SOLIDÃO

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Era uma daquelas noites em que o silêncio pesa. O vento soprava pelas frestas da janela como quem anuncia que, do lado de fora, o mundo seguia. Mas, do lado de dentro, tudo parecia ter parado. Naquela sala sem barulhos e sem presenças, a solidão se sentava à mesa como companhia inevitável. Era mais do que ausência de vozes — era a percepção plena de si mesmo. E isso, nem sempre, é confortável.

Fala-se muito da solidão como ausência: de gente, de abraço, de partilha. Mas há uma solidão mais densa, mais sutil, que não se resolve com companhia física. É aquela que vem quando não conseguimos mais dialogar com o que somos. Quando as respostas escapam e as perguntas se acumulam como ecos. É a solidão existencial, essa que todos, em algum momento, conhecemos.

Viver é, inevitavelmente, um ato solitário. Ainda que cercados de outros, só nós habitamos nossa pele, nossos pensamentos, nossos dilemas. Essa verdade pode ser angustiante, mas também pode ser libertadora. Afinal, na solidão, também mora o encontro mais verdadeiro com quem se é. É nela que as máscaras caem. É nela que as palavras se tornam menos importantes que os silêncios.

Contudo, não se pode romantizar. A solidão, especialmente quando prolongada ou não escolhida, fere. Isola. Faz do mundo um lugar estrangeiro. É nesses momentos que as incertezas ganham espaço e se agigantam.

Viver em tempos de incerteza não é novidade. Mas nunca pareceu tão presente. A cada passo, um talvez. A cada escolha, um risco. A cada manhã, uma pergunta: e agora? As incertezas nos colocam em movimento, é verdade. Mas também nos exaurem. Somos seres ávidos por previsibilidade, por estruturas, por garantias — mesmo que ilusórias. E quando o mundo nos responde com instabilidade, precisamos aprender a dançar com o imprevisível.

É fácil perder-se nas incertezas. Questionar tudo. Questionar-se. Em muitos casos, a dúvida se torna o único ponto fixo. E isso nos leva, novamente, à solidão: aquela de quem já não se reconhece, nem nos outros, nem em si. No entanto, nesse cenário de sombras e perguntas, há algo que resiste. Algo que, embora frágil, é potente: a cumplicidade.

Há algo de profundamente humano na cumplicidade. Não se trata de grandes gestos ou promessas eternas. Trata-se, muitas vezes, de um olhar. De um “eu estou aqui” que não precisa ser dito. De um silêncio compartilhado que alivia.

A cumplicidade nasce do reconhecimento mútuo. É quando alguém, sem precisar explicar, entende. É quando, mesmo diante do caos, existe uma presença que sustenta. E isso vale mais do que certezas. Porque, quando tudo está incerto, ter alguém que permanece é o que nos ancora.

Na cumplicidade, encontramos uma resposta possível à solidão. Não porque ela a elimina, mas porque a torna habitável. Porque nos faz lembrar que não estamos sozinhos em sermos sós. Talvez por isso, a maior forma de amor não seja o afeto grandioso, mas o acolhimento. Essa capacidade de receber o outro exatamente como ele está — sem tentar mudar, corrigir ou apressar.

Acolher é arte rara. É escutar sem interromper. É abraçar sem apertar. É estar junto sem invadir. É, sobretudo, permitir que o outro exista em sua inteireza — com suas dores, suas dúvidas, suas pausas. Em um mundo de respostas rápidas, acolher é um gesto revolucionário. Porque exige tempo. Exige presença real. Exige empatia — essa palavra tão falada e tão pouco vivida.

Quem acolhe, oferece chão. Oferece espaço. Oferece o que todos, em alguma medida, buscamos: pertencimento. Não o pertencimento forçado, condicionado, interesseiro. Mas aquele que diz: “você pode ser como é, e eu continuo aqui”. E quando há acolhimento, algo se transforma. A solidão já não é desespero. As incertezas já não paralisam. A cumplicidade se torna laço. E a vida, mesmo em meio às turbulências, reencontra sentido.

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A noite daquela personagem, real ou simbólica, termina como tantas outras: sem grandes revelações, sem certezas absolutas. Mas com algo que muda tudo: um gesto. Um toque. Uma escuta. Uma companhia. Porque, no fundo, talvez tudo o que queremos é isso: alguém que fique quando a noite cala.

E esse alguém pode ser o outro. Mas, às vezes — e isso é fundamental — esse alguém precisa ser você mesmo. Acolher-se. Ser cúmplice de si. Habitar a própria solidão sem se abandonar. A vida não é feita só de respostas. Ela é, sobretudo, feita de presenças e mudanças.

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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