RECIPROCIDADE

reciprocidade

Houve um tempo — e talvez ainda haja — em que ser forte era ser autossuficiente. Não depender, não mostrar fraquezas, não precisar de ninguém. A vida era vendida como um campo de batalha individual, em que os mais aptos vencem e os mais sensíveis perecem. Mas a verdade, essa que amadurece devagar dentro do peito, é outra: ninguém floresce sozinho. É preciso reciprocidade…

Com o tempo, percebemos que a maior força está justamente no vínculo. Naquilo que se constrói entre as pessoas quando há presença, escuta, reciprocidade e acolhimento. O nome disso é amizade — não aquela comercializada em redes sociais, mas a real, que se sustenta no tempo e na entrega mútua.

A amizade é uma ponte sem cobrança de pedágio. Um território sem contrato, mas com responsabilidade afetiva. Quando verdadeira, ela se estabelece com simplicidade: um café compartilhado, um silêncio respeitado, um riso que surge só porque o outro está ali.

Não há pretensão na amizade genuína. O amigo não quer mudar você, nem quer se mostrar melhor. Ele deseja apenas ser testemunha da sua jornada, e quer que você seja testemunha da dele. A amizade é esse campo onde o outro pode cair sem medo de julgamento, e se levantar com a ajuda do afeto.

Mais que um apoio emocional, a amizade é uma reafirmação da existência. Quando alguém nos conhece de verdade e ainda assim permanece, ganhamos coragem de sermos mais nós mesmos. E essa liberdade é rara.

Vivemos cercados por discursos que exaltam a produtividade, o desempenho, o resultado. Nesse ambiente, os afetos viram moeda — se tornam descartáveis. Mas há uma forma de amar que resiste: a reciprocidade.

A reciprocidade não é cálculo nem contrato. É sintonia. É quando o gesto encontra eco. Quando o cuidado oferecido encontra um cuidado que retorna, não por obrigação mas porque é natural responder ao outro com presença.

Nas amizades verdadeiras, a reciprocidade não significa igualdade milimétrica, mas equilíbrio emocional. Às vezes um oferece mais, outras vezes recebe mais. Mas o movimento é vivo, mútuo, atento. E isso basta.

É por isso que a reciprocidade é um ato ético. Porque ela parte do reconhecimento de que o outro importa tanto quanto eu. E que nenhuma relação verdadeira pode existir se só um lado carrega o peso da manutenção afetiva.

Acolher não é consertar. Não é dar conselho nem oferecer soluções. Acolher é permitir que o outro seja. É abrir espaço para que o outro se desarme, sem medo de ser rejeitado. É o gesto mais profundo de amor que pode haver: estar ali, inteiro, para alguém imperfeito.

Em tempos em que se valoriza tanto a performance emocional — sempre forte, sempre sorridente, sempre positiva —, o acolhimento se torna subversivo. Ele diz: “Você pode estar mal, e ainda assim é digno de afeto”.

Amizade verdadeira acolhe. Porque entende que somos falhos, frágeis, às vezes incoerentes. E mesmo assim merecemos companhia. Em uma sociedade que valoriza tanto a imagem, encontrar alguém que acolha o nosso avesso é uma bênção.

O acolhimento nos ensina que não precisamos estar prontos para sermos amados. Que podemos ser amparados mesmo quando não temos palavras, mesmo quando nos sentimos fora de lugar. E é aí que nasce a comunhão.

Nada de grandioso se constrói sozinho. É ilusório achar que a felicidade mora no alto de uma torre isolada. A verdadeira alegria brota da vida em comum — dos vínculos, das trocas, dos pequenos cotidianos partilhados.

A vida em comum não significa viver sem conflito, mas sim cultivar o desejo de continuar juntos apesar deles. É confiar que o laço é mais forte do que o ruído. É reconhecer no outro não um obstáculo, mas um espelho e um solo fértil onde posso lançar partes minhas.

Há uma sabedoria antiga nisso tudo: é na convivência que nos tornamos inteiros. Só o encontro com o outro revela nossas sombras e nossas potências. Só na partilha é que somos chamados à responsabilidade ética do cuidado mútuo.

E há beleza nisso: entender que precisamos uns dos outros. Que o amor, a amizade, o companheirismo não são enfeites da vida — são suas estruturas centrais.

VEJA OUTROS ARTIGOS DO PROFESSOR AFONSO MACHADO

MENINAS QUE VOAM..

APOCALIPSE EDUCACIONAL

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, AMIZADE E AMOR

Vivemos tempos de isolamento emocional e ruídos relacionais. Mas ainda há quem cultive vínculos como se fossem hortas: com paciência, atenção e afeto. Ainda há quem ofereça presença, não respostas. Quem escute com o coração. Quem estenda a mão mesmo quando está cansado.

Essa gente — os amigos de verdade, os que acolhem, os que retribuem sem calcular — nos lembram de que a vida pode ser outra. Pode ser mais do que pressa e aparência. Pode ser vida em comum: mais humana, mais justa, mais inteira.

No fim, tudo se resume a isso: onde o outro começa, eu também me encontro. E onde há amizade, reciprocidade, acolhimento e comunhão, há algo sagrado — mesmo que invisível aos olhos.(Foto: Gemini)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

VEJA TAMBÉM

PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA

ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES