Cuidar da saúde é uma das prioridades do ser humano. Daí para trazer ao assunto alimentação é um pulo pois um sábio ditado nos diz: “você é o que você come”, ou seja, o que se ingere pode nortear não só sua saúde, mas seu bem estar, físico e emocional. Hoje, em rodas de amigos ou na mídia em geral, como programas de TV e rádio, incrementou-se o assunto com perguntas sobre como nosso alimento é produzido: os agrotóxicos fazem mesmo mal à saúde? Alimentos orgânicos, sem agrotóxicos: qual a diferença entre eles?
Sim, os agrotóxicos fazem mesmo mal à saúde. E como, pois atingem todo ambiente no entorno. E quanto à segunda pergunta, vejamos: alimentos orgânicos obedecem a um sistema de produção que engloba saúde do consumidor, preservação do meio ambiente e da biodiversidade, saúde, viabilidade econômica e dignidade do produtor. Para garantir sua qualidade, há um conjunto de normas, disposto na Lei nº 10.831/2003 e regulamentada pelo Decreto nº 6.323/2007, além de uma série de instruções normativas relativas aos selos, extrativismo etc. os quais têm que ser estritamente cumpridos por todo produtor orgânico ou produto orgânico.
Já o produto sem agrotóxico é o que diz o nome: pode ser que não utilize os agrotóxicos, mas não se sabe se está inserido naquele sistema de produção que nos referimos no início, o orgânico, bem mais amplo, cujos produtores e produtos têm essa denominação posto serem submetidos a avaliações previstas legalmente.
Vamos então conhecer um pouco mais de como a relação saúde X agrotóxicos começou a tomar vulto na opinião popular, os pesquisadores mais relevantes envolvidos, inclusive a origem da teoria da Trofobiose, que detalha pela primeira vez as reações da planta ante as aplicações dos pesticidas e insumos químicos.
Carson (1962) foi pioneira no debate sobre o uso e efeitos dos pesticidas químicos, a responsabilidade da ciência e os limites do processo tecnológico, e em sua obra descreve como os inseticidas à base de hidrocarbonetos clorados e fósforo orgânico alteravam os processos celulares das plantas, animais e dos seres humanos. “A Primavera silenciosa” é uma obra que permaneceu anos sem reedição no Brasil e em 2010 foi disponibilizada no mercado, em sua versão integral. Carson faleceu em 1962 vitimada pelo câncer e sua pesquisa causou grande impacto na sociedade americana à época, não só pela contundência dos dados como na determinação de sua autora em defendê-los e divulgá-los.
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À parte o mérito da pesquisa e a relevância de seu tema (em dezembro de 2006 o jornal britânico The Guardian colocou Carson em primeiro lugar na lista das pessoas que mais contribuíram para a defesa do meio ambiente em todos os tempos) o livro chama a atenção pelo contexto de sua elaboração e por sua atualidade, seja do texto, sejam das informações ali detalhadas que continuam em debate nos dias de hoje. Em relação ao contexto, a época era da decadência da Guerra Fria e a indústria química, uma das principais beneficiárias da tecnologia do pós-guerra, era também uma das principais autoras da prosperidade nacional norte-americanas. A população atribuía aos químicos uma sabedoria quase divina. Carson foi duramente atacada pela sociedade que a rodeava por vários fatores, mas especialmente por não ter filiações acadêmicas, nem voz institucional, o que a fazia impossível de “ser demitida” (CARLSON, 2010, p. 12).
Para ela, essa cultura do pós-guerra da ciência que se arrogava o domínio sobre a natureza era a raiz do problema pois os níveis de exposição não podiam ser controlados e os cientistas não podiam prever com exatidão os efeitos a longo prazo da bioacumulação nas células ou o impacto de tal mistura de produtos químicos na saúde humana, apresentando evidências que relacionavam cânceres humanos à exposição por pesticidas.
O debate iniciado em 1962 desencadeou a proibição da produção do inseticida DDT (dicloro-difenil-tricloroetano) nos Estados Unidos e a criação de movimentos em prol de regras legais para proteção da saúde e do meio ambiente, mas a sua exportação para outros países manteve-se. No Brasil vigora a Portaria nº 329, de 2/9/1985, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) com permissão do uso de DDT para fins restritos em campanhas saúde pública, iscas no controle de formigas e cupins (Aldrin) e outros, dispostos no artigo 1º, parágrafo único. Há evidências da contaminação global por seu efeito cumulativo no ambiente e nos organismos vivos (COLBORN; DUMANOSKI; MYERS, 1997) pois sua metabolização no fígado produz compostos que permanecem no tecido gorduroso por anos, podendo migrar para o sangue circulante. Além disso, os organoclorados (DDT, BHC, Aldrin, Mirex) agem diretamente no sistema nervoso central, constatando-se seu efeito cancerígeno em cobaias (TRAPÉ, 1993).
