Vivemos num cenário de fortes tendências voltadas ao conservadorismo, até como forma de protesto aos inúmeros desmandos registrados até então. Nesse ambiente propício a ideias miraculosas, na área da segurança pública, retorna um tema que sempre foi recorrente, para se resolver a insegurança que campeia país afora, qual seja, a tal pena de morte para os crimes considerados graves. Para alguns, representa solução simplista que só alimenta o equívoco na busca de solução duradora para se combater a criminalidade. Para outros, trata-se de solução definitiva, já que o criminoso morto não representaria mais nenhum tipo de perigo ou despesa para sociedade. De qualquer forma, ainda hoje perdura a discussão se a pena de morte para crimes graves, representaria solução ou equívoco, enquanto ferramenta para resolver a questão da insegurança pública no país. A ironia é que dependendo do foco, conforme identificado em pesquisas realizadas no mundo, a pena de morte pode significar eventual solução para se combater os crimes graves, mas ao mesmo tempo, também pode representar elemento agregador de mais violência praticada oriunda do criminoso, que sabendo que pode ser condenado à morte, não se intimida em ser mais violento nos crimes que pratica.

Opiniões favoráveis ou contrárias à pena de morte, caso fosse reintroduzida no país, o certo é que diante de um quadro de violência que chega a quase 30 ocorrências de mortes por 100 mil habitantes, precisaríamos de eficientíssimo e fleumático carrasco. Talvez haja alguma dificuldade em encontrar alguém com esse perfil, já que o brasileiroé considerado amante de futebol, de carnaval, de praia, de novelas e por aí vai nossa fama tão debochada pelo mundo.No filme de “O Lavador de Almas”, do diretor Adrian Shergold (2005), foi retratada a vida do carrasco mais famoso da Inglaterra, Albert Pierrepoint, que seguindo a profissão do pai, buscou realizar o enforcamento mais eficaz e rápido que aquele, superando-o na prática da execução de condenados. Apesar da insensibilidade para com os criminosos, demonstrava profissionalismo e os tratava com certo respeito, evitando o sofrimento da morte. Não se envolvia emocionalmente na realização do enforcamento. Procurava demonstrar que a medida era legal e necessária, não só para o perdão do condenado, mas também para aplacar o sentimento de “vingança” da sociedade. O carrasco inglês teria executado 608 pessoas, por enforcamento, entre 1932 e 1955, naquele país. Aliás, sugestivo o número de enforcados, não só para os conservadores extremistas, mas para todo brasileiro revoltado com a roubalheira generalizada registrada por aqui, se considerado que o total de parlamentares no Congresso Nacional é de 594, sendo 513 deputados e 81 senadores. Número interessante.

No mundo, segundo o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, conforme relatório publicado o ano passado, dos 193 países que integram o Conselho, cerca de 170 deles aboliram, expressa ou tacitamente, a previsão da pena de morte em seus respectivos territórios. Contrário a esses dados, cerca de 23 países não só mantiveram como executaram a pena de morte em seus domínios, principalmente nos países de religião islâmica ou muçulmana. A tal “Primavera Árabe” iniciada em 2010, atingindo países do Oriente Médio, Ásia e alguns países da África, ficou mais para “Primavera da Morte”, por aqueles lados conturbados do planeta. Na China comunista, que está mais para capitalista, as execuções ocorriam em praça pública, mas com as mudanças políticas dos tempos, o país tem procurado ocultar o real número de execuções realizadas, ainda que sejam os maiores números de execuções no mundo, segundo levantamento da Anistia Internacional publicado no começo de 2017. Ao contrário da China, onde predomina o fuzilamento com munição paga pela família do executado, também naqueles países islâmicos, há uma certa predileção para a pena de morte por enforcamento, ocorrendo também há o fuzilamento, entre outras práticas de morte. De concreto, não se sabe se a aplicação efetiva da pena de morte nesses países reduziu ou não os índices de criminalidade, não havendo nenhum dado que possa interessar e sugerir alguma ideia para resolver o avanço da criminalidade no Brasil.

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No Brasil Imperial, no chamado regime regencial governado por D. Pedro II (1831 – 1840), existia a pena de morte por enforcamento. A ideia era conter o espírito de revolta dos representantes das Províncias, que pleiteavam maior autonomia política e para isso se rebelavam contra a Coroa. Não só os absolutistas, mas também os ditos conservadores da época, defendiam ferrenhas condutas contrárias as mudanças políticas no país, passando do regime monárquico para o republicano, como queria a maioria. A coisa não deu certo para ninguém. No livro “A Fera de Macabu”, escrita pelo jornalista Carlos Marchi, conta a estória de um fazendeiro que fora condenado à pena de morte por enforcamento, pois que teria assassinado uma família de colonos. O fato teria gerado considerável polêmica, já naquela época. A pena capital era mais direcionada aos escravos e não aos representantes da elite daqueles tempos. O imperador não concedeu clemencia e mantendo a execução do acusado, teria errado na dose de se aplicar pretensa justiça. Mais tarde teria sido comprovada a inocência do rico fazendeiro. O fato teria motivado o Imperador a restringir a aplicação da pena capital no país, salvo se fosse escravo, pobre, miserável, enfim, a eterna luta desigual entre a elite e os miseráveis.Lembrando que a pena de morte foi introduzida ainda no Brasil-Colônia, em 1530, por um capitão chamado Martim Afonso, sendo abolida somente em 1981 pela Constituição, à época. Nem se cogitava falar em segurança pública em 1937, mas a CF em vigor, previa no final do seu artigo 122, alínea “f”, que a pena de morte poderia ser aplicada, mesmo não sendo em tempos de guerra, para punir os crimes de homicídios cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade, leia-se, tortura. Não se sabe da sua efetiva aplicação legal, mas é certo que essa previsão já constou em texto constitucional. Deve ter faltado uma fleumática orientação britânica, para que a pena de morte fosse realmente executada no país. De qualquer forma, no início do Século passado, o Brasil já teve vigente no seu quadro jurídico, a pena de morte por enforcamento. O fato de estarmos no início do Século XXI, pode ser outra sugestiva coincidência.

Algumas tentativas de se reimplantar a pena de morte do Brasil estão registradas no Congresso. Um dia depois da promulgação da atual Constituição Federal de 1988, foi protocolado um Projeto de Emenda à Constituição – PEC, para instituir a pena de morte no Brasil. Porém, a própria Carta Magna já considerava ser proibida tal possibilidade, vez tratar-se de clausula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada por emenda constitucional. Ainda assim, é forçoso reconhecer que a atual CF prevê a pena de morte, obviamente em caráter de excepcionalidade, quando dispõe que não haverá pena de morte no país, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, inciso XIX da CF. Remete, portanto, ao Código Penal e Processual Militares, quanto a excepcionalidade. Vale lembrar que o tal do “Tribunal do crime”, ousadia criada por conhecidos grupos criminosos, aplica de forma eficaz e sistemática, a pena de morte entre seus integrantes e mesmo contra inocentes, como forma de inibir e aterrorizar àqueles que ousam não cumprir as barbaridades por eles estabelecidas no mundo do crime. Parece que funciona e muito bem.

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Pesquisa realizada em conjunto em 2011, na área de segurança pública, pela Confederação Nacional da Indústria – CNI e o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística– IBOPE, revelou que quase metade dos entrevistados são favoráveis a implantação da pena de morte no Brasil. Essa opinião estaria lastreada na crença de que tal medida representaria ferramenta eficaz para reduzir a criminalidade, sendo ainda maior o número daqueles que acreditam que a pena de prisão perpétua seria a mais apropriada para tal objetivo. Ambas são proibidas pela CF, junto com a possibilidade de condenação a trabalhos forçados. Essa postura da sociedade pode estar relacionada à sensação de insegurança registrada noutra pesquisa realizada pela CNI, em março deste ano. Conforme essa pesquisa, a maioria dos brasileiros, cerca de 60%, considera que a situação da segurança pública piorou no país, considerados os períodos de 2011 a 2017. Mundos e realidades diferentes, mas ainda assim talvez a verdadeira mudança resida no exemplo da Coreia do Sul, que de país pobre passa a condição de desenvolvido, em grande parte, devido a investimentos na área da educação, ainda que mantenha em seu regime jurídico, mas não aplicada desde 1988, a previsão da pena capital para crimes graves.

É bem provável que se a pena de morte fosse implantada no Brasil, ainda assim não se resolveria a questão da insegurança que se alastra em todas as áreas. Solução ou equívoco, a polêmica sobre a adoção ou não da pena de morte no país, não deve desvirtuar a necessidade de se buscar soluções perenes para o problema da segurança pública. Deve ser enfrentado com seriedade e vontade política necessárias, em prol da crescente população amedrontada. Fomentar uma cultura de paz e garantir a permanência do Estado de Direito, também passa por posturas mais rígidas por parte do Estado.


ferraz-400x267-2-400x267JOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.