Essa é uma história de bastidor de reportagem e prova que realmente quem vê cara não vê coração. Daquelas que você nem imagina que vai acontecer. Certo dia, recebo uma pauta: era de um marido que havia matado a esposa por ciúmes. Minha grande equipe – eu e o cinegrafista – só tinha o endereço onde tudo havia acontecido: a casa onde marido e mulher haviam morado.
O texto da produção me trazia detalhes do encontro do corpo da vítima. Era um crime (não que os outros não sejam) extremamente cruel. O marido, que virou assassino, havia enrolado um fio de telefone no pescoço da esposa até matá-la. Ligou o rádio no último volume pra ninguém da vizinhança ouvir…. Eu lia a história, o cinegrafista dirigia, mas não encontrava a casa. Tentei ajudar:
– Encosta aí que eu vou perguntar para aquele cara – o homem parecia um morador comum.
– Senhor, bom dia. Estou procurando o número 513.
Ele fazia cara de dúvida, então fui direto ao ponto.
– A casa onde o marido matou a esposa… A Natália. Estamos aqui para fazer uma reportagem, por que o marido fugiu. Com a foto dele, podemos ajudar a polícia com denúncias.
Eis que o homem responde:
– Eu sou o marido.
Pausa. Infelizmente, não posso colocar um desenho do Whatsapp para tentar explicar o que estava sentindo. Mas você que me lê, deve imaginar. Em segundos, quem está com medo (no caso eu) pensa rápido. É uma questão de sobrevivência na selva do dia a dia.
– Pelo amor de Deus! Essa pauta está uma porcaria! – esbravejei e interpretei mais que Fernanda Montenegro – Imagina! O senhor fazer isso? Como alguém pode desconfiar de alguém como você? Isso tá com cara de família de mulher, com certeza!
Só tinha uma opção: jogar na dele. Não tenho peito de aço. Ele disse que eu estava certa, que a família da esposa morta estava o acusando: sinal de que minha atuação deu certo. Ele me chamou para dentro da casa, sozinha, para que me explicasse o que havia acontecido. Eu sabia: estava diante de um matador de mulher (mais tarde descobri que não era a primeira que ele assassinava). Eu tinha que entrar, não podia correr. Peguei meu celular e comecei a gravá-lo escondido.
OUTRO ARTIGO DE LÍVIA ZUCCARO
Não me perguntem, não sei como fiz isso… Estava tremendo e olhei pra trás. Cadê meu cinegrafista? Estava no carro. Me deixou sozinha. Enquanto isso, o homem me contava como tudo havia acontecido, de uma forma extremamente fantasiosa. Mas você tinha que ver o rosto dele. Se eu era Fernanda Montenegro, ele já tinha ganhado quatro vezes o Oscar. Depois de contar uma história da carochinha que eu fingia acreditar, decidi rasgar a pauta na frente dele para que continuasse a acreditar em mim e eu saísse viva dali. Dei um abraço e os pêsames.
Saí calmamente, parecia um filme. Quando liguei para o delegado, que era meu amigo, passei o paradeiro do cara. O doutor já tinha o mandado em mãos e o sujeito acabou preso. Teve que confessar o crime – assassino só confessa quando o delegado é bom. Imagine um “cabra” desse confessar alguma coisa?! Acompanhamos a prisão do suspeito, mas por precaução, mandaram outro repórter. O homem foi preso ainda na rua da casa dele. Estava de chinelo havaiana, bermudão, andando na calçada como se chutasse o vento. Ele matou, nada sentiu. Parecia um morador, despreocupado com a vida…. Mas era um assassino.
LIVIA ZUCCARO
É jornalista, trabalha na TV Bandeirantes fazendo reportagens de interesse nacional. Já atuou na Rede Record como repórter e apresentadora. Começou em Jundiaí, passando por emissoras como Tv Rede Paulista e Band Regional. Instagram: @liviazuccaro – Facebook: Livia Zuccaro