Não se tem tempo para mais nada. Todos os minutos, as horas, os dias são engolidos na volúpia de uma velocidade incrível. Tem-se a percepção de que os movimentos da Terra foram acelerados nos últimos anos. Terrível a sensação de que não se fez o que se devia e o tempo foi desperdiçado com coisas que não valiam a pena.
Nem sempre foi assim. Houve na História da Humanidade um “tempo sem pressa”, que era mensurado por noções singelas como dia e noite, verão e inverno. Essa cadência previsível orientava os ciclos agrícolas. A semeadura, o trato, a colheita.
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O tempo também era essencial para as práticas religiosas. Não é por acaso que “hora” e “oração” vêm da mesma raiz latina. Tempo do advento, tempo da quaresma, Páscoa, Natal. Tudo muito bem definido e marcado pelos sinos. O som dos sinos remonta a essa época tranquila. O que ocorreu com a noção de estabilidade que desapareceu de nossa vida?
No século 14 surgiu o relógio e ele substituiu os sinos. A marcação das horas passou a ser controlada pelo homem. Propriedade divina, migrou para a titularidade dominial humana. Já não se podia desperdiçar o tempo. A ociosidade, até há pouco, é considerada um ilícito. Daí a conhecida contravenção da “vadiagem”.
“Time is money”, foi o ponto culminante dessa mutação. Não se pode perder tempo. Este deve ser utilizado em coisas úteis. Coisas que sirvam para a sociedade consumista. Não há tempo para a contemplação, para a meditação, para a reflexão. Por isso é que a patologia mental nunca esteve tão em alta.
A passagem não se fez sem conflitos sérios. A prática da usura era condenada não sob aspecto moral, senão pelo indevido uso do tempo. Os ganhos de quem praticava a usura ao emprestar dinheiro a juros eram ilícitos porque pressupunham uma hipoteca sobre um tempo que não pertencia aos homens, senão a Deus.
Isso mudou e não se pode afirmar tenha sido melhor para o aprimoramento dessa criatura que se diz racional e que se acredita perfectível. Saudades de um tempo que não vivi, o “tempo sem pressa” do medievo. Mas saudades de um tempo que vivi. Nas décadas de cinquenta e sessenta, em que havia tempo para visitas domésticas. Em que havia tempo para ficar conversando na rua. Em que as praças eram lugares para as crianças brincarem, os jovens namorarem, os idosos conversarem.
O que fizemos com o nosso tempo? Ele está sendo usado com utilidade maior? Houve salto qualitativo no aproveitamento do tempo com pressa ou éramos mais felizes na era do tempo sem pressa? (foto acima: obviousmag.org)
JOSÉ RENATO NALINI
É secretário estadual de Educação e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.