É chegada a última sexta-feira do ano e todos estão preparando suas listas de propósitos para 2018: visitar mais os pais que moram em outro bairro da cidade, fazer check-up periódico, ter mais atenção com a família, iniciar curso de língua estrangeira, fazer aquele cruzeiro que sempre sonhou, economizar mais dinheiro, não utilizar tanto o cartão de crédito, ser mais atento ao seu redor, amar mais. Uma lista infinita que fica entre sonho, propósito, objetivo, ilusão, mentira e…fingimento. E, fingir para quê?

Fingimento porque a vida está boa exatamente do jeito em que está. Então, para quê mudar? Mas, neste período, em que muitos manifestam seus desejos de ano novo, vamos entrar na barca e fazer o mesmo. Vamos ser igual à maioria e preparar uma lista sem fim de propostas socialmente corretas e sair contando para todos, em especial se houver por perto alguém que precisa ser impressionado pela nossa verborreia.

Honestamente, não é bem isso o que vemos em sua maior parte de vezes, com pessoas conhecidas, colegas e amigos? E conosco, inclusive?


Ontem fui almoçar no shopping com senhor Wilson Roberto Fernandes, uma das pessoas que mais entende do Esporte Municipal. Conhece todos os caminhos e todos os atalhos, tem ligações importantes e honestas com todos os técnicos da secretaria estadual e com as federações paulistas esportivas. Pessoa de comportamento tímido e moral ilibada.

Em nossa curta trajetória pelos corredores do shopping tive o prazer de coletar muitas “aventuras” das quais algumas aparecem nesta conversa com vocês. Escolhi algumas que justificassem o título escolhido e, em especial, por serem as mais hilárias que podia coletar.

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Encontro um grupo de ex-alunas, professoras da rede pública, que almoçavam em comemoração à aposentadoria. Lembro-me bem delas, foram alunas do magistério no Bispo, onde lecionei Filosofia e Sociologia da Educação, e isso me trouxe cenas em que elas, essas especiais três, eram relutantes em compreender o real alcance de Paulo Freire para a Educação Brasileira. Mas, sigamos. Cumprimentei-as, fui muitíssimo bem reconhecido e abraçado (ai começa o perigo) e, tentando articular alguma conversa comum, perguntei: “Como se sentem, aposentadas?”.

Uma delas, aquela com quem mais tenho contato e acompanhei o final de carreira, de maneira desastrosa e sofrida, por não suportar mais ouvir ser chamada de “professora”, nem ouvir uma voz infantil num raio de 900 quilômetros, me trouxe a primeira brilhante resposta: “Professor, meus olhos ficam cheios de lágrimas…. Já sinto saudades daqueles olhinhos que me seguiam pela sala de aula…” E esboçou umas lágrimas, que eu não dei tempo de rolarem.

Afinal, fingir por quê? Fingir para quem?


Paramos diante de uma vitrine, vendo umas quinquilharias até que, de repente, para ao nosso lado outro ex-aluno, funcionário público, também, que trabalha com meu amigo Wilson. Abraça-me (assusto-me) e abraça o Wilson e diz: “Grande Wilson!!!! Já está com saudade do trabalho?  Esse é um funcionário exemplar. Se eu fosse secretário queria tê-lo por perto…” Eu me afastei e mudei de vitrine, deixando os dois a negociarem elogios, porque em outra administração este rapaz de bons princípios havia tentado afastar meu amigo de seu setor. Forçou a barra até onde pode.

Procurou o secretário da época e manifestou a possibilidade de outro tipo de funcionamento para aquele setor e trouxe nomes que poderiam desenvolver um serviço compatível e eficiente, sem ao menos se lembrar da dedicação da pessoa que o desenvolvia. Quase, quase mesmo, foi ouvido.

Mas é final de ano, o espírito natalino inunda o povo e todos ficam mais cristãos, mais unidos, mais solidários. Afinal, fingir por quê? Fingir para quem?


E, perto da escada rolante encontro alguns conhecidos que vieram cumprimentar pela passagem do aniversário, Natal e proximidade de 2018. E perguntam onde e com quem passarei a virada do ano. Respondo que passarei em casa, com Vitória, minha companheira. Daí, sou obrigado, por não ser surdo, a ouvir a pérola: “Venha conosco, passar com a mamãe…” Respondi: “Com quem?”. Como num coro orquestrado, disseram: “Vamos todos passar na casa da mamãe”. Você nos conhece e sabe o quanto somos unidos. Estaremos lá até o romper do dia. E eu agradeci. Justamente por conhecê-los: a mamãe era aquela a quem eles chamavam de maldita, de desgraçada, de estorvo, de lazarenta, de vagabunda…Fomos vizinhos por apenas 18 anos.

Daí, eu fico surpreso em ver como o espírito natalino inunda o povo e todos ficam mais cristãos, mais unidos, mais solidários. Afinal, fingir por quê? Fingir para quem?


Será que a criticidade aguçada está em mim ou será que alguma coisa errada e estranha paira no ar? Claro que vi excelentes propostas de vida: Diego Lupianha e esposa, donos do Grossburger, pararam-nos para nos abraçar com força e com fé, como amigos de 40 anos. Ana Luiza, ex-aluna predileta e grande educadora, contou-nos sobre seus dias atuais; Zerinho cruza o pátio de alimentação para dar um abraço afetuoso e querido em nós, contando-nos de suas aventuras profissionais; Rafael sai da loja para nos cumprimentar e abraçar com aquele olhar de alegria.

Tudo dentro da proporção e realidade. Sem falsa afetação e sem mistério. Mas resta a pergunta: por que precisamos nos fazer felizes? Por que precisamos nos mostrar realizados? Por que queremos enganar aos outros? Será apenas o calor do momento ou as datas significativas? Na verdade, seria legal investigar por que, de repente, o espírito natalino inunda o povo e todos ficam mais cristãos, mais unidos, mais solidários, apenas nesta época. Afinal, fingir por quê? Fingir para quem?


No discurso popular: fica a dica!!! Finja quanto puder e para quantos puder. Só não se esqueça de não fingir o tempo todo e não fingir para si próprio. A realidade é a Vida que optamos por ter. Afinal, nosso caminho está em nossas mãos, nós mesmos o traçamos e o seguimos. Feliz Sempre. (foto acima: bionaturelche.com)

 

AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.