Há uma mágica peculiar na sala de aula que poucos compreendem. Ali, diante de um grupo de olhares atentos – ou nem tanto –, alguns indivíduos se transformam. Professores, mestres, educadores, não importa o título, mas o que fazem: entregam-se por completo, sem reservas. Carregam no peito uma paixão pela troca, pelo ato de ensinar e aprender. São como artistas em cena, vivendo cada momento com intensidade nos palcos, as salas de aula. Não por vaidade, mas por acreditar que, naquele espaço, algo maior acontece. Contudo, fora das paredes da sala de aula, guardam-se para serem eles mesmos, simples e sem máscaras.
Esse contraste, muitas vezes invisível ao olhar alheio, é uma dança de dualidades. Dentro da sala, são vozes cheias de energia, autoridade e paixão. Estão preparados, seja para explicar um conceito complicado, seja para mediar um debate acalorado. É como se, ao cruzar a porta da sala de aula, deixassem para trás seus dilemas pessoais e abraçassem a missão de inspirar.
Não importa o quanto a vida fora esteja pesada. Ali, com seus alunos, dão o melhor de si. Repetem, revisam, encontram formas criativas de tornar o aprendizado significativo. Não há espaço para o desânimo ou para a preguiça. Mas e fora dali? Fora da sala de aula, são outras pessoas. Não menos importantes, mas definitivamente diferentes. São pais, mães, filhos, amigos, sonhadores ou até solitários.
Reservam-se o direito de ser quem realmente são, sem a obrigação de carregar o peso da inspiração constante. É como se vivessem duas vidas: as dos palcos, onde tudo é para o outro, e a dos bastidores, onde finalmente podem ser apenas para si. E por que isso importa? Porque o mundo muitas vezes não entende que essa entrega exige um preço.
Vê-se o brilho dos palcos, mas não os ensaios intermináveis, as noites em claro revisando conteúdos, a pressão de equilibrar expectativa e realidade. Poucos percebem que, por trás daquela energia contagiante, há uma exaustão que nem sempre é física, mas emocional. Dar tudo de si para os outros pode ser gratificante, mas também é esgotante.
Essa dualidade entre o “ser para o outro” e o “ser para si” muitas vezes carrega um julgamento implícito. Espera-se que o professor seja uma extensão de sua sala de aula, mesmo em sua vida pessoal. “Como assim não participa de todas as reuniões da escola?” ou “por que não está disponível para esclarecer dúvidas fora do horário?”. Como se ser profissional exigisse sacrificar o direito à privacidade, ao descanso ou ao simples prazer de existir sem papéis definidos.
Ainda assim, há beleza nesse contraste. O professor que se entrega totalmente ao ensino faz isso não porque é uma obrigação, mas porque é uma vocação. Estudar mais para ensinar melhor não é um fardo, mas um compromisso com algo maior do que ele mesmo. É por isso que, ao sair da sala de aula, precisa recolher-se. Para recarregar as energias, para lembrar que, antes de ser um educador, é também um ser humano.
A sociedade, no entanto, precisa aprender a enxergar o todo. O professor não é apenas o herói da sala de aula, mas também alguém com seus limites, seus medos, suas aspirações. É alguém que encontra na entrega profissional a realização de um propósito, mas que também precisa de espaço para não ser nada disso – para ser apenas ele, com seus silêncios e desejos.
E, talvez, o maior ensinamento que esses professores nos deixam não esteja no conteúdo que ministram, mas na própria forma como vivem. Mostram que é possível se doar sem se perder, que a intensidade de uma vida dedicada a ensinar não precisa apagar a chama de ser quem são. Inspiram não apenas pelo que sabem, mas pelo equilíbrio que buscam – e, muitas vezes, encontram – entre os palcos e os bastidores.
No final, talvez o grande segredo desses mestres seja a capacidade de amar o que fazem sem esquecer quem são. Nas salas de aula vivem para o outro; fora dela, vivem para si. E é essa dualidade que os torna tão completos, tão humanos, tão dignos de admiração. São exemplos de que é possível mergulhar profundamente no ofício sem abrir mão da própria essência. Afinal, o verdadeiro ensinamento começa no ato de viver com integridade.
E é nesse equilíbrio entre a entrega ao outro e a preservação de si mesmo que reside a grande lição que esses professores nos dão, mesmo que de forma silenciosa. Vivem uma humanidade plena, mostrando que a verdadeira paixão por ensinar não é um ato de anulação pessoal, mas de integração. As salas de aulas são os palcos onde compartilham o melhor de si, mas fora dela, são inteiros em sua simplicidade, em sua rotina, em suas escolhas.
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É como se dissessem, sem palavras, que para ensinar bem é preciso também saber quando parar, quando recolher-se e ouvir as próprias necessidades. Talvez, o que esses mestres verdadeiramente ensinem vá muito além do conteúdo formal. Mostram que viver é, em si, um aprendizado constante de equilíbrio. Ensinar com paixão não significa abrir mão de si, mas sim entender que, para nutrir os outros, é preciso antes cuidar de si mesmo.
E, assim, encerram sua jornada diária, sabendo que fizeram tudo o que podiam por seus alunos, mas que a volta para si é igualmente sagrada. Afinal, o melhor professor não é aquele que se esgota, mas aquele que sabe preservar a chama que o faz ensinar com tanto brilho.(Foto: ICSA/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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