Texto baseado em fatos reais, mas narrado como ficção, pois tento fazer com que pareça a opinião do protagonista. Como ele se sentiu após ter cometido o ato de racismo: um personagem num beco sem saída e tentando justificar o injustificável para parecer menos culpado do que ele próprio se julga e os outros acreditam. Disse ele:
Já não chega ter aguentado Pelé, Garrincha, Leônidas, Romário. Depois Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, o Neymar. E outros novos que vem surgindo e construindo histórias de sucesso. É demais. Vamos ao campo para relaxar, esquecer os problemas e nos divertir. Já moro numa cidade do interior, cujo nome tem o sufixo Mirim, que não a diminui, mas significa menor. Num jogo, quando o time da cidade já estava perdendo, vem um “macaco” e faz um gol cinematográfico, placa, num voleio que mais parece uma pintura. O quarto gol. O time da minha Mogi não tinha chance nenhuma de revidar.
Não precisava daquele gol, não ia fazer nenhuma diferença. Mas ele estava lá, tinha que nos humilhar. Tudo bem que no futebol vale tudo, é perder ou ganhar. Empatar quando não há outra saída. Mas, um gol daqueles acabou com a minha alegria e a adrenalina subiu. Daí, já não se raciocina mais e a imagem da comemoração deu direto no meu saco. Não tenho nada contra preto, convivo com eles desde que me conheço por gente. Relacionamentos amistosos, verdadeiros. Mas na hora da raiva vem a mente um sentimento de revolta: Vão jogar bola assim lá na África, volta pra lá…”.
Só que nos esquecemos que ‘eles’, os negros, não estão aqui porque quiseram, não são imigrantes. Não vieram pra cá de livre e espontânea vontade, nem escolheram esse rincão para viver. Foram obrigados. Desenvolveram capacidades de acordo com as oportunidades e as brincadeiras de rua, molecagem e habilidades com os pés, desde o samba. O que mais agregou o negro a civilização é o “jogo de cintura”, o gingado, a alegria de viver, o bom humor.
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Isso incomoda, parece que eles nunca têm problemas, parece que sempre dá tudo certo para eles, aí nasceu a tal da “inveja branca”, aquela que pode e deve ser perdoada. Foi aí que o torcedor se prevaleceu e gritou: “Seu macaco, seu macaco”. O “mico” que esse torcedor pagou, é incolor ou descorado. Um mico desorientado, ele não sabe que existem macaco brancos e até os “micos leões dourados”. Pagou um mico sem inteligência, um mico sem a sabedoria símio-primata.
Estava no fim do jogo, a torcida já ia embora, o torcedor cheio de racismo se misturou à multidão, foi embora em seu anonimato previsível, pensativo e em busca de respostas:
Meu Deus, como é duro ser branco neste pais! Estou com uma pulga atrás da orelha, por ter traído meus amigos pretos, ainda bem que eles não saberão que eu sou um “covarde” que não assumiu o atentado e nem se apresentou para ser devidamente punido pelo crime utilizado. Racismo dá cadeia e eu não quero ser enjaulado. Isso é para macacos e negros. Sou branco e isento de ser julgado? Nem me arrisco a dizer que tenho um pé na cozinha. Prefiro mantê-lo dentro do meu calçado. (Foto: Joilson Marconne/CBF)

LUIZ ALBERTO CARLOS
Natural de Jundiaí, é poeta e escritor. Contribui literariamente aos jornais e revistas locais. Possui livros publicados e é participante habitual das antologias poéticas da cidade.
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