Parece conversa bíblica, e que seja, mas trata-se de uma proposta bem humana e atual, o fato de saber esperar. O tempo de esperar é uma prática muito atual e cada vez mais precisa, visto o fato de que cada um de nós tem seu tempo próprio e ele é imprescindível, ainda que efêmero. E respeitar o tempo de esperar faz com que saibamos respeitar limites pessoais e coletivos e nos possibilita viver em grupo de um modo saudável (não disse ideal nem agradável!!!) e respeitoso, acreditando que os demais, também, respeitem nosso tempo.
Esta semana estou vivendo o tempo de espera. Do meu tempo de espera. Já me angustiei, já me fragilizei e já me penitenciei; terapia, conversas, aconselhamentos, sugestões, consultas jurídicas, reflexões e análises, insônias até que conseguisse me reequilibrar e entender que “este é o meu tempo de espera” para novas escolhas e novas propostas. Acreditava que as pessoas mais velhas não passariam por estes momentos, diante da experiência de vida e das andanças por onde passaram, mas vejo que saber esperar é uma arte muito bem manejada pelos mais experientes.
Cada mudança requer muita reflexão, quando já não se tem mais 20 anos: minha formatação me diz que já não posso errar nas escolhas. Nem vacilar e tão pouco acreditar em propostas mágicas: todas as propostas são maravilhosas e benéficas, até, no máximo, a página três. Cada proposta tem seu enredo e este enredo tem um autor (e ator) que doura a pílula conforme sua conveniência, portanto, toda cautela é pouca e toda ingenuidade é danosa.
Mudo de vida, mudo de perspectivas, mudo de funções, mudo de local e mudo de atividades, mas farei o que gosto e sei fazer bem. Vou tentar manter o nível que acredito, em minhas funções, onde serei melhor reconhecido, acredito; abraçar o novo é desafiador e sou movido por desafios. Os desafios são as ameaças diante do que me é novo ou inédito e, diante deles, sou levado a ser mais criativo e mais cauteloso: devo abandonar a zona de conforto.
Tenho me atualizado, visto a abrangência daquilo que farei, não abandonando minhas origens acadêmicas, mas atendendo aos critérios mais democráticos e humanizados de tratamento ao público com o qual trabalharei, entretanto meu processo conciliador está plugado na mais alta velocidade e mais alta frequência dando-me suporte para novas empreitadas e novas demandas: ai está outro processo desafiador.
Alguns me perguntam por que mudanças nesta época de minha Vida, quando eu deveria estar sossegado, lendo, viajando, jogando truco e indo à almoços beneficentes. E eu respondo: porque estou vivo e como tal, sou dinâmico, tenho necessidade do novo e tenho muito a fazer, ainda. Os limites da idade eu só sinto na minha locomoção, que me faz uma diferença, diante da prótese de quadril, que me tira uma certa mobilidade, mas no cérebro…ah, esse está muito ágil, muito esperto e muito lúcido.
Se isso é um fato, comprovado pelos selecionadores, que me escolheram, por que me render a ficar envelhecendo trancado num apartamento? Ou indo a cruzeiros, jogando bingo e cartas, ou me isolando em locais calmos e silenciosos? Não, não quero esse fim para mim: quero manter meu ritmo e dividir, até onde tiver forças, aquilo que armazenei e elaborei, enquanto pensador. Quero aprender mais: mantenho minhas aulas de inglês, espanhol, francês e alemão porque vou voar em breve e quero poder me comunicar fluentemente nas línguas dos lugares por onde passarei. Rui Gomes e Prof. Gunther, breve estaremos juntos. Muito em breve.
Mas tudo demanda decifrar, acatar e transformar o tempo de espera num período de desmame e de readaptação, uma vez que nova vida está sendo gestada e sendo muito bem cuidada para que não se cometa os mesmos deslizes profissionais anteriores: não tenho tempo para errar e devo levar o novo; esta é minha marca. Diante do tempo de espera, vou me melhorando para entregar aquilo que conseguirei fazer de melhor, sem dúvida alguma.
