O crime existe, existiu e sempre existirá no seio da sociedade. O comportamento humano que destoa do regramento estabelecido deve ser combatido. É preciso que haja um mínimo de condições necessárias para que a vida transcorra dentro de um ambiente ordeiro e que garanta a paz no convívio entre as pessoas. O homem, via de regra, é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de uma sua eventual conduta e de se autodeterminar conforme esse entendimento. Portanto, é imprescindível que ocorrendo a infração haja respectiva punição, para que a ordem seja restabelecida e garanta que a impunidade não se materialize e se alastre atingindo a paz na vida humana. Na história do Direito Penal e Processual, as formas de se combater o crime foram se alternando e aprimorando, na medida que o mundo se transformava e com isso avançava em ser mais civilizado. Desde a lei de Talão, que permitia ao agredido revidar na mesma intensidade e forma que seu agressor, evoluiu-se para um conjunto de normas que garantiram certa equidade na apreciação dos fatos de violação de direitos.
Nessa evolução da civilização, o Estado assume o papel de garantidor da ordem e da paz pública e com isso necessita de pessoas, servidores públicos, para materializar essa pretensão. As Constituições Federais, cada uma a seu tempo, procuraram estabelecer regras gerais de atuação dos agentes de segurança do Estado. No atual ordenamento jurídico a segurança pública é tratada em Capítulo especial na Carta Magna, sendo o parâmetro para orientar e disciplinar demais regras infraconstitucionais que possibilitam a atuação e aplicação da norma nos casos concretos. Basicamente o tema segurança pública fica vinculado às policiais estaduais, Civil e Militar, onde à Policia Civil fica a incumbência de atuar na repressão do crime, identificando sua autoria, suas circunstancias e ainda buscando comprovar sua materialidade através de conjunto probatório, tudo dentro do considerado campo de polícia judiciária. A responsabilidade funcional e legal das atividades de polícia judiciárias são da autoridade policial, mais conhecido como delegado de polícia, nos exatos termos da Lei nº 12.830/13. Isso ocorre da mesma forma que cabe ao promotor de justiça oferecer denúncia ou não contra o réu, como também cabe ao juiz de direito, apreciar no devido processo legal, as provas, o material colhido na investigação policial, para decidir quanto a culpa ou inocência do acusado.À Policia Militar cabe o policiamento ostensivo voltado para a prevenção do crime. Deve atuar de forma a garantir a ordem pública e paz social. Ainda que seja correto afirmar que não se inventou até então, nenhuma outra fórmula que seja mais eficaz na produção de sensação de segurança que o policiamento ostensivo, é preciso considerar demais fatores que envolvem o fato criminoso, pois que os reflexos que ele gera, são muito complexos e carecem de um estudo mais aprofundado na busca de soluções. A famigerada expressão “polícia na rua” leva a ideia de que havendo a presença física de policiais num determinado local, ali não ocorreria o crime. Ledo engano. Essa constatação até podia ter seu valor em outras épocas, onde a polícia era respeitada (temida) e bastava a presença do agente numa rua e estava garantida a segurança das pessoas naquela região. Ocorre que os tempos são outros e esse quadro há muito mudou, pra pior. Após os ataques em maio de 2006 em São Paulo, capital e algumas cidades do interior, por organização criminosa que hoje atua e tem ramificação em todos os Estados da Federação, o criminoso não se intimida mais com a ação policial. O policiamento ostensivo continua sendo necessário e deve ser intensificado e aprimorado, mas somente isso não resolve a questão da insegurança pública. É preciso investigar para reprimir conforme estabelece a lei.
Uma vez que a prevenção do crime não é garantida na sua totalidade, é necessário que o Estado atue na repressão, identificando o autor, encaminhando-o à Justiça, para que o delito por ele praticado sofra punição adequada, legal e justa. Deixar de fazer isso, contribui para a sensação de impunidade e por consequência aumenta os números de práticas criminosas. A certeza da impunidade gera cada vez mais crimes. Nesse contexto, cabe ao delegado de polícia civil, dentro da sua competência legal, investigar o delito e de tudo formalizar peça de natureza processual inquisitória, concluindo-a através de relatório fundamentado, que encaminhada ao Poder Judiciário, propiciará ao Ministério Público documentação necessária para oferecimento de denúncia ou não contra o autor de crime, bem como para que possa ocorrer sua condenação, se culpado ou não,através de sentença prolatada pelo juiz. Essa “punição” somente será válida se resguardados os direitos de ampla defesa e contraditório do acusado, tudo tratado dentro do devido processo legal. Não há outra forma de fazer justiça senão obedecendo esse regramento jurídico. Fazer justiça pelas próprias mãos ou exagerar nas ações de combate ao crime e criminoso, também são condutas típicas passíveis de punição.
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No campo político surge uma complicada situação na área de segurança, pois que cabe ao governo do estado decidir se deve privilegiar a prevenção ou a repressão do crime. Nesses casos é comum que se decida por priorizar ações preventivas do crime, razão pela qual se investe mais nas policias militares que têm maior efetivo, mais armamentos, mais viaturas, enfim, possuem um estrutura de material e de pessoal sempre superior aos das policias civis estaduais. Recente matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, confirma essa predileção dos governos para o policiamento ostensivo em desprestigio da ações de polícia judiciária, conforme notícia publicada em 02 de março do corrente“40% das cidades não têm delegado; Estado estuda contratar 2,3 mil agentes”. A matéria dá conta que dos 645 municípios paulistas, 256 deles não tem delegado de polícia, havendo precariedade também nos demais quadros de agentes de segurança, como investigadores e escrivães, tudo contribuindo para um quadro de aumento da sensação de insegurança naquelas regiões. Segundo o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, há uma carência de mais de nove mil policiais civis no Estado. Além de toda essa situação, ainda existe forte movimento por parte de outras instituições que insistem em desmerecer o trabalho da Policia Civil, questionando a competência e legalidade das investigações realizadas pelos delegados de polícia, agravando ainda mais a situação desses profissionais de segurança, passando uma visão negativa para a população de que não há resultado no trabalho de investigação criminal. Essa situação caótica pela qual passa a Policia Civil paulista já vem de tempos e só tem se agravado. É preciso recompor o quadro da Instituição, valorizar o agente público, dar condições mínimas de trabalho, de equipamentos, armamento, treinamento, pois que o crime se organiza e se impõe a cada dia em verdadeira afronta ao poder público.
Enquanto o criminoso continuar ousado o suficiente para burlar a prevenção do crime, praticando-o de forma corriqueira, com a certeza de sair-se impune do seu ato, pode-se até fazer publicidade de sensação de segurança na vida das pessoas, mas certamente isso não garantirá que estarão seguras.
JOSÉ ROBERTO FERRAZ
Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.