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Pelos labirintos de agressores, vítimas e vitimistas

pelos labirintos

Expressões em alta nos últimos 10, 15 anos… polêmicas!!! Muita gente foge de debates que enveredem pelos labirintos de agressores, vítimas, vitimistas, relacionamento abusivo, homofobia, racismo reverso, vítimas da sociedade, empoderamento.. Expressões que estão sempre presentes nas redes sociais e apimentam debates intermináveis. Porém, a maior parte das discussões flui em clima ideológico, revelando militâncias político/partidárias, sendo escassas de bases psicossociais, ou quando contém, também são originárias de interpretações construídas por nomes partidários e doutrinadores desse nicho profissional.

Um articulista ou acadêmico, doutor em psicologia, psicanálise, psiquiatria forense ou a área que seja, pode ter sua preferência ideológica. É seu direito. Mas ao trabalhar o aspecto humano, psicológico, deve prevalecer a essência da natureza humana, porque os efeitos das circunstâncias sociopolíticas em cada pessoa influem em parte e não no todo. Logo, se o trabalho for feito unicamente com foco neste contexto sociopolítico, estará alimentando o cabo de guerra. E é exatamente isto que vem crescendo no Brasil.

Citarei um exemplo que precisaríamos ter como lição, por mais pessoas como esta. Havia um escritor, grande e conhecido acadêmico no Nordeste, que mensalmente escrevia artigos e crônicas para um pasquim “revolucionário” nos anos 90. Sim, era um informativo de esquerda, tenho exemplares guardados até hoje. O escritor (in memoriam) era homossexual assumido, não escondia de ninguém. Extremamente culto, habilidoso nas palavras, alfinetava políticos brasileiros e estrangeiros com ironia inteligente e, se preciso fosse, expressões populares mas sem descer ao vulgar. Em suas investidas indo com o dedo nas feridas da política e da sociedade, nem os gays escapavam. O polêmico escritor defendia o direito de ser gay, mas sem fazer apologias. Sabia enxergar o lugar de cada um e respeitar esses espaços. E numa de suas crônicas fez menção aos “gays quá-quás”. E citou a extravagância e os excessos daqueles que pensam que tudo e todos devem girar em torno deles, de seus desejos, e na superexposição do orgulho, acabam desvalorizando a si, criando a imagem na sociedade de que gays são pessoas sem limites e suas armas são usadas para conquistar seus espaços chocando o mundo. Citava ele, através da expressão “quá-quás” que em vez de conquistarem respeito causavam vergonha ao próprio meio. De forma alguma criticou os afeminados, mas sim aqueles que não enxergavam que para serem respeitados devem saber igualmente respeitar.

Se não fosse um gay apontando o dedo numa ferida dentro do segmento, e ainda usando a expressão “gays quá-quás”, e sim texto de um heterossexual, certamente o escritor seria apedrejado e até acusado de homofobia por alguns hoje. Naquela época, anos 90, provocaria caras feias de muitos, mas nenhuma ameaça, como se observa hoje na mídia. Estas linhas, recordando aquele mestre acadêmico, me vieram à mente depois de ser questionado numa opinião que redigi sobre um determinado político. O rapaz, que em sua timeline divulga sua orientação sexual, tomou as dores do seu político estimado e não apenas veio me questionar, mas sim agredir, usando palavras ofensivas à minha pessoa. Logo entendi que era uma provocação. Dependendo da resposta que eu desse, ele viria me acusar de homofobia.

Analisando o perfil do jovenzinho, deduzi que se enquadrava totalmente no perfil “quá-quá”. O mestre acadêmico nordestino, se estivesse ainda entre nós, certamente estaria angustiado com a multiplicação dos “quá-quás” em pouco menos de 20 anos. Veio uma geração cheia de orgulho, que não sabe respeitar para ser respeitada. É cheia de armações para provocar e na primeira palavra proferida a algum ou alguns deles, alegam ter sido ofendidos. Presenciamos bastante estes eventos na rede social. Mas não é só neste este segmento que notamos este tipo de conflito em debates. Existem pessoas “peritas” em buscar agulhas no palheiro, comentários que entendam que contenham uma gotinha de orgulho masculino que esteja ofendendo a mulher. É comum encontrarmos expressões do tipo “olha um machista culpando a mulher”.

A esta altura do texto, alguns leitores e leitoras podem já estar de arma em punho para gritar em meu ouvido “aonde você quer chegar?”

