Não queria tocar nesse assunto, afinal não sou especialista e sempre tive como regra evitar dar palpite naquilo que não entendo, para não correr o risco de dizer besteira. Ainda que esse risco exista, no entanto, o tema ‘terceirizar’ é quente demais para passar batido.
Impossível dizer o tamanho, mas é certo que uma parcela barulhenta da população é contrária ao projeto de lei que trata da terceirização e que foi aprovado na câmara federal. Em grande parte desse grupo, no entanto, está a militância envergonhada que, embora barulhenta, deve estar um tanto sem graça. Afinal, dois anos atrás era a presidente Dilma Rousseff quem defendia com veemência a aprovação desse projeto, enquanto a militância mantinha-se em