A história nos conta um caso emblemático que revela como a degradação ambiental pode destruir uma civilização inteira. Falo do povo Rapa Nui, habitantes da pequena e isolada Ilha de Páscoa, na Polinésia Oriental, território hoje pertencente ao Chile. Esta civilização é conhecida pelas esculturas gigantes, os moais. São mais de mil esculturas, algumas com 10 metros de altura e 75 toneladas. Os moais eram símbolos de status e poder entre os diversos clãs. São vestígios de uma sociedade avançada, com rituais religiosos, escrita e domínio da agricultura. Estima-se que em seu apogeu, por volta de 1.500, chegaram a 15 mil habitantes.
Quando os primeiros europeus chegaram na ilha, em 1.722, os Rapa Nui encontravam-se em um avançado estado de declínio. Na hipótese mais aceita, teriam entrado em decadência por causa do esgotamento dos recursos naturais. As árvores teriam sido totalmente derrubadas, afetando a agricultura. Com a escassez de alimentos, vieram os ciclos de fome. Na falta de recursos, há registros de canibalismo. Esse cenário contribuiu para a redução drástica da população. A devastação da natureza da ilha, tirando-a de seu equilíbrio ambiental, tornou-a inabitável, destruindo os Rapa Nui.
A natureza humana tem semelhança com a metáfora do sapo. Se um sapo cair numa panela com água fervente, ele pula para fora imediatamente, e sobrevive. Se o sapo cair nesta mesma panela com água fria, e a temperatura começar a aumentar gradualmente, o sapo permanece estático e morre. Ele não consegue perceber as mudanças graduais na temperatura. Com as mudanças climáticas, nos comportamos como sapos mergulhados na panela. Não percebemos – ou negamos – o fenômeno letal. Foi assim com os Rapa Nui.
O Rio Grande do Sul vive a maior enchente da história, deixando comunidades ilhadas e um cenário de destruição. No momento em que escrevo esta coluna, chegamos a 100 mortes confirmadas, quatro óbitos em investigação, 128 pessoas desaparecidas e 372 feridas. Uma calamidade pública sem precedentes, com prognósticos nefastos.
Há pouco tempo falávamos em um “novo normal climático”, prevendo aumento de eventos climáticos extremos, com maior intensidade, frequência e atingindo uma quantidade maior de territórios, incluindo lugares em que a força do clima não impactava negativamente a vida das pessoas.
Agora, precisamos tirar o “novo” do termo. O aquecimento global, o aumento da temperatura dos oceanos e os desdobramentos desastrosos para a vida no planeta já são o “normal climático”. Já atingimos o ponto de inflexão, não tem volta, mas seguimos derrubando florestas para vender as árvores, explorar garimpos ou fomentar a pecuária. A primeira conferência mundial do clima foi em 1972. Há mais de 50 anos temos discutido o tema, mas seguimos agindo como sapos, sem mudar nossos comportamentos, mesmo com os desastres ambientais e seus sinais inequívocos de esgotamento.
Apesar de certas pessoas acreditarem que as mudanças climáticas sempre ocorreram no planeta, dividindo a história em eras geológicas, a grande diferença é que, desde a Revolução Industrial no século 18, as transformações atuais não são resultado da geologia (Natureza), mas sim da ação do homem (Economia Política).
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Até estamos fazendo a nossa parte com ações individuais, tais como separar o lixo doméstico, economizar o consumo de energia ou água em casa. O fato é que a ação no nível do indivíduo não faz nem cócegas na verdadeira causa do problema, que se concentra nos modos de produção e distribuição de bens e serviços, dentro do sistema capitalista atual, que prioriza o lucro e a acumulação do capital nas mãos de poucas pessoas, em detrimento à toda responsabilidade ambiental ou social.
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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