De PORTUGAL para Jundiaí

Em junho deste ano de 2017 estive visitando Portugal, Lisboa e demais cidades do interior daquele país. Neste breve artigo, relato alguns pontos interessantes que observei no que tange ao assunto turismo lá e cá.

Lisboa não difere muito de Jundiaí em sua extensão territorial e populacional (moradores são pouco mais de 500 mil, no entanto a população flutuante é enorme, dos que lá trabalham e moram nas cidades vizinhas e também os turistas, que são diários). Neste quesito, sem levar em conta o fato de ser capital de país conhecida mundialmente, vale trazer um exemplo que se encaixa muito bem para nossa Terra da Uva, situada no estado considerado “locomotiva do país” e alardeada como oitava economia.

Jundiaí alavancou sua economia apesar das perdas de suas raízes agrícolas para a especulação imobiliária. Tardiamente criou-se o turismo rural com o “circuito das frutas”, que poderá perder seu potencial e o objetivo se não for aprimorado. Indústrias foram fechadas. Mas vieram outras, junto aos negócios. A rede hoteleira cresceu extraordinariamente, e a quarentona Nove de Julho virou o “point baladeiro” e gastronômico. No entanto, Jundiaí não aprendeu a receber turistas e muito menos atrai-los. Foi justamente o que provocou a reflexão ao caminhar quilômetros pela região central de Lisboa.

As ladeiras lembram as centrais de Jundiaí. Ruas estreitas, movimentadas. Mas ordeiras. Seguras a qualquer hora do dia e da noite. Inexistem postes com fiações expostas atravancando as calçadas e enfeiando o cenário, que pode ser fotografado de qualquer ângulo. Os estacionamentos nas ruas só são permitidos em áreas onde não comprometam a circulação de pedestres. Enfim, pequenos detalhes que tornam o caminhar agradável…porém há dois pontos que considero os principais: refeição e história.

Quem caminha por uma cidade, está em busca de cenário. Coisas para ver que produzem prazer. Que levam tanto as pessoas da cidade como os turistas a voltar àqueles trajetos já feitos. E o que prende tanto a atenção e o interesse das pessoas? Diversidade de locais para refeição e a junção arquitetura + paisagismo. Andar a pé pela “Baixa” que é o centro histórico de Lisboa se faz a qualquer hora do dia e da noite.

Milhares de locais para tomar café, almoçar ou jantar estão disponíveis para todos os bolsos, dos mais exigentes aos mais populares. Todos limpos (devidamente fiscalizados) e que proporcionam aos clientes o bem-estar total, afinal a alimentação é algo que deve ser feito com toda a higiene e harmonia. Um ritual. Que pode ser desfrutado tanto dentro como fora. Há muito tempo que não fazia um lanche na calçada ou em calçadões, observando o vaivém de pessoas nas ruas, olhando o céu, o sol se pondo e seus reflexos nos prédios históricos da cidade.

Aqui entra o segundo ponto, história. Jundiaí tem história, rica. Não tem a idade e a fama das cidades do velho continente, mas está entre as mais antigas do Brasil. E seu centro conseguiu salvar um pouco dessa história. Solar do Barão, o prédio das Casas Pernambucanas, a escola Conde do Parnaíba, a Francisco Telles, o Teatro Polytheama… Mas quem caminha pelo centro de Jundiaí como se caminha no centro de Lisboa?

Anos atrás o centro de nossa cidade foi revitalizado. Ganhou até fiação subterrânea, embora o projeto não tenha chegado nem na metade do que deveria ser feito. No entanto, a revitalização não proporcionou o retorno das famílias ao centro, e muito menos atraiu visitantes.

