SOCIEDADE DOS LIKES

sociedade dos likes

Estranhamente vivemos na sociedade dos likes, dos matches, dos curtir e do que mais possa se diluído nos contatos sociais, desde que estejamos lustrando o ego alheio ou tendo o nosso ego lustrado por meia dúzia de “seguidores” que rodeiam nossas redes sociais e que, além de elogiar o vazio, não contribuem para as devidas mudanças que o farão melhor. É a chamada sociedade paliativa: enaltece sem entender o porquê. Curte para ser curtido.

Estas curtidas servem de analgésico para as dores reais do momento e. como tal, quanto mais curtido eu for, mas me sentirei acolhido, realizado. Ainda que não haja nenhum sinal de entendimento ou confirmação de ser uma curtida como avaliação de fato, concreta e sábia. Entretanto acalentam nossa alma, ajustam nossas ideias e fazem com que nos sintamos fortes, mesmo que os avaliadores sejam apenas um reduto de bajuladores. Acontece.

Há um domínio destas manifestações num momento de tanta instabilidade social, gerado pela força e impacto do Instagran e demais mídias fugazes, que tentam glamurizar e transformar em celebridade (nem que seja por um dia) aquilo que não tem tanta expressividade social ou cultural: representa um segmento ou um caso factoide, de pouca notoriedade, e serve para lustrar egos. As vezes, por um longo tempo.

Numa sociedade de likes, livre de ângulos de conflitos e contradições, a dor é empurrada para baixo do tapete, provocando a pretensa catarse, que não se sabe se virá. E assim, seguimos o fluxo. De curtidas em curtidas e de superficialidade em superficialidade, vamos ampliando o numero de seguidores que chamamos, também, de amigos. Nessa caminhada vemos destaques que se denominam “influencers”, com dezenas de milhares (ou será de milhões) de seguidores que os veneram e os têm no mais alto conceito.

Diante de tamanha transformação sociocultural, a própria Psicologia recebe sua cota de mudanças: ampliam os estudos da Psicologia Positiva que orienta para a substituição dos pensamentos negativos pelos pensamentos positivos; verificamos uma tendência em transformar experiências traumáticas em motivadores para o aumento do desempenho, favorecendo ao homem um desempenho mais feliz e insensível à dor. Discutível, no mínimo. Discutível.

Quando observamos que a dor se transforma em sinal de fraqueza, passamos a entender o porquê dela ser escondida e camuflada: na atualidade não é permitido dizer que sentimos dor ou fraqueza. Não há espaço para os fracos. Então, sublima-se e finge-se a felicidade instagramizada ou facebookiada como sendo a regra: só é permitido fotos de sorrisos rasgados e felicidades expressas a granel. Caso você não sorria descaradamente, sua foto não será curtida e você não representará sua geração, sua galera, sua turma.

Nesta situação, a sociedade dos likes nos leva a calar a dor e a escamotear nossos problemas, como se vivêssemos num paraíso em que o ideal é o real, mesmo sabendo que mentimos para nós próprios. Ficção. Mera ficção. Vivemos num mundo de ilusões, sorrimos sem motivos e sem analisar o tanto que nos dói fingir. Brincamos de ser felizes e somos uma farsa, apenas uma farsa. Mas somos aquilo que a nossa galera quer. Agradamos a galera e mal damos conta de sanar nossas dores.

Quando a vida se torna instagramável, esquecemos da nossa realidade e acumulamos elogios e demais superficialidades de seguidores que nos enaltecem, sem conhecer a verdade de nossa caminhada. Tudo nesse mundinho é consumível e assim, nós passamos a ser consumíveis também. A duras penas nos permitimos estar numa vitrine que nos ofereça e nos consuma. Alguns entram de cabeça e até passam a acreditar em suas perfeições. Até que um dia acordem (se é que esse dia chegará).

Sabemos que a dor é um conceito cultural que aponta para várias formas de leituras. Cada sociedade a nomeia e classifica de uma forma, com uma sintonia; infelizmente ela é usada como forma de dominação, onde os mais fortes exercem seu poder sobre os menos fortes, serve até como um rito de passagem em que se dança no fio da navalha. E essa não é a característica da sociedade das curtidas…

Eles não sentem dores, esses não perdem, esses não se enfraquecem. Com isso temos uma sociedade que finge ser feliz para fazer os demais outros felizes, ainda que a rode não gire para frente e não concretize tamanha felicidade: o tamanho da ignorância social é tal, que pouco conseguem analisar o ritmo da sociedade, neste momento do século XXI; não têm alcance para reflexões curtas e simples, porque entendem de pagode, drogas, bebidas e baladas e a Vida real não é de interesse, por não habitarem este espaço. Falo de uma sociedade dos likes, vazia, desinteressada e insensível.

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Então, desta forma, a insensibilidade a que estamos submetidos está se solidificando e tornando-se maior e mais forte. Os ossos duros estão exterminando os frágeis, como no livro do Robert Singer, em que uma sociedade modernosa toma a frente e dizima a sociedade dos humanos sensíveis. É uma realidade que me assusta, mas que se faz presente e com a qual sou obrigado a conviver (já que não habito nela).

São reflexões que nos levam a buscar respostas dentro de nossas atitudes, visto que também temos nossas inseguranças e nossas vontades de pertencimentos. Oxalá façamos as melhores escolhas e tenhamos pertencimentos àquilo que mais nos faça crescer, independente da dor ou das renúncias. Seremos eternos aprendizes.(Ilustração: www.revistabula.com)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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