A duas imagens acima, ambas da década de 1940, são propagandas e divulgam os benefícios do uso do DDT . A do produto “Trimz DDT”, era papel de parede destinado a quartos para crianças. E vejam, elas não são de tanto tempo atrás…
Mas o que acontece com as plantas sob uso de agrotóxicos? Quando nos referimos agrotóxicos, estão inclusos os fertilizantes químicos e os fungicidas, acaricidas, inseticidas, nematicidas. Também lá atrás, década de 1960, pesquisadores se debruçaram para entender o mecanismo interno das células vegetais quando recebiam esses químicos no seu processo de desenvolvimento. Sob a perspectiva da intoxicação das plantas com o uso de agrotóxicos, fundamental o conhecimento do trabalho de Chaboussou (1987), autor da teoria da trofobiose. Esta teoria foi resultado de suas pesquisas sobre o ácaro da videira e o uso de DDT, de 1960 a 1969 na qual o autor conseguiu demonstrar que a ação dos agrotóxicos utilizados (inseticidas e mesmo fungicidas) repercutia sobre os ácaros, por intermédio da planta.
Vamos entender melhor como isso se processa: esses produtos provocavam modificações no metabolismo da videira, resultando em um enriquecimento dos líquidos celulares ou circulantes em açúcares solúveis e aminoácidos livres. Desta forma, os ácaros fitófagos (que se nutrem de vegetais) picadores e sugadores dos tecidos vegetais encontram-se favorecidos em sua alimentação, o que leva, conforme a espécie, em um aumento de sua fecundidade, fertilidade, velocidade do desenvolvimento, número de gerações e mesmo de longevidade. Concluiu afirmando que seria um fator trófico (relativo à alimentação de um indivíduo, de um tecido vivo) que estaria na origem das proliferações de ácaros na videira.
Esta teoria baseia-se na ocorrência de desordem ou desequilíbrio metabólico da planta que se revela favorável aos parasitas sempre que os açucares e os aminoácidos livres estão em excesso em seu tecido vegetal. Em linguagem popular, é como a planta estivesse “inchada”, e, nesse estado, ela ficaria mais vulnerável e “atraente” aos parasitas. Chaboussou tinha ciência da complexidade destes processos e que os mecanismos e fatores em jogo são múltiplos. Mas aponta causas insidiosas para estes desequilíbrios no meio interno da planta: excessos de adubação nitrogenadas solúveis, desequilíbrios de correções de K (potássio), Ca (cálcio) e Mg (Magnésio); carência ou excesso de determinados oligo-elementos (micronutrientes que a planta necessita, como cobre, zinco, ferro, em pequenas quantidades), fornecidos à planta pelos agrotóxicos.
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Portanto, a planta equilibrada, seja em crescimento vigoroso ou em hibernação, não é nutritiva para o parasita. Nessa condição ela não tem “sobras” que alterem seu metabolismo. Essas “sobras” a fragilizam ao ataque certeiro dos parasitas, resultado da absorção excessiva de aminoácidos, açucares e minerais solúveis que estão presentes nos adubos químicos, solúveis para exatamente serem absorvidos rapidamente pelas plantas. Enfim, a planta é submetida a verdadeiras “bombas” de adubos químicos, solúveis, que a predispõem ao ataque de parasitas; é desequilibrada internamente pelos pesticidas químicos e não encontra nem na terra uma fonte de biodiversidade para tentar se equilibrar. A cada safra o ciclo se repete: recebem adubo excessivo para produzirem, e mais os pesticidas para controle dos parasitas que as atacam. É uma planta que vai, pouco a pouco, ficando sem saúde.
Por isso também se diz que o produto orgânico é vivo, pois provém de plantas que tem vida: na aparência, gosto, aspecto. E logicamente, só pode trazer saúde a quem os consome. Temos ainda um caminho a percorrer para que todos possam usufruir dessa alimentação: os passos já estão sendo dados e retomaremos em outros textos os seus diversos aspectos envolvidos.(foto acima: www.vozdoms.com.br)
ELIANA CORRÊA AGUIRRE DE MATTOS
Engenheira agrônoma e advogada, com mestrado e doutorado na área de análise ambiental e dinâmica territorial (IG – UNICAMP). Atuou na coordenação de curso superior de Gestão Ambiental, consultoria e certificação em Sistemas de Gestão da qualidade, ambiental e em normas de produção orgânica agrícola