Perdas são inevitáveis, mas ninguém quer. Ninguém quer perder uma partida seja lá do que for. Até de palitinho. Mas estas, ao menos, não nos afetam mais do que poucos segundos, minutos, algumas horas de tormentos alheios… Passageiro. O sono é o mesmo, a vida segue inabalável.
Perder para a morte repentina ou para uma doença progressiva são outros quinhentos multiplicados por infinito. É bem no meio dessa perda que mora a angústia, sentida como um vazio impreenchível e por onde perambulam saudade, arrependimento, gratidão, dor. Dor que exige uma nova condição não requerida, que gera revolta e invoca a aceitação da imposição de um fato sobre a vida. Fatos que afetam sem pedir licença. Nada fácil perder um amor e não se perder junto…
As aparentemente pequenas, mas tão significativas perdas que experimentamos ao longo da existência, nos ajudam a passar pelas demais, essas grandes e marcantes, que encerram fases e iniciam outras, que passam a ditar calendários em antes e depois.
Saber que as perdas são constitutivas de todo ser humano significa que somos feitos delas. Como aquela que sente o bebê quando a mãe se ausenta levando consigo o seio que o nutre, acalenta, integra; mais tarde, a perda que desvencilha a criança da figura materna pelo reconhecimento de uma terceira (a paterna, ou quem faça essa função no papel de terceiro), que a ensina a perder onipotências e a fazer escolhas; perdas como a da infância para a adolescência – esta tomada por si só, em essência, de perdas tamanhas (do corpo, da voz e da fala, da turma, dos amigos de outra escola, da paixão não correspondida, da heroicidade dos pais).
O manejo da vida é em grande medida o manejo de perdas. O bebê que, amparado, soube suportar uma perda (ausência), assim como a criança que, tomada de conflitos subjetivos, conquistou o olhar para si e se reconheceu uma sem os pais, e o adolescente que mesmo se revoltando, enfrentando ou silenciando soube que não estava sozinho e teve novamente o amparo de que necessitou para desenvolver um olhar genuíno para si, é a pessoa que, hoje, quando perde, lida – sem se perder. A percepção, a presença, a fala e a escuta dos pais (ou de quem cuida) frente às perdas constitutivas do bebê, da criança e do adolescente, sujeitos altamente vulneráveis, irá ditar como se dará a forma de lidar com as perdas seguintes – das pequenas às imensuráveis.
Afinal, é a vida quem ganha todos os dias, até a morte chegar. Esta, sim, vencedora soberana sobre a vida.
Mas nós, sim. Perdemos, e muito, o tempo todo, temporária ou permanentemente. O ônibus, o tempo, a convivência. O amor que esvaziou, a taça que trincou, a memória que apagou. Perdemos num momento a filha adolescente que foi morar longe para estudar; o pai idoso cuja fortaleza se esvai e o corpo não responde à sua consciência; o amigo de longa data que, num súbito, perdeu o controle de sua moto. A paciência, os óculos, a chance de dizer aquilo que ficou guardado. Quando fazemos escolhas. Quando abrimos mão. Quando deixamos ir. Perdemos amigos e companhia, perdemos a mãe, o pai, os avós, o emprego que amávamos. Perdemos aos poucos quem vamos esquecendo. Perdemos tempo, viço e até alegria (que seja por algum momento). E o controle? Não o perdemos, porque não o temos.
Mas da matéria da perda se faz novos sonhos, e com eles, novas possibilidades. Só se reconstrói quem, ao (se) perder, se desconstruiu. Só se busca recuperar algo quem reconhece aquilo que perdeu. Só melhora quem assume erros e perdas.
A capacidade de sublimar as perdas em novos espaços – internos e externos – a serem descobertos vem da habilidade de amar, por ter sido amado. E de aceitar ser amado, por saber manifestar seu amor. É o amor, aquele primordial, em forma de amparo e cuidado, na medida entre a presença e a ausência, entre o ter e o faltar, entre o ser e o não saber, que, embora não alivie as dores das perdas, tantas e todas, rasas ou profundas, não nos deixa nos perder de nossa própria vida – e nos faz seguir em frente. (Foto: Kampus Production/Pexels)

TATIANA ROSA
É psicóloga, pós-graduanda em clínica psicanalítica; pedagoga e jornalista. E-mail: rosa.ta@gmail.com , insta: @tati_psico
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