Certa vez, ouvi um relato de uma pessoa muito abalada, aparentando esgotamento físico e mental. Ela me disse: estou queimando por dentro. O que provocaria tal sensação? O que eu faria se o meu corpo parecesse se desintegrar por dentro?
Essas respostas foram colhidas ao longo dos 5 anos em que tive o prazer e o privilégio de compartilhar os espaços do departamento de Fisiologia da Unicamp, especificamente, no Laboratório de Estudo do Estresse (LABEEST). Lá havia duas mulheres fantásticas no comando: Regina Célia Spadari , hoje na UNIFESP e Dora Maria Grassi-Kassisse.
Ali eu aprendi muito sobre a fisiopatologia do estresse e quanto ele pode ser destruidor para o pobre desavisado que se encontra nessa situação.
“Um incêndio devastador, interno, que transforma em cinzas a energia, as expectativas e a autoimagem de alguém, antes profundamente entusiasta e dedicado ao trabalho”. Essa representação foi assim descrita por Freudenberger em 1980, que a denominou de “burn out” (queimar para fora em tradução livre) baseando-se em seus numerosos estudos de casos análogos.
Ele identificou dois tipos principais de seres humanos que estão mais expostos ao Burnout: pessoas, particularmente, dinâmicas e propensas a assumir papéis de liderança ou de grande responsabilidade, e/ou idealistas que colocam grande empenho em alcançar metas frequentemente impossíveis de serem atingidas, exigindo esforço hercúleo de si mesmos.
É um problema que atinge alguns profissionais especificamente, mas, não exclusivamente, como aqueles que trabalham na prestação de cuidados a pessoas doentes, grupos sociais carentes,controladores de tráfego aéreo, professores, labor de alto de risco (plataforma de petróleo, automobilistas e afins), bombeiros, atletas de alto desempenho e, inclusive, crianças.
Instala-se uma verdadeira intolerância ao contato com aqueles que antes eram alvo da dedicação do profissional. É como se tivesse sido atingido um estado de saturação emocional, no qual não é mais possível suportar o encontro com a necessidade de outra pessoa, enquanto, agora, é o próprio profissional quem está num estado, muitas vezes, desesperador.
No jargão popular inglês, se refere a algo que deixou de funcionar por absoluta falta de energia. Uma metáfora para significar aquilo ou aquele que chegou ao seu limite e, por falta de energia, não tem mais condições de desempenho físico ou mental.
A Síndrome de Burnout tem sido considerada um problema social de extrema relevância em vários países, pois,a solução se encontra vinculada agrandes custos organizacionais, devido à rotatividade de pessoal, problemas de produtividade e de qualidade. A doença é multidimensional, ou seja, compreende um conjunto de três variáveis, ou dimensões, essenciais que especificam e demarcam tal fenômeno, a saber: a exaustão emocional, a despersonalização e a diminuição da realização pessoal.
Vários tipos de disfunções pessoais acabam culminando no surgimento de problemas psicológicos e físicos, que se não forem tomadas as devidas providências pode levar à perda de capacidade laboral.
Portanto, a prevenção do estresse no trabalho é algo a ser investido, transformando-se num dos maiores desafios desse século, na área da saúde.
Os fatos que levam profissionais ao esgotamento variam entre as diversas ocupações.
Exemplificando:
– professores: perda de reconhecimento, violência, baixo preparo, expectativa alta demais com relação ao desempenho de seus alunos, perda do significado de educador;
– enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem: têm no ambiente de trabalho o gerador de conflito quando o indivíduo percebe o hiato existente entre o com promisso com a profissão e o sistema em que estão inseridos, como a indefinição do papel do profissional, a sobrecarga de trabalho e a falta de autonomia, fatores que geram um estado de estresse crônico;
– médicos: têm percepção negativa ou indefinida sobre sua qualidade de vida, considerando sua profissão de alto risco, portanto de grande responsabilidade;
– bombeiros: o profissional se obriga a lidar com riscos psicossociais e biológicos, como, por exemplo, exposição a sangue contaminado e privação do sono, assim como, um sem número de trabalhadores que militam em outros seguimentos profissionais.
São diversos os sintomas associados ao Burnout encontrados na literatura. Dentre eles estão os físicos, psíquicos e defensivos.
Os sintomas físicos englobam: fadiga constante e progressiva, dores musculares ou osteomusculares, distúrbios do sono e do sistema respiratório, cefaleias/enxaquecas, perturbações gastrointestinais, imunodeficiência, transtornos cardiovasculares, disfunções sexuais e alterações menstruais em mulheres.
Os sintomas psíquicos envolvem: falta de atenção/concentração; alterações da memória; entificação do pensamento; sentimento de alienação, de solidão e de impotência; impaciência; labilidade emocional; dificuldade de auto aceitação/baixa autoestima; astenia/desânimo/disforia/depressão; desconfiança/paranoia); os sintomas comportamentais(negligência/escrúpulo excessivo,irritabilidade, incremento da agressividade, incapacidade para relaxar, dificuldade na aceitação de mudanças, perda de iniciativa, aumento do consumo de substâncias, comportamento de alto risco, suicídio.
Já, os sintomas defensivos se subdividem em: tendência ao isolamento, sentimento de impotência, perda do interesse pelo trabalho ou até pelo lazer, absenteísmo, ímpetos de abandono do trabalho, ironia/cinismo.
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Os efeitos da Síndrome de Burnout interferem em todas as esferas da vida do indivíduo, com prejuízos pessoais e profissionais, gerando consequências funestas à instituição, na medida em que os efeitos se refletem na produtividade, na imagem de eficiência da organização, nos custos com o tratamento de saúde dos funcionários, na contratação e no treinamento de novos profissionais.
A instalação dessa doença é lenta e progressiva, mas se estivermos atentos aos sinais é possível procurar, sem dramas ou vergonha, um profissional adequado para enfrentar a síndrome.
Forçoso lembrar a máxima de Confúcio: “Conhecimento real é saber a extensão da própria ignorância”. Informe-se, especialmente sobre si mesmo. O autoconhecimento é chave para todos os males do corpo e da alma. (Foto: akharinkhabar.com)
ELAINE FRANCESCONI
Bacharel em Zootecnia (UNESP Botucatu). Licenciatura em Biologia (Claretiano Campinas). Mestrado (USP Piracicaba) e doutorado (UNICAMP Campinas) em Fisiologia Humana. Professora Universitária e escritora.