O profissional da saúde mental que esqueceu de OLHAR para si mesmo

profissional da saúde mental

Hoje a coisa começa de maneira distinta, bem definida, bem pautada e bem consciente: contarei um pouco dos meus últimos 60 dias, ainda que as atividades e compromissos tenham sido mantidos e que nem tudo o que tenho feito e sentido tenho colocado na vitrine das crônicas. Mantenho minha vida pessoal no ritmo intenso dela, porém com critérios de seletividade imposta pelo momento. E que momento é este? Pois é: como profissional da saúde mental, esqueci de dar valor às minhas necessidades e as minha próprias fragilidades, desrespeitando os sinais fisiológicos e psicológicos que anunciavam um agravamento silencioso que crescia em mim: estava num processo de estresse que poderia trazer questões mais sérias e graves. Optei por desconsiderar e mantive meu percurso de trabalho.

Continuei acordando muito cedo para estudar e me atualizar, mantive o estudo das quatro línguas, com exercícios e diálogos, participei de todas as “lives” e congressos a que fora convidado e que eram de meu estrito interesse, garanti atendimento a todos meus pacientes/clientes clínicos, priorizei todas as necessidades dos outros e deixei as minhas para outro instante. Instante este que não chegou porque o caos bateu em minha porta.

De repente passei a esquecer alguns nomes. Deixei de entender algumas falas, como se eu não estivesse focado na conversa, perdia a conexão com a realidade e, mesmo com a lista de compras na mão, era capaz de me perder no Tauste ou no Kalimera. Cheguei a me perder na avenida Nove de Julho, sem saber para onde estava indo. Sim, desespero, muito choro, medo, apreensão e insônia completavam o quadro do terror.

Tomado pelo susto, mesmo sendo profissional da saúde mental, consultei médicos e fiz exames. Todos os possíveis e das mais variadas formas, para fechar um diagnóstico certeiro e iniciar um tratamento eficiente. Ainda insistia em manter minhas aulas, em manter meus cursos de línguas, em manter minhas palestras e atendimentos; precisava mostrar para mim que eu conseguia enfrentar tudo isso com firmeza e sem diminuir o ritmo louco da vida.

Mas, que nada…o corpo foi mais forte que minha vontade: travei. Com um estresse muito alto, fiquei inoperante por uns dias. Medicado, voltei a dormir, passei a me alimentar adequadamente, mas os sinais de prejuízo mental já eram grandes: total dissintonia com tudo, muito medo, agonia extrema em me relacionar e uma vontade de ficar fechado, trancado de tudo e todos e, em especial, de mim. Este fardo emocional e a dificuldade de agir positivamente eram mais resistentes do que minha própria vontade.

A perda do sono e mudanças de rotinas, anteriores, deixaram sequelas que eu estava (e ainda estou) tendo dificuldades para superar, apesar de já estar bem melhor e mais disposto, entretanto, ainda tenho lá meus lapsos que me deixam aflito, temendo sempre o pior, porque acordei para o perigo que me transformou numa pessoa depressiva e sem autonomia. Justo eu, profissional da saúde mental, que luta pela minha autonomia e ensino aos meus próximos que ser autônomo é a melhor das sensações que podemos sentir, na Vida.

Conversei muito com amigos e me esforcei, dentro dos meus limites, a seguir uma rotina saudável de caminhadas, sono regrado, nada de leitura, nem aulas, nem atendimentos, nem nada… foram 50 dias em que vivi para mim, para minha reestruturação. Estes momentos busquei ser o mais gentil comigo, fortaleci minha rede de apoio e pedi ajuda a tudo e a todos, dentro das minhas lembranças viáveis. Não visitei ninguém (além de meus médicos) nem pensei que seria um caminho sem retorno.

Lentamente fui me adaptando ao meu espaço emocional, fui me constituindo e, a cada conquista, agradecia a Deus a chance de me reconstruir; esse processo está sendo lento, dolorido, intenso e sei que será longo. Entretanto, também sei que sou forte e que não estou sozinho nessa parte da minha Vida. Resiliência tem limite e agora aprendi na prática. Aliás, como profissional da saúde mental fui viver a depressão para poder aquilatar o quão dolorida ela é: dói demais, é uma dor incapacitante.

Alguns amigos dizem que não perceberam nada de anormal e eu apenas falei que lutei muito para assumir meu erro. É preciso se amar muito mais do que aos outros, numa primeira instância, visto que ninguém dá aquilo que não tem. Agora olho para mim e me sinto capaz de avançar. Sei que sou capaz de reassumir minhas funções anteriores, apenas que em outro ritmo e outra quantidade. O processo da autoanálise é eficaz e me favoreceu muito para que eu voltasse a pensar na robustez emocional, que só é possível se estivermos conscientes de nossos limites e de nossos anseios.

Sei que sou capaz de virar esta mesa, com a ajuda dos que estão me acolhendo e acompanhando; e no momento nem posso nem quero mais ninguém ao meu lado: preciso readquirir a auto confiança e a autonomia que são minhas marcas pessoais. Porém confesso que sinto certo receio do entardecer. A noite é bela, mas é silenciosa demais; dentro deste silêncio noturno nossos barulhos interiores aparecem para nos assombrar: não é poético. É doentio.

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A depressão não é bela, nem romântica nem suave. É pesada, dura e dolorida, é uma ferida que não cicatriza e que deixa marcas para lembrar-nos de que ela esteve por ali. Entretanto amigos e fé aliados a bons medicamentos e uma terapia eficazes ajudam a recomeçarmos. Quando falei que contaria isso, alguns amigos me desaconselharam, dizendo que eu exporia minha fraqueza. E eu penso que contar expõem minha coragem e minha retomada à Vida.

Contar me faz mais humano e mais igual aos que avançam junto de mim. Empodera-me e permite-me dizer: sou capaz. E serei capaz de vencer esse transtorno psicológico que eu permiti que se instalasse em mim. Sinto-me mais forte com os poucos que estão por perto e com os muitos que sei que estão comigo, mesmo que à distância, mas nada seria sem bons médicos e sem minha Fé, que espero nunca acabar. E tenho dito.(Foto: healthtimes.com.au)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Aluno da FATI.

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