e felicidade, semelhante à dependência por “drogas”, pois, ao se separar do bem amado, vem a crise de abstinência.
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A dopamina faz o nosso cérebro achar o amor lindo e, juntamente com as endorfinas, ativam o centro de recompensa neural, portanto, quanto mais eu tenho do ser amado, mais eu quero. E, mesmo que esteja distante, esse circuito é ativado quando falo por telefone, email, Whatsapp, Facebook, dentre outros.
Um neurotransmissor semelhante à anfetamina, afeniletilamina, é outra molécula associada a essa avalanche de emoções, assim como, a noradrenalina que estimula os centros da memória. Por isso os apaixonados costumam se lembrar da roupa, da voz, do cheiro e de atos de seus amados, que em outras pessoas passaria despercebido.
Hormônios como a ocitocina e a vasopressina, responsáveis pela formação dos laços afetivos mais duradouros e intensos, como o da mãe com o filho (vistos em artigos anteriores), também tendem a aumentar nas fases mais agudas da paixão, preparando o terreno para um relacionamento estável.
A química da paixão é tão explosiva e intensa que, se durasse mais do que alguns meses, levaria o indivíduo ao colapso físico e mental. As pesquisas nessa área não mantém correlação sobre o tempo de duração de uma paixão, mas, estabelecem o tempo de, no máximo, um ano.
No caso da paixão, há uma relação estreita com uma proteína chamada NGF. Essa proteína é conhecida há muito tempo e está, diretamente relacionada ao crescimento e manutenção neuronal (central e periférica), bem como, a transtornos psiquiátricos como depressão pós-parto.
Mas, além disso, no curso de alguns anos, estabeleceu-se uma relação causal entre alta concentração dessa molécula e uma paixão avassaladora por um sujeito específico.
Enquanto a maior parte dos hormônios, neurotransmissores e correlatos aumenta absurdamente no auge da paixão, a serotonina tende a diminuir, chegando a concentrações mínimas, assim como ocorrenaqueles indivíduos que sofrem de transtorno obsessivo compulsivo (segundo estudo realizado na Universidade de Pisa).
Esta confusão química leva ao comportamento mais irracional que o cérebro pode vivenciar, tanto para o homem quanto para a mulher.
Sabe aquele ato inconsequente que só uma pessoa apaixonada costuma cometer (como dar todas as economias da vida para o outro e, depois, morrer de arrependimento? Ou ligar 1327 vezes ao dia só para saber se está tudo bem?), trata-se de um estado involuntário, orquestrado por essas substâncias químicas.
Do ponto de vista hormonal, a paixão realmente “cega” o indivíduo (lembra do filme “O amor é cego”? É verdade!). Este estado compartilha os mesmos circuitos cerebrais da obsessão, mania, intoxicação, sede e fome. Tais circuitos são, primariamente, sistemas de motivação, diferentes daqueles relacionados ao sexo, porém, há uma interposição entre eles.
Casais apaixonados, principalmente, nos primeiros seis meses, necessitam da sensação de proximidade física tanto quanto um dependente químico precisa da próxima dose.
Durante períodos de separação, o cérebro sofre, literalmente, uma síndrome de abstinência, necessitando urgentemente do outro. Muitos homens decidem pedir a mão da amada em casamento após uma viagem ou um breve rompimento, isso não é coincidência, mas, conseqüência da retirada brusca da dopamina e ocitocina (dois hormônios responsáveis pela ligação amorosa).
Apenas atividades como trocas de carinho, beijos, abraços, orgasmo podem restabelecer as concentrações desses hormônios. Uma vez que ocorre novo influxo de dopamina e ocitocina, a ansiedade e a sensação de vazio são suprimidas e os circuitos da paixão são restabelecidos.
Dito isso, fica claro que as relações devem ser “presenciais”, mas, nada impede o auxílio das redes sociais para aproximar casais, geograficamente separados, por exemplo. Há quem as use para apimentar a relação. Ponto para o casal que utiliza as mídias para promover a aproximação e não a dissolução.
O contato físico intenso (como abraçar por mais de vinte segundos, ficar de conchinha antes de dormir, dar aquele supermega ultra blaster abraço com direito a cheirada no pescoço) libera, principalmente, ocitocina que causa sensação de confiança no parceiro. Portanto, caso não queira confiar demasiadamente em alguém, evite muita proximidade física, isto pode causar paixões desenfreadas.
De forma geral, as relações atuais são rotuladas como “passageiras”, considerando que não ultrapassam semanas ou meses e o que favorece esta condição, é a superficialidade: se não nos abraçamos com frequência, não nos beijamos ou tocamos a pele um do outro, suprimimos as vias bioquímicas da relação, portanto, ela sucumbirá precocemente, seja numa paquera ou mesmo no casamento acomodado.
Com certeza, relacionamentos online tendem a aumentar a distância emocional, ou pior ainda, diminuir o comprometimento das partes, portanto não raro, há mais parceiros em comum que pares formados nas redes de encontro de casais.
Segundo o psicólogo Alexandre Bez, especializado em relacionamento pela Universidade de Miami, na Flórida e, em ansiedade e síndrome do pânico pela Universidade da Califórnia – UCLA, afirma que, atualmente, o namoro ainda prepara para o casamento, mas, tem prazo de validade cada vez mais curto, anunciando um futuro divórcio.
Para um casal, a máxima “em time que está ganhando não se mexe”, não faz sentido (ao menos, não o sentido bioquímico). É necessário, sim, se mexer… e muito! Um esforço constante das partes para manter as vias neuronais funcionando e, as rotas químicas ativas conduzem ao interesse mútuo duradouro.
Ele explica que a fase de acomodação ocorre quando “um dos dois, geralmente o homem, fica desleixado em face do relacionamento e da mulher. Ele deixa de ser carinhoso, atencioso e educado. Quanto ao desempenho sexual, não sente a necessidade de impressionar, não há preocupação em satisfazer a namorada e, geralmente, a frequência diminui. Ele reclama com constância e deixa de agradá-la, como fazia no início do namoro”.
A relação depende de esforço continuo. Nesta equação, o touchscreen está em desvantagem quando o assunto é o contato físico.
Acompanhando esse processo ao longo do tempo, observo que as características dos indivíduos mudam um pouco ou nada. Os covardes serão sempre covardes, nas redes sociais ou ao vivo,isso não mudou, mas os tímidos tendem a se soltar mais e a mostrar seu lado mais ousado.
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Há quem termine namoro por Whatsap, ou faça o parceiro descobrir que não há mais nada em comum no status atualizado do Facebook, ou através da publicação de uma foto no Instagran para lá de óbvia. São apenas alguns exemplos entre tantos outros que poderia citar. Essas situações antes eram protagonizadas pelas mesmas pessoas, mas tinham um público relativamente mais restrito.
Então, respondendo à pergunta do título: “As redes sociais alteraram o amor?” Não, o amor não foi alterado, ele existirá em sua forma mais bela sempre. O que mudou foi a forma como nos relacionamos e a responsabilidade em nossos atos, mas hoje, com a facilidade na comunicação, milhares de pessoas podem acompanhar o desenrolar de nossas paixões.
Infelizmente nem podemos pedir conselhos às nossas mães, porque este fenômeno é recente e elas não têm ideia de como funciona ou se processará a onda virtual, mas, o que podemos colher da lição até agora é: diminua a exposição de si mesmo e de seu par, preserve a relação, alimente-a diariamente com atenção e carinho, seja respeitoso em qualquer circunstância e não a trate como algo com prazo de validade, somos seres de real importância para tratar sentimentos com tanta leviandade.
ELAINE FRANCESCONI
Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora