A vida, em sua dança contínua entre o que é e o que deixa de ser, nos desafia com a beleza e o peso das perdas. Mas também nos presenteia com aquilo que permanece: os gestos de lealdade, os rastros da espiritualidade e uma silenciosa — porém poderosa — certeza de que o Bem existe. Em meio ao tumulto do cotidiano, quando tudo parece ruir, restam essas certezas suaves, como quem encontra uma vela acesa em um quarto escuro.
Lealdade não se grita. Ela se manifesta nos pequenos atos — na escuta paciente, no abraço sem prazo, na presença sem exigência. É fácil ser amigo nas festas e nos risos. O desafio é continuar sendo na dor alheia, quando a alegria se ausenta e o outro se torna mais sombra do que luz. Lealdade é isso: ficar quando não há mais nada a oferecer além da própria companhia.
Vivemos em um tempo de relações líquidas, como bem definiu Bauman. E, nesse cenário, a lealdade quase parece antiquada, romântica demais para o pragmatismo das conexões descartáveis. Mas ela resiste. Talvez porque não esteja nas modas nem nas redes, mas na alma dos que ainda sabem reconhecer o valor de um vínculo que sobrevive ao vento.
Há quem confunda lealdade com submissão. Não é. Ser leal não é ser cego, mas ser fiel mesmo quando se enxerga as imperfeições. A lealdade é humana, não idealizada. Ela reconhece o erro, mas aposta no vínculo, na história partilhada. É ela quem nos sustenta quando tudo mais vacila, como uma ponte firme sobre um rio caudaloso.
As perdas nos visitam sem convite. E, quase sempre, sem aviso. Pode ser a morte de alguém, o fim de um amor, a mudança repentina de rumos, ou até a perda do que não se chegou a viver. Perder é universal, e ainda assim, sempre parece pessoal demais.
Não é à toa que o luto seja uma jornada solitária. Cada um o atravessa com sua dor, sua memória, seus rituais. Há os que choram alto, os que se calam, os que negam, os que escrevem. E há aqueles que fazem das perdas um caminho para encontrar novos significados.
A perda tem um poder estranho: ela tira, mas também revela. Quando perdemos, entendemos o que realmente nos importava. A perda desmascara. Mostra o que era essencial e o que era excesso. No fundo, perder nos ensina a ganhar — de si mesmos, da superficialidade, do medo de viver.
Seja como for, a perda nos obriga a reformular a existência. E talvez essa seja sua dádiva escondida: nos transformar mesmo quando tudo parece fim.
Perder sem espiritualidade é como atravessar um deserto sem água. É a espiritualidade — e não a religião, necessariamente — que nos ajuda a entender que a dor não é o ponto final. Que há algo maior, mais profundo, que escapa à lógica do visível.
Espiritualidade é a linguagem da alma, o diálogo silencioso entre o finito e o eterno. Ela nos fala através de símbolos, de intuições, de encontros inexplicáveis. E, sobretudo, ela nos dá um lugar de repouso quando o mundo exterior se torna insuportável.
Muitas vezes, é apenas após uma perda que a espiritualidade se torna real. Não como doutrina, mas como necessidade. Como respiro. Como fio de conexão com um sentido maior. É nesse momento que nos damos conta de que há algo — ou alguém — que caminha conosco, mesmo quando nos sentimos sós.
A espiritualidade também nos ajuda a confiar. Acreditar que o que nos escapa agora poderá ser compreendido depois. Ou nem precisará ser compreendido, apenas aceito. Nela, há uma sabedoria que nos convida a ver com os olhos do coração.
Em um mundo tantas vezes marcado pela violência, indiferença e egoísmo, acreditar no Bem pode parecer ingênuo. Mas não é. Acreditar no Bem é um ato de resistência. É afirmar que, apesar de tudo, ainda há beleza nos gestos simples, bondade nos corações comuns e luz mesmo nos becos mais escuros da existência.
O Bem, talvez, não esteja nos grandes feitos heroicos, mas nas pequenas escolhas diárias: no gesto de escutar, no cuidado oferecido sem retorno, na capacidade de perdoar, na coragem de recomeçar. E, sobretudo, no compromisso com a verdade, mesmo quando ela dói.
Há uma força que nos move — mesmo quando tudo em volta convida ao cinismo — e essa força é o Bem. Ele é discreto, mas persistente. Às vezes se mostra em alguém que nos estende a mão sem nos conhecer. Outras vezes, brota dentro de nós, como uma voz que nos impede de desistir de tudo.
A certeza da existência do Bem não é uma ilusão reconfortante. É uma escolha. É uma forma de habitar o mundo com esperança, sem fechar os olhos para a dor, mas também sem permitir que ela seja tudo.
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COISAS SIMPLES, QUASE INVISÍVEIS
Entre perdas e encontros, dores e superações, a vida nos esculpe. E, no fim das contas, o que permanece não são os bens acumulados, os títulos ou as certezas absolutas. O que resta — e vale — é a lealdade que oferecemos e recebemos, a espiritualidade que nos sustentou no invisível, a maneira como aprendemos a lidar com as perdas e, sobretudo, a firme esperança de que o Bem resiste, ainda que em faíscas discretas.
É ele quem nos move. E talvez, no fundo, seja ele — apenas ele — a resposta que buscamos nas perguntas mais profundas da vida…(Foto: Pavel Danilyuk/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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