A história é conhecida de todos, inclusive conheci e presenciei muitas situações dos anos 70 para cá, quando comecei “a me conhecer por gente”. Vi o sofrimento daqueles que não podiam sair de dentro do armário para não “macular” o sobrenome da família. Vi aqueles que foram expulsos de casa. Vi as mães chorando, rezando terços e rosários “para Deus” acalmar o coração do marido violento, machista. Sim, vi muitas mães conformadas diante de um conceito religioso interpretado que a mulher deve ser submissa – ao pé da letra mesmo – ao seu marido e ao filho homem. Conheci famílias “religiosas” onde era somente aparência de bem-estar. Predominava a infidelidade, o marido ia aos “inferninhos”, se divertir com prostitutas e até garotos de programa, e a mulher só sabia pelos ouvidos dos outros, e não tomava atitude porque “mulher que pedisse divórcio ficava mal falada”. Conheci filhos bastardos, os filhos que nunca puderam conhecer o pai e a mãe. Conheci mulheres que não podiam ousar provar judicialmente que o filho era de fulano pois seriam ameaçadas até de morte. Sim, lembro bem daquela época. Lembro até do desenho “womanlib” que fiz em sala de aula, ainda adolescente. Foi elogiado pelos (as) professores (as). Sim, era uma época que gritar pelos direitos das mulheres se fazia necessário. E conquistas vieram. Assim como vieram também as leis referentes ao racismo. Vitórias. Mas fica a pergunta… alcançamos o respeito mútuo? A almejada paz?

Voltemos ao texto do acadêmico nordestino sobre “as quá-quás”. O que querem? A paz ou revanche? Revanche, lembramo-nos de outra expressão polêmica: dívida histórica. Já foi paga ou terminará quando? Mas como está sendo feito esse “pagamento?”

Aprofundando na reflexão, vamos colocar frente a frente aqueles dois aspectos citados no início; o ideológico, onde prevalece uma militância, e o psicológico, onde entram os históricos de cada indivíduo, ambiente em que cresceu e as raízes do ser humano, sua natureza primitiva e espiritual. Esta raiz revela que somos todos iguais, velha expressão, que de tão velha, provoca riso. Mas é a mais pura realidade. Somos seres humanos. Com detalhes que fazem algumas diferenças, no corpo e no psicológico, porém a essência e a parte espiritual são a mesma. Neste ponto, derrubamos aquele conceito retrógrado de “sexo frágil”, que se fazia em referência à mulher. Mulheres não são frágeis. E na história há muitas passagens de guerreiras, mulheres que comandaram comunidades, povos, nações… mas tivemos e ainda temos casos de machismo e submissão. E o tão falado “relacionamento abusivo”, tóxico. Consequentemente, os casos diários de violência contra a mulher. Entretanto, nem tudo se enquadra na expressão “a culpa nunca é da vítima”. Lembremos o caso do jovenzinho despejando palavras ofensivas… ele, por dizer que está num grupo historicamente vítima, tem o direito de se dirigir aos outros com petulância, provocações e desrespeito? Aqui entra o aspecto que deve estar acima de “dívidas históricas”. Outrora vítimas, podem se tornar agora agressoras. Os papéis invertem e estão ao alcance de qualquer um de nós neste degrau que a humanidade se encontra. Há homens violentos e mulheres violentas. Há homens submissos e mulheres submissas. E igualmente há golpistas homens e mulheres, que fazem manipulações emocionais. Controlar o outro é um jogo na relação de muitos casais. Portanto, relacionamentos abusivos não podem ser unicamente vistos como o marido dominador, que prende a esposa e faz dela gato e sapato. Torna-a dependente dele para tudo, inclusive emocionalmente. Daí a falta que faz o psicólogo da família. Existem médicos da família, poucos. Psicólogos seriam primordiais nestes tempos de duelos alimentados após o período de transição, que teve tudo para melhorar os relacionamentos sociais, mas convergiram para o outro extremo, uma revanche, não declarada, mas real. Se analisarmos diversos casos de intriga familiar, com violência física e moral, passaremos a compreender que existe uma guerra por domínio. Se existe guerra por domínio, os direitos conquistados de nada valeram. Não foi alcançada a tão apregoada igualdade… seria de fato utopia? Vamos a alguns casos; ele dominador, ela dominada, e apaixonada. Aguenta os abusos por um tempo, vai embora, sente-se impotente e volta para seu dominador, o clássico caso de relacionamento abusivo. No outro caso, ele tenta ser dominador, não consegue, não é violento, ela conhece os pontos fracos dele e vai dominando. Não gosta dele, gosta do que ele possui. Tenta destruí-lo psicologicamente, porque isto não deixa pistas. Inferniza o companheiro para ele adoecer fisicamente e mentalmente. Acabar com ele, pois ela ficará com a herança e poderá desfrutar de uma vida com outro, que ela já tem, sem ele saber. O jogo pode dar certo, ela acabar com ele com suas próprias artimanhas. Quando isto ocorre, é porque ele está amarrado a ela, a dominante. Isto é mais frequente quando o homem já possui idade avançada e problemas de saúde, é onde a dominadora ataca criando situações de extremo estresse para ele. Mas de repente pode não acontecer como ela previa no controle da jogada, e ele, numa atitude radical, imprevista, agredi-la ou tentar matá-la. Tentativa de feminicídio, como agora é classificado. E ela acaba figurando como vítima do mesmo modo que a submissa, dominada pela figura machista. No entanto, esta “vítima” era na verdade a dominadora, criadora de uma situação abusiva inversa. A golpista. E quem levanta a voz rapidamente para acusar quem questione um caso semelhante e dizer “a culpa nunca é da vítima” só pelo fato da vítima ser mulher, não sabe que existem estes casos? Quiçá não querem que estes casos sejam colocados em pauta! Por quê? Porque os direitos conquistados lá atrás, direitos nobres até então, passaram a ser usados numa espécie de corporativismo. E no corporativismo “irmãos não culpam, não entregam irmãos”. O gay agredido ou morto sempre será a vítima, mesmo que ele tenha se envolvido com alguém para assaltar, aplicar um golpe. Evidente que nada justifica um ato de violência, nada justifica o crime. Porém não temos ingênuos neste século 21, com toda informação e conhecimento ao alcance de todos. Temos sim pessoas com problemas de saúde, determinadas deficiências e que necessitam de proteção. Tanto homens como mulheres, jovens, idosos. Não existe sexo frágil, mas existem pessoas frágeis, que podem ser vítimas de outras. Mas nada comparado ao número de homens e mulheres que se encontram em permanente jogo, queda de braços de dominação psicológica. A “lei de Gerson” era veiculada na TV nos anos 70, foi assimilada, transmitida de geração para geração e sendo aperfeiçoada. E novamente a pergunta: revanche? Até quando os papéis ficarão se invertendo? Se o racismo reverso não existe, não poderá estar sendo estimulado com determinada militância? Qual a necessidade de “linguagem neutra?” No que contribui na tão apregoada inclusão? Gays da geração X, que estiveram dentro do armário, comeram o pão que o diabo amassou, conseguiram vencer profissionalmente e estão num relacionamento estável, muito bem de vida e sentimentalmente, não necessitaram de linguagem neutra. Por que a geração de agora necessitaria?

Sou geração X e dei minha contribuição acreditando que a sociedade alcançasse a igualdade. Eliminar o preconceito, conquistar direitos. Participei dos movimentos, inclusive literários, artísticos. Mas vi as coisas extrapolarem nas mãos de extremistas. E em vez de aceitação, estamos assistindo o crescimento da rejeição; e o pior… ataques. Se chegamos a um ponto de temer retrocesso social e cultural, é porque algo foi feito de forma errada. É como se num jogo de cassino, o jogador tenha pela primeira vez faturado um prêmio muito bom. Ele fica empolgado, começa a se exibir e, desfrutando do que conquistou, resolve gastar tudo o que tem numa nova jogada para conquistar o prêmio maior, ter maiores satisfações para jogar na cara dos outros jogadores, que eram de melhor condição financeira que ele, “olha o azarado aqui, que vocês tanto falavam”. Mas numa nova jogada ele pode perder tudo o que havia conquistado. E errará pelo deslumbramento, pela vaidade, por não se concentrar em sua vida com as conquistas obtidas e querer cutucar os outros. Como se não conseguisse jamais se livrar da imagem de “eterno azarado”… e no carregar o trauma de tempos passados, continuará sempre culpando pessoas que via como privilegiadas em épocas anteriores, por mais que hoje estas pessoas não se enquadrem na visão daqueles tempos. É como se filhos e netos merecessem ser punidos pelos erros e preconceitos de seus pais, avós, bisavós…

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Igualdade ou revanche? Inversão de domínio? Então o jogo não tem fim. Não querem paz, querem guerra. A apregoada igualdade, de lutas de 30 anos atrás, só será alcançada quando atos simples forem colocados em prática. Quando a psicologia estiver à frente da militância ideológica. Quando se entender que carregar, trazer e manter as assombrações do passado no presente é estagnação e não evolução. E a sociedade souber se o que ocorreu neste, naquele caso foi, de fato, caso de racismo ou não. De homofobia ou jogada para prejudicar alguém. Intrigas por motivos torpes que já deveriam ter sido enterradas, porque independentemente de termos homens, mulheres, raças, direcionamentos sexuais diversos, somos todos seres humanos. E seres humanos tem que controlar seus impulsos de domínio, como neste exemplo; uma pessoa tinha um cão acorrentado no quintal. Sendo dona do animal, essa pessoa cuidava, mas também batia no animal. Até que chegou um dia que o cão resolveu reagir e mordeu seu dono. O dono foi vítima de um ataque do animal. Mas como o tratava? Muitos lá fora não sabem, só sabem que ele foi mordido, foi vítima. Ah, mas é um animal, somos humanos… somos humanos mas cada um de nós guarda uma fera dentro de si. Somos racionais, e justamente por isso desafiamos muitas vezes o perigo, subestimamos o outro, consideramos o outro um ignorante e tentamos ganhar algo em cima daquela ignorância, fragilidade ou aparente fragilidade, quando aí o malandro se engana e cai do cavalo, porque ninguém é dono de ninguém. Nada disto aconteceria se a relação fosse dentro da lei universal: respeito mútuo. Sejam iguais, sejam diferentes, respeitar-se. Cuidar bem um do outro. Mas se você achar que é utopia e a paz e a fraternidade nunca serão alcançadas, continuaremos no jogo, na eterna queda de braços, onde os dois lados continuam somando perdas e não ganhos.(Foto: br.depositphotos.com)

GEORGE ANDRÉ SAVY

Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.

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