Não houve um debate amplo com a comunidade, com todos os segmentos, para se chegar ao objetivo de “ressuscitar” o velho centro, aquele que atrai; “conhecer a cidade de verdade é conhecer seu coração, o pulsar da vida e de sua história de vida”. Eis a questão. Moradores e turistas desfrutam de um lugar saciando o estômago. O que temos no centro de Jundiaí tão atrativo como o corredor gastronômico da Nove de Julho? Nem durante o dia, muito menos à noite. O calçadão da Barão literalmente morre após as seis da tarde, principalmente da praça da matriz até o Largo São Bento. Liberou-se o tráfego de veículos talvez para “amenizar” o clima modorrento entre prédios novos estilo “caixote”.

Seguindo em direção ao Polytheama, há mais visão e mais prédios históricos, mas nada a ofertar de agradável. Quem vai assistir as programações no Polytheama, estaciona ali no entorno e depois do espetáculo, cada um se dirige aos seus carros (pagando para os “flanelinhas”) e vai para casa ou para a Nove de Julho. Ou seja, vai ao teatro no centro mas não desfruta do centro da cidade.

Ali perto do Polytheama existe a chamada “casa rosa”, que até hoje sua situação é uma incógnita. Poderia ela, com seu charme, se tornar um ponto gastronômico ou “café cultural” para o público que vai ao Polytheama. Mas a ideia, como tantas outras que partem de um ou outro cidadão jundiaiense, esbarra em obstáculos intransponíveis. São os velhos interesses de uma boa parcela da própria população e dos políticos, pessoas que querem o crescimento da cidade mas de acordo com algo que receberão como “contrapartida”. Em outras palavras, a ganância é que predomina. E de interesses em interesses, onde dinheiro grosso circula, Jundiaí cresceu muito nos últimos vinte e cinco anos, mas de forma desigual. Áreas restritas que pulsam e brilham intensamente dia e noite, enquanto outras servem como “garimpo” durante o dia e à noite ficam à disposição das “personas non gratas”, que não entram em shoppings para incomodar “pessoas diferenciadas”.

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Ainda sobre patrimônio histórico, visitei o maior museu ferroviário de Portugal, na pequena cidade de Entroncamento (comparável a cidade de Cabreúva), a poucos quilômetros de Lisboa. A riqueza do material ali preservado é impressionante, mas não menos importante do que o material que temos em nosso Museu Ferroviário da Companhia Paulista. A diferença é que em Portugal, cidades, país e até a União Europeia investiram na preservação desse patrimônio. Aqui, nosso acervo sobrevive aos trancos e barrancos, correndo risco em instalações que não recebem o devido valor do poder público. Esbarra no velho jogo de empurra entre estado e município, que não veem aí algo que reverta “em votos”.

Lisboa trouxe muita reflexão. Foi inevitável comparar. Passei por outro local da cidade na mesma área central, onde se tem a visão idêntica a que temos do alto da Esplanada Monte Castelo, o “Escadão”. Mais uma vez, estive lá à noite, junto a muitas pessoas caminhando pelo local, apreciando a vista que se tem da “Baixa” no período noturno. Em Jundiaí a vista noturna do “Escadão” também é esplêndida. Mas quem pararia ali à noite?

A revitalização do local melhorou muito. Mas como tudo que é feito em Jundiaí, fica incompleto. Parte do morro do “Escadão” continua abandonado, servindo de depósito de lixo. Para ir dele até a Ponte Torta, cujo local também foi revitalizado, será preciso descer até a Vigário e acessar um trecho “sinistro” da Odil Campos Saes, ou do alto, descer pela Barão em outro trecho suspeito, onde sequer as muretas foram reformadas. E como já citei, o que tem para se fazer à noite na área central de Jundiaí, sem bons restaurantes, sem lanchonetes e cafés, sem atrativos para se criar a vida noturna ideal, trazendo turistas e os próprios moradores da cidade de volta? Enquanto não vem iniciativa de ninguém, resta se contentar as “festinhas anuais” com o evento de sexta à noite, que remedia mas não cura o centro, e os “comícios” durante o mês de dezembro com as lojas abertas à noite, que trazem dinheiro mas ainda não trouxeram as mudanças que a cidade necessita.


GEORGE ANDRÉ SAVY

Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.