Cada vez mais percebo o quanto preciso estudar e aprender mais. As vezes penso que me faltam mais saberes sobre Filosofia, outras vezes sobre Sociologia e em outras Psicologia; mas sinto que me falta mais sintonia com saber popular, com o saber coletivo. Que bicho estranho este tal de homem. Muito estranho. Estuda-se muito, aprende-se muito e sempre falta algo para saber. Talvez porque nos afastamos do Homem Real.
Numa escolha entre menos “escolhíveis”, podemos pensar na formatação de um Frankstein menos desastroso ou somos obrigados a pegar as armas e sair eliminando os mortos-vivos? O Tempo de esperar não nos preparara para isso, nunca. Que momento é este que estamos vivendo, em que as pessoas se negam a enxergar as verdades e os desastres já perpetuados por nossos antepassados e se negam a ter um plano B para estabelecer a ordem? Mesmo o plano B não sendo o melhor, mesmo sem ter admiração alguma, nosso tempo de espera deve nos facilitar a entender que é preciso sair do olho do furacão para ter possibilidade de repensar e ressignificar algo novo.
Em algum lugar do Mundo foi diferente ou somos realmente a exceção? Tenho medo da resposta, pois somos exceção quando falamos em roubos, em corrupção, em abandono, em descaso, em saúde zero, segurança ineficaz, educação sucateada, estado ausente, taxas de impostos surreais, avanços de doenças já erradicadas, famílias vivendo de benesses oficiais, delações oficiosas, promessas não cumpridas e medo generalizado diante daquilo que o Mundo civilizado nos ensina. Mas estamos sempre em tempo de espera.
E, de espera em espera, voltamos ao ciclo vicioso que nos acorrenta e amordaça: retomando a um assunto já aqui analisando, a depressão é uma dor que toma espaço na sociedade, seja ela reconhecida ou não. Envolve as questões mais sérias nas implicações biológicas, históricas, sociais, químicas, médicas e psicológicas. Ou questões bem mais sérias: as dores do cotidiano, as dores da rejeição, as dores da exclusão. Se estas dores são mais sérias, quais serão? Aliás, existem dores maiores e dores menores?
Há os que falam em cura pela fé, ou cura pelo enfrentamento, ou no desapego; mas poucos confirmam a cura pela via neurológica, com acompanhamento de médicos e psicológicos. Depressão é doença. Depressão é caso de saúde pública. Mas quem está se preocupando com isso? Em cursos de Psicologia vemos muitos graduandos em um estado depressivo, sem a devida orientação psicológica. Estes, futuros profissionais da saúde mental, acreditam na depressão como doença? Ou estão vivendo o tempo de esperar?
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AINDA BEM QUE É SÓ NA ESPANHA…
Temos conhecimento de questões depressivas, já na antiga Grécia. Muito depois a ascensão do Cristianismo modela as atitudes dos fiéis para um estado de bem estar inexistente, mas adequado ao falso puritanismo. Em seguida vemos o apogeu da Medicina com a terrível adoção dos eletrochoques e dos choques de insulina. Nada mudou: a tristeza continuou e a depressão (que não é tristeza) não perdeu tempo: aumentam os casos depressivos, vertiginosamente.
Entender da depressão é entender do Homem e de suas variáveis, seus caminhos, suas incursões e seus tempos de espera. É acreditar que se pode ser solitário em grupo. É possível se sentir sozinho mesmo que estejamos bem acompanhados. É viável sentir dor, vazio existencial, solidão, medo e vontade de desaparecer do Mundo, num passe de mágica. Sim, é possível. Em especial, é entender que o tal tempo de espera pode ser uma das causas de tanto sofrimento, que se instala e cria garras, machucando-nos internamente. Que nosso tempo de esperar possam ser cada vez mais suaves e menos cáusticos e que consigamos enxergar saídas saudáveis e suaves em nossa vida.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do Lepespe, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da Unesp. Mestre e Doutor pela Unicamp, livre docente em Psicologia do Esporte, pela Unesp, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology. Diretor técnico da Clínica de Psicologia da Faculdade de Psicologia Anhanguera, onde leciona na graduação.
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