Uma vida entre livros: SÓCIOS do Gabinete de Leitura há mais de 50 anos

Há mais de 50 anos eles começaram uma história com o Gabinete de Leitura Ruy Barbosa que não foi interrompida um dia sequer. Foi quando se tornaram sócios, e não deixaram de frequentar o Gabinete desde então. Hoje são sócios remidos – ou seja, não pagam mais mensalidade – e continuam a aproveitar um dos grandes prazeres de suas vidas: a leitura. Dionísio Kiss, Maísa Lopes e Neyde Caudálio são três dos mais antigos sócios remidos, entre os 17 existentes, que passam por lá todas as semanas – Maisa passa todo dia para ler os jornais – e mostram que ler é uma alegria que não tem fim.

“Aprender a ler foi a melhor coisa que me aconteceu na vida”, resume Maísa, de 77 anos. Ela se tornou sócia do Gabinete em 21 de setembro de 1960, levada por amigos que já frequentavam o local. Quando trabalhava na secretaria do Colégio Rosa – onde atuou por 48 anos – ela passava no Gabinete depois do expediente para pegar um livro emprestado. Depois que parou de trabalhar, em 2011, aproveita o tempo para fazer uma visita todos os dias; geralmente lê todos os jornais e depois escolhe um livro, principalmente biografias. “É um ambiente muito bom, sempre acolhedor, com funcionários atenciosos, por isso faço questão de elogiar. Ler é uma viagem; eu adoro”, diz. Maisa é amiga de Neyde Caudálio, a mais antiga sócia remida: hoje com 83 anos, ela se tornou sócia do Gabinete em junho de 1953. Até hoje são vizinhos. “Quase nasci dentro do Gabinete”, brinca ela, que nasceu e mora até hoje em uma casa na mesma rua, a Cândido Rodrigues. Professora e diretora aposentada da escola Benedita Arruda, em Jundiaí, Neyde é neta de Ricardo Caodaglio (escrito assim mesmo, com “gl”) que no início do século passado era dono de boa parte da região central, e por isso o Gabinete sempre fez parte da sua vida. Hoje passa por lá uma vez por semana – só teve que dar uma paradinha recentemente após ter sofrido uma fratura e precisar fazer fisioterapia. Mas agora, já restabelecida, está de volta.

Já a história do médico Dionísio Kiss esteve envolta em bibliotecas antes mesmo dele nascer, na Hungria, há 91 anos. Seu pai, Estevão Kiss, era um engenheiro têxtil que lutou no exército austro-húngaro na Primeira Guerra Mundial. Em meados dos anos 20, em plena crise da Europa no pós-guerra, foi em uma biblioteca de Budapeste, capital da Hungria, que Estevão descobriu uma oportunidade. Pensando em encontrar um futuro melhor para sua família, Estevão encontrou lá um jornal da comunidade húngara editado em São Paulo – Estado que na época já contava com um grande número de imigrantes. Ele achou que o lugar era promissor e deixou a Hungria com a esposa e os dois filhos pequenos – Dionísio com 5 anos e seu irmão com 7 – , desembarcando em São Paulo e depois em Jundiaí, em busca de emprego na Argos, na época uma gigantesca indústria têxtil. Mesmo sem falar uma palavra de português, Estevão começou a trabalhar no dia seguinte e a família passou a morar nas “casinhas da Argos”, casas construídas pela empresa que até hoje resistem nas proximidades da antiga fábrica, desativada na década de 80. Foi Estevão, que se tornou administrador da Argos, o primeiro da família a ser associado do Gabinete, tradição que Dionísio manteve, tornando-se sócio em 12 de novembro de 1961. “Meu pai sempre gostou muito de ler, e eu também. Nossa casa sempre teve muitos livros, como tenho até hoje”, conta. Dionísio, que é pediatra, atuou em hospitais e empresas de Jundiaí e hoje tem como hobbies fotografia, xadrez e música. Ainda lê muito, mas confessa que quem lê mais é sua esposa, Maria Cândida – mas quando ela vai ao Gabinete, Dionísio acompanha.

LEIA TAMBÉM:

PROFESSORA DE FISIOLOGIA ESCREVE ROMANCES NA INTERNET

Homenagem – No próximo dia 27, sábado, todos os sócios remidos estão convidados para uma homenagem em um chá da tarde. A iniciativa é da nova diretoria da entidade, que acaba de tomar posse e tem a intenção de divulgar a biblioteca para as novas gerações, sem esquecer os sócios que construíram essa história. “Gostaria que os jovens seguissem esse exemplo e despertassem para o hábito da leitura”, diz Adriana Zutini, presidente do Gabinete.
O encontro faz parte das comemorações dos 109 anos de fundação do Gabinete, celebrados em abril passado. Hoje o Gabinete conta com um acervo de aproximadamente 56 mil volumes e assinatura de 10 jornais e 35 revistas, além de biblioteca infantil, espaço para pesquisa, auditório e sala de computadores com wi-fi; na copa, chá e café estão disponíveis o dia todo, criando um ambiente sempre acolhedor. Saraus e exposições estão entre as ações programadas para reunir associados e manter a referência cultural do gabinete, que está um uma lista de apenas 2 ou 3 no Brasil todo.