Na trama das relações humanas, existem fios que se entrelaçam para formar laços de afeto, amizade e confiança. Contudo, em meio a essa tapeçaria de encontros e histórias, há fios que se destacam por sua fragilidade. São as marcas deixadas pela ingratidão, pela mentira e pela maldade – elementos que operam, muitas vezes, nas sombras das interações humanas, mas que, quando emergem, podem desatar os nós mais firmes e deixar cicatrizes profundas na alma.
A ingratidão, por si só, é um veneno silencioso. Não explode nem grita, mas atua como uma ferrugem que corrói relações construídas com esforço e dedicação. Ela não precisa de grandes gestos para se manifestar, basta o esquecimento de um favor, a indiferença diante de um gesto de carinho ou a negligência em reconhecer o valor de quem esteve presente nos momentos mais difíceis.
Quantas vezes não vemos pais que sacrificaram seus sonhos e dias de descanso para construir um futuro para os filhos, apenas para, mais tarde, se tornarem uma lembrança esquecida na correria do mundo moderno? Ou amigos que compartilharam momentos importantes e que, diante da primeira oportunidade, ignoram aqueles que estiveram ao seu lado nos momentos difíceis?
A ingratidão dói mais porque é inesperada. Ela surge, muitas vezes, de onde menos se espera: daquele amigo próximo, daquele familiar querido ou de alguém que jurou lealdade. É um golpe silencioso, mas devastador. O que torna a ingratidão ainda mais cruel é sua capacidade de transformar memórias felizes em lembranças amargas.
Aquele que um dia foi motivo de orgulho e alegria passa a ser um ponto de dor no coração. E como reagimos à ingratidão? A raiva é um caminho comum, assim como o afastamento. No entanto, o verdadeiro desafio está em não permitir que a ingratidão do outro mude quem somos. Continuar sendo generoso, mesmo diante da ingratidão, é um ato de coragem e de resistência. Afinal, nossa essência não deve ser definida pelas atitudes alheias.
Se a ingratidão é uma ferida silenciosa, a mentira é uma bomba-relógio. Pequenas mentiras, muitas vezes, são vistas como inocentes, mas carregam consigo o potencial de destruir as bases de confiança que sustentam as relações. Uma mentira contada para evitar conflitos pode parecer inofensiva, mas, como um eco que se espalha, ela cria camadas de desconfiança.
Quando a verdade finalmente vem à tona – como inevitavelmente acontece –, a relação que parecia sólida começa a ruir. A mentira tem muitas faces. Há a mentira descarada, contada de forma deliberada e intencional. Há também as meias-verdades, que são ainda mais traiçoeiras.
Dizer apenas uma parte da verdade é manipular os fatos, moldá-los de forma a proteger a si mesmo ou prejudicar o outro. É um jogo perigoso, porque, com o tempo, as meias-verdades se acumulam e criam uma teia na qual o próprio mentiroso acaba preso.
Há também a mentira que contamos a nós mesmos. É quando nos convencemos de que algo está certo, mesmo sabendo, no fundo, que não está. Essas mentiras internas podem nos levar a escolhas equivocadas e afastar-nos de quem realmente somos. Elas são traições silenciosas que, com o tempo, corroem nossa própria integridade.
A confiança, uma vez quebrada pela mentira, é difícil de ser reconstruída. Pode levar anos para construir um relacionamento baseado na confiança, mas basta um instante de mentira para que tudo desmorone. O mais curioso é que, mesmo sabendo disso, muitos escolhem o caminho da mentira, acreditando que suas ações ficarão escondidas para sempre. Mas a verdade tem uma maneira peculiar de vir à tona, não importa quanto tempo leve.
E, então, há a maldade – a mais devastadora das três. Ela não surge apenas em grandes atos, mas também na banalidade do cotidiano. Está no comentário malicioso que fazemos sobre alguém sem necessidade, na omissão de ajuda quando poderíamos agir, na escolha deliberada de ferir, mesmo que com um olhar ou gesto.
A maldade não precisa ser grandiosa para ser destrutiva. O poder dela está justamente em sua capacidade de se infiltrar nas menores ações, como uma gota de tinta que mancha todo o tecido. A maldade, em sua forma mais crua, é um reflexo das dores e frustrações de quem a pratica. Muitas vezes, o maldoso é alguém ferido, que encontra no ato de ferir uma forma de aliviar sua própria dor. Mas, ao contrário do que se imagina, a maldade não cura – ela apenas perpetua o ciclo de sofrimento. O que começa com uma palavra dura pode terminar em anos de ressentimento e afastamento.
O mais assustador na maldade é a banalização dela. Vivemos em uma sociedade onde a maldade, muitas vezes, é vista como algo “natural”. Frases como “o mundo é assim mesmo” ou “é preciso ser esperto para sobreviver” justificam comportamentos que, no fundo, são prejudiciais. Essa aceitação da maldade como parte da vida contribui para sua perpetuação, tornando-a ainda mais difícil de combater.
Apesar disso, há esperança. Contra a ingratidão, a melhor arma é a gratidão ativa. Pequenos gestos de reconhecimento podem transformar relações e curar feridas. Um simples “obrigado” ou um ato de retribuição têm o poder de restaurar laços que pareciam perdidos.
Para a mentira, a solução é a busca constante pela verdade nas relações. Ser verdadeiro exige coragem, mas é um ato de respeito não apenas pelo outro, mas por si mesmo. E, contra a maldade, o antídoto é a bondade intencional. Não se trata de ignorar os males do mundo, mas de escolher, ativamente, ser uma força de bem, mesmo diante das adversidades.
As relações humanas são complexas, feitas de luz e sombra. Não há como eliminarmos completamente a ingratidão, a mentira ou a maldade, porque elas fazem parte da natureza humana. Mas há como escolhermos, todos os dias, ser um pouco melhores.
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Reconhecer nossas próprias falhas, pedir perdão, oferecer gratidão e agir com bondade não são atos grandiosos, mas são, sem dúvida, transformadores. No final, o que sustenta as relações não é a ausência de imperfeições, mas a presença de esforço e intenção. Mesmo em meio às sombras, há sempre a possibilidade de luz. Devemos ter sempre em mente, afinal, que a tapeçaria das relações humanas pode ser frágil, mas é, acima de tudo, bela e cheia de potencial.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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