Pais com medo de EDUCAR

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Outro dia, no supermercado, uma criança de uns quatro anos gritava por um pacote de salgadinhos. O pai, visivelmente constrangido, tentava negociar: “Filho, agora não. No próximo mercado, tá bom?”. O menino chutava o carrinho. O pai suspirava. A funcionária do caixa observava em silêncio, com aquela expressão que mistura julgamento e compaixão. “Se fosse no meu tempo…”, quase ouvi ela pensar. Saí dali com uma pergunta atravessada: Afinal, o que mudou nos pais do século 21?

Não se trata apenas da cena do mercado. Trata-se de uma geração de adultos que parece ter perdido a segurança de educar. Pais que se desculpam antes de dizer “não”. Mães que buscam validação para cada limite imposto. Pais que têm medo de traumatizar, de errar, de não serem amados pelos próprios filhos. E filhos que crescem muitas vezes como pequenos reis — sem saber o que fazer com tanto poder.

É inegável: muito mudou e para melhor. Os gritos viraram conversas, os castigos viraram diálogo, os tapas foram substituídos por escuta. Saímos, em boa parte, de um modelo autoritário, duro, onde a criança era um receptáculo passivo, para um modelo mais afetivo e atento.

Mas como todo pêndulo, parece que fomos de um extremo ao outro. Hoje, muitos pais não sabem onde está o ponto de equilíbrio entre autoridade e afeto. Confundem limite com opressão, regra com rigidez, disciplina com violência. E nesse temor de repetir os erros do passado, criam um novo tipo de erro: o da omissão emocional.

Pais e mães deste século querem acertar tanto que têm medo de errar. E esse medo paralisa. Faz com que, muitas vezes, deixem os filhos à deriva, na esperança de que “o tempo ensine”, que “a vida mostre”, que “a escola resolva”. Só que educar não é terceirizável. Educar exige presença — e posição.

Numa geração que quer ser amiga dos filhos, entre os maiores sintomas dessa mudança está a necessidade contemporânea de agradar os filhos. É quase como se os pais tivessem se convencido de que precisam ser “legais” o tempo todo. “Não quero ser como meu pai foi comigo”, dizem. E, com isso, deixam de sustentar o lugar da autoridade saudável.

A criança não precisa de um pai amigo. Precisa de um pai que acolhe e orienta. Precisa de uma mãe que cuida e conduz. Precisa de adultos que sejam porto — mas também fronteira.

É comum ouvir hoje em dia: “não quero que meu filho passe pelo que eu passei”. Mas o que foi exatamente que você passou? Frustração? Limite? Falta de resposta imediata para tudo? Silêncio como consequência de um erro? Talvez não fosse sofrimento. Talvez fosse só vida real.

O grande desafio é ensinar aos filhos que a vida não é uma festa sem fim, mas um caminho com obstáculos. Que crescer dói. Que amadurecer exige. E que nem sempre haverá alguém para traduzir o mundo em emojis coloridos.

Pais conectados e emocionalmente ausentes tem se transformado noutro paradoxo cruel da modernidade: pais mais conectados do que nunca e, ao mesmo tempo, mais ausentes emocionalmente. Estão nos grupos de WhatsApp da escola, acompanham cada postagem dos filhos no Instagram, tiram mil fotos por mês, marcam presença em cada reunião pedagógica. Mas, em casa, muitas vezes, estão com os olhos no celular e a mente nas metas do trabalho.

A presença física virou fetiche. Mas é a presença afetiva que educa. E essa, cada vez mais, parece faltar. Crianças e adolescentes precisam de escuta. Mas escuta sem julgamento. Precisam de tempo. Mas tempo sem distrações. Precisam de adultos emocionalmente disponíveis e não apenas fisicamente presentes.

A era da performance invadiu a maternidade e a paternidade. Agora, não basta criar filhos. É preciso parecer bons pais. Mostrar, nas redes, que o filho come brócolis, toca violino, fala inglês e participa de campeonatos. Só não mostramos que ele dorme mal, grita muito e responde com arrogância quando contrariado.

Mas é nesse bastidor da realidade que a educação acontece de verdade. E ela exige algo que não cabe num story: disciplina com empatia. Nas últimas décadas, a criança deixou de ser vista como um ser a ser moldado para tornar-se o centro absoluto da família. Seus desejos viraram prioridade. Seu bem-estar, quase um projeto corporativo. Seu desconforto, uma emergência.

Mas ao colocar a criança no pedestal, tiramos dela a oportunidade de aprender a esperar, a ceder, a respeitar, a perder. E, principalmente, a reconhecer que ela não é o centro do mundo e isso está tudo bem.

Educar filhos no século 21 deveria ser sobre formar seres humanos éticos, empáticos, resilientes, conscientes do outro e de si mesmos. Mas, muitas vezes, virou um projeto de marketing emocional: queremos que eles sejam felizes o tempo todo — e culpamos a escola, o mundo, os outros, quando essa felicidade não é constante.

Esquecemos que o sofrimento ensina. Que a frustração educa. Que o “não” liberta. E que pais que dizem “sim” a tudo estão, na verdade, abandonando o filho à própria sorte.

O papel da culpa e o silêncio dos limites, talvez seja a grande mudança dos pais no século XXI: trocaram a autoridade pela culpa. Sentem culpa por trabalhar demais, por não brincar o suficiente, por não conseguir acompanhar as tarefas, por se irritarem, por gritarem — por serem humanos.

E nessa culpa, deixam de colocar limite. Tentam compensar ausência com permissividade. Tentam substituir tempo por presentes. E, muitas vezes, são reféns emocionais dos próprios filhos. Mas educar exige firmeza. E a firmeza amorosa é o maior presente que se pode dar a uma criança.

O filho precisa ouvir que não vai ganhar outro brinquedo, que precisa guardar o que usou, que deve pedir desculpas, que não pode bater, que não vai ganhar tudo o que quer. E precisa ouvir isso com amor — mas também com clareza.

Sim, os pais mudaram. Para melhor, em muitos aspectos. Estão mais próximos, mais carinhosos, mais atentos. Mas, ao mesmo tempo, estão mais perdidos. Porque educar no século 21 é como navegar num mar em constante movimento, com bússolas que mudam de direção a cada onda.

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Mas há algo que não muda: a necessidade de adultos presentes, coerentes, afetivos e firmes. Que saibam dizer “não”, que sustentem os valores que acreditam, que não tenham medo de serem impopulares por um tempo — para que seus filhos sejam pessoas melhores por toda a vida. Que saibam que não há fórmula. Mas há princípios. E que a melhor forma de educar ainda é pelo exemplo — não pela perfeição.

Porque filhos não precisam de pais que acertem sempre. Precisam de pais que estejam lá, com verdade. Que falhem, mas que expliquem. Que se irritem, mas que peçam desculpas. Que corrijam e amem ao mesmo tempo.

Afinal, educar nunca foi sobre controle. Sempre foi sobre presença que forma. E isso, no fim das contas, nunca sai de moda.

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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