SUS, saúde e democracia

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Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) seja uma conquista da sociedade brasileira, sua existência e solidez são constantemente desafiadas por uma visão de mundo que prega o Estado mínimo. A análise crítica desse modelo neoliberal revela os profundos riscos para as políticas públicas de saúde, ao mesmo tempo que um mecanismo tributário brasileiro – a dedução de gastos com saúde no Imposto de Renda – expõe uma contradição intrínseca a esta ideologia: o reconhecimento, pelo próprio poder público, de que a saúde é um direito que demanda financiamento coletivo.

O neoliberalismo, uma corrente de pensamento e prática política que se tornou hegemônica a partir da década de 1980, lançou um “verdadeiro assalto ao Estado democrático e social”. Sua meta declarada era a construção de um Estado mínimo, um projeto que envolvia, entre outros pontos, o desmonte do Estado de bem-estar social, que é o sistema de proteção criado pelas sociedades modernas para corrigir a cegueira do mercado em relação à justiça social. Essa ideologia, apoiada em teorias econômicas que promoviam a desregulamentação e as privatizações, via com maus olhos um sistema público, universal e gratuito como o SUS.

A aplicação dessas políticas, no entanto, mostrou-se intrinsicamente contraditória e socialmente devastadora. Longe de criar sociedades mais prósperas e equilibradas, a implantação do modelo neoliberal frequentemente resultou em maior concentração de renda, aumento da instabilidade macroeconômica e o progressivo estrangulamento dos recursos destinados às áreas sociais. O objetivo de retirar o Estado de seu papel de provedor e regulador levou, na prática, a um Estado “desregulador”, que abandonou a sociedade à própria sorte e transformou direitos, como a saúde, em mercadoria. A crise financeira global de 2008, que forçou o Estado a intervir maciçamente para salvar o setor privado, é a evidência definitiva do colapso dessa ideologia.

No contexto brasileiro, o SUS representa o antídoto constitucional para essa lógica excludente. Sua arquitetura, baseada nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, é a materialização do entendimento de que o mercado, deixado por si só, é incapaz de garantir o bem-estar de toda a população. Portanto, qualquer avanço da agenda neoliberal representa um ataque direto à existência do SUS, pois busca substituir a lógica do direito pela lógica do lucro, e a noção de cidadão pela de consumidor.

Em um aparente paradoxo, mesmo os cidadãos que optam (possuem condição financeira para pagar por um convênio médico ou por uma consulta médica particular)  por utilizar serviços de saúde privados no Brasil são beneficiários de um subsídio público indireto, o que demonstra o inescapável papel do Estado no financiamento deste setor. Isso ocorre por meio da dedução de gastos com saúde na declaração do Imposto de Renda da pessoa física.

O mecanismo é simples: ao declarar suas despesas, o contribuinte reduz a sua base de cálculo do imposto. O valor que deixou de ser pago à Receita Federal representa, na prática, um ressarcimento dos custos com saúde que ele teve, um custo que é absorvido pelos cofres públicos. É crucial notar que, diferentemente de outras deduções (como as com educação, que têm um limite anual), as despesas com saúde não possuem teto para dedução, reforçando o peso que essa política fiscal tem para o orçamento nacional.

Este instrumento tributário evidencia uma realidade frequentemente ignorada no debate público: o poder público arca com parte significativa dos custos em saúde, mesmo quando o atendimento é realizado na rede privada. Esse modelo cria um subsídio indireto ao setor de saúde suplementar, financiado por todos os contribuintes, e demonstra que a saúde, como bem social, demanda um esforço coletivo de financiamento que transcende a mera lógica de mercado.

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A defesa intransigente do SUS e a compreensão dos mecanismos que sustentam o financiamento da saúde no Brasil são atos de resistência contra um projeto político-ideológico que visa minimizar o Estado e maximizar o lucro. A análise crítica do neoliberalismo revela suas contradições e seus custos sociais, enquanto a existência de políticas como a dedução de gastos médicos no IR comprova que a saúde é, inevitavelmente, uma responsabilidade que o Estado e a sociedade compartilham. Fortalecer o SUS significa, portanto, não apenas garantir um direito constitucional, mas também afirmar a saúde como um pilar de uma sociedade realmente democrática e solidária, em oposição a um modelo que a trata como mais uma mercadoria.(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

JOSÉ FELICIO RIBEIRO DE CEZARE

Mestre e doutorando em Ensino e História de Ciências da Terra pelo Instituto de Geociências da Unicamp. Membro da Academia Jundiaiense de Letras. Pesquisador, historiador, professor, filósofo e poeta. Coeditor da Revista literária JLetrasPara saber mais, clique aqui. Redes sociais: @josefelicioribeirodecezare.

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