Durante uma hora, o presidente do SOS, César Rogério Favarin Santos, fez um diagnóstico da situação da instituição em seu novo endereço, a rua Prudente de Moraes. Ele também quer a entidade em outro local e deu razão aos moradores e comerciantes que estão revoltados e com medo, além de revelar o sonho de deixar o imóvel e a humilhação de trabalhar com moradores de rua literalmente embaixo de uma ponte. Também contou detalhadamente como é feito o atendimento e apontou falhas na rede de acolhimento que resultam em pessoas necessitadas dormindo nas calçadas da entidade que deveria acolhê-las.
Favarin começou desmentindo nota enviada pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Jundiaí. Nela, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Semads), a indicação do imóvel que era usado pelo Centro Pop na rua Prudente teria sido do próprio SOS. O Centro Pop faz a triagem dos moradores de rua para encaminhá-los às instituições corretas. Depois que deixou o viaduto da vila Rio Branco, o Centro Pop foi para o Complexo Fepasa, onde montou-se uma estrutura para instalar o SOS. Ficou ali apenas dois anos e agora está na rua Marechal Deodoro. “Não é verdade que foi o SOS quem indicou este local. O que existe é um marco regulatório que determina que estes serviços fiquem nas regiões centrais da cidade. Entre o ruim e o péssimo, que era o Complexo Fepasa, ficamos embaixo do viaduto. Todo o processo foi intermediado pela promotora Karina Bagnatori, da Promotoria da Inclusão Social do Ministério Público de Jundiaí. Elas nos ajudou muito ”, explicou.
Outro trecho da nota com informações da Semads sobre as pessoas que estão dormindo no entorno do SOS também não condiz com a realidade, segundo o presidente. O texto afirma que “a Secretaria informa que não se trata de falta de vagas, pois não foi registrada a recusa de acolhimento por este motivo”. Hoje, o SOS consegue atender apenas 26 homens e seis mulheres. No Anhangabaú 60 pessoas eram assistidas. “Aqui, a capacidade é muito limitada. Muitos dormem na rua porque não temos vagas ou simplesmente não querem receber ajuda. Outros só entram para tomar banho e voltam para a rua. Nós não podemos obrigar ninguém a entrar ou a ficar aqui dentro. Também temos drogados ou bêbados. Aí, sim: se estão fora, não podem entrar. Se estão dentro, precisam sair”, disse.
Existe ainda um complicador: o SOS tem dormitórios para homens e mulheres. Se, por exemplo, houver uma vaga no dormitório feminino e do lado de fora um homem requisitar abrigo, não poderá ser atendido e terá de buscar abrigo em outro lugar, geralmente a calçada da entidade.
Favarin lembra que antes mesmo da mudança do SOS para a rua Prudente foi divulgado que vizinhos teriam sido roubados. “Na verdade, nós mesmos é que fomos vítimas de criminosos. Nem tínhamos nos instalado e entraram no prédio, furtaram registros e estouraram canos. Um boletim de ocorrência foi feito e a mudança atrasou uma semana por causa disto. Ele faz um desabafo: “Eu sabia que todos estes problemas, os mesmos que vivemos no Anhangabaú, ocorreriam aqui. Sei que somos um transtorno para a vizinhança. Mas, a Prefeitura pediu para deixarmos a nossa casa onde estávamos estruturados e agora trabalhamos num local pequeno e embaixo do viaduto”.
No SOS não se fala abertamente no aspecto político que envolvia a entidade em 2013. Naquele ano, uma onda de violência aterrorizou os moradores do Anhangabaú. Alguns crimes foram cometidos por frequentadores da instituição. O bairro se uniu, pressionou a Prefeitura e conseguiu acabar com o atendimento aos necessitados. O imóvel passou a ser usado apenas pela administração da entidade. O fato é que a gestão anterior tentou ajeitar a situação com paliativos. Aumentou o policiamento no Anhangabaú e não obteve sucesso. Também tentou levar a instituição para o Complexo Fepasa. Abrigos começaram a ser montados. Porém, não tinham as mínimas condições de receber os moradores de rua, de acordo com Favarin. Além disto, o patrimônio é tombado e não poderia contar com instalações do SOS.
O impacto do descontentamento de um bairro inteiro deve ter pesado muito na decisão do poder público. O prefeito lutaria pela reeleição e não poderia perder tantos votos. O SOS foi para a rua Prudente de Moraes e Bigardi perdeu mesmo assim. Assessores do prefeito Luiz Fernando Machado já fizeram contato com Favarin para um possível encontro para discutir a situação. “Eu estou aberto ao diálogo. Quero sair daqui”, informou.
A nota da Semads afirma ainda que o trabalho da equipe de Abordagem de Rua será intensificado para identificar os motivos que estão levando algumas pessoas a ficar nas calçadas, não aceitando o pernoite. Neste ponto, Favarin afirma que a abordagem está deixando a desejar em Jundiaí. “É um serviço falho”, revela.
