PSICÓLOGA de alma cega

psicóloga

Tempos de colegial… O que serei agora que cresci? A Psicologia me atraiu. Decidi trocar umas ideias com a psicóloga de uma instituição. Perguntei a ela se um deficiente visual poderia ser psicólogo. Ela respondeu, mantendo um tom neutro na voz, porém, bastante enfática e cheia de preconceito:

-Não. Isto não é possível.

Tentei argumentar e perguntei:

-Por quê? 

Ela respondeu:

-Uma das primeiras coisas que fiz ao entrar na faculdade foi observar uma vela queimando. Você não poderia fazer isso.

Na época tinha 18 anos. Eram raros os psicólogos cegos. Inseguro não ousei buscar outras opiniões. A autoridade profissional havia dado seu veredito.

Terminei o ensino médio. Não pensava mais em fazer Psicologia. Não pensava nada. Estava completamente perdido. Meus antigos companheiros de escola foram para a faculdade.

Fiz projetos mirabolantes. Iria ficar rico. Tentei arranjar emprego sem formação profissional. Tentei emprego público por indicação. Fui apanhando… Fui aprendendo. Certa vez fui pedir emprego na prefeitura de uma cidade vizinha.  O excelentíssimo senhor prefeito me recebeu de forma amável.  Enquanto eu deixava a sala ouvi ele dizer:

-Coitado…

O prefeito esqueceu que eu sou cego e não surdo… Alguns anos depois, meus irmãos compraram uma pequena loja de artigos para animais – sociedade com mais dois veterinários. Eles me colocaram para tomar conta. Meses depois meu pai me deu o dinheiro e comprei as partes deles. Nunca prosperamos, mas não falimos. Recebi de meus irmãos e meus pais a dose de dignidade que precisava.

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Depois, por uma amiga fiquei sabendo que iria abrir faculdade de Psicologia em Jundiaí. Respondi de imediato que faria. Optei por cursar em Itatiba. Superei o preconceito daquela psicóloga de alma cega.

Outras batalhas vieram e as comentarei em tempo oportuno, mas ao responder ‘vou fazer’ prontamente, já tinha aprendido que a única pessoa capaz de dizer o que se pode ou não fazer algo é somente você.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

JOSÉ AUGUSTO DE OLIVEIRA

Formado em Psicologia na Universidade São Francisco (USF) e Psicanálise pelo IPCAMP(Instituto de Psicanálise de Campinas). Atua no AMI (Ambulatório de Moléstias Infecciosas da Prefeitura de Jundiaí) e em consultório particular. É deficiente visual. WhattsApp: (11) 982190402.

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