Hoje, o atendimento aos moradores de rua é dividido entre três entidades. O SOS é uma casa de passagem. A Casa Santa Marta, com duas unidades, serve como abrigo e república. Já o Centro Terapêutico Educacional Cristão (CTEC), também com duas unidades, funciona como abrigo e é responsável pela abordagem de rua. As casas de passagem podem ficar com um morador de rua até 90 dias. Os abrigos, de seis meses a um ano. Já as repúblicas, até 12 meses sendo que este prazo pode ser prorrogado. As repúblicas são destinadas às pessoas que estão prestes a recuperar a cidadania.
O problema é que o trabalho das entidades não estaria entrosado. Favarin informou que a abordagem de rua deveria ser mais eficiente, com as viaturas no CTEC circulando pelas ruas da cidade e conversando com os moradores de rua, tentando convencê-los a se abrigar em uma instituição no período noturno. “Mas elas só são vistas quando acionadas”, disse. Além disto, o CTEC trabalharia de segunda a sexta-feira até as 22 horas. “Depois disto, quando preciso de apoio, não posso contar com esta entidade que também não funciona aos finais de semana. Nós, das instituições sociais precisamos nos unir”, comentou.
Num recente encontro entre os representantes das entidades discutiu-se a possibilidade de uma das unidades do CTEC também se tornar uma casa de passagem, aliviando a demanda no SOS. Porém, a ideia não prosperou até o momento.
Outros fatores – A questão envolvendo os moradores de rua é um jogo de empurra-empurra entre as prefeituras de todo país. Em Jundiaí, por exemplo, muitos usuários do SOS demonstram a vontade de ir para São Paulo. As passagens são dadas a eles que acabam voltando para Jundiaí quase sempre na noite do mesmo dia. A explicação para as idas e vindas entre São Paulo e Jundiaí é simples. O jundiaiense é um povo generoso demais. Quem pede esmolas nos cruzamentos consegue muito dinheiro. Na hora de dormir estas pessoas voltam para o SOS. Se estiver lotado, passa a noite na calçada.
Segundo Favarin, há um outro complicador na vizinhança: uma casa noturna que até empregaria alguns dos usuários do SOS. “Este bar dá até cerveja para nossos assistidos. O que pode estar acontecendo é que os vizinhos acabam confundindo nosso público com os clientes deste bar. E nem sempre quem urina, defeca e usa drogas são os nossos assistidos e sim os frequentadores do estabelecimento”, disse.
Mesmo com a humilhação de trabalhar sob um viaduto e tendo de se adaptar a cada dia, Favarin faz planos caso o SOS permaneça na rua Prudente. “Pretendo cobrir a frente do imóvel. Quando chove entra água por todos os lados. Também quero instalar uma televisão do lado de fora para dar mais espaço para nosso público. Já questionei a Prefeitura sobre o terreno do outro lado da rua, localizado embaixo da ponte e que está sendo usado por uma oficina mecânica. Poderíamos expandir nossas atividades nesta área. Mas ninguém deu retorno”, concluiu.
No último dia 22, ao ser questionada sobre as deficiências no setor de abordagem de rua, possibilidade do CTEC passar a atuar como casa de passagem e a mecânica que ocupa espaço sob o viaduto, além da questão política envolvendo o SOS, a assessoria de imprensa do ex-prefeito informou que a secretária Giany Aparecida Povoa, da Semads, não iria se pronunciar. Ela já havia deixado o cargo e atuará, neste ano, na Prefeitura de Campo Limpo Paulista. A promotora Karina Bagnatori foi contatada através de e-mail e redes sociais. Ela não deu retorno até o final desta edição.
Novo prefeito – A assessoria de imprensa do prefeito Luiz Fernando Machado informou que a nova gestão verificará se o governo anterior formalizou estudo de viabilidade para a transferência do SOS, uma vez que, conforme relatado, as ocorrências não são recentes. Antecipadamente, a administração ressalta que se dispõe a avaliar a situação para possíveis encaminhamentos.
CTEC – O Centro Terapêutico Educacional Cristão foi contatado diversas vezes por telefone e também por e-mail. Uma entrevista foi agendada para o último dia 28. Ela seria concedida por Wilkerson Araújo Coelho, da coordenação de abrigos. No dia marcado, o Jundiaí Agora ligou para a sede do Ctec e só então foi informado que devido a problemas de saúde de um parente, Wilkerson não poderia conversar com a reportagem. Mais dois e-mails foram encaminhados para ele. No primeiro foram enviadas várias perguntas relacionadas às reclamações feitas pelo presidente do SOS. Wilkerson não deu retorno. No segundo foi dado prazo até as 12 horas do dia 30 para que ele enviasse as respostas, o que não aconteceu.
Guarda Municipal – A assessoria de imprensa da GM informou que a corporação tem conhecimento do possível aumento da pratica de pequenos delitos pelas imediações do atual SOS, através de informações dos próprios moradores. Muitos deles acabam não registrando boletim de ocorrência. Hoje, os indicadores não demonstram um aumento considerável de delitos na região, de acordo com a nota divulgada. Contudo, a GM está preocupada e designou uma das equipes que integram o Programa Crack, é Possível Vencer para realização de rondas no entorno do SOS, inclusive com abordagens e possível encaminhamento para a delegacia mais próxima. Entre 12 e 17 do mês passado foram realizadas duas ações especificas. No total, 116 pessoas foram levadas para triagem policial. Os telefones da GM: 153 ou 4492 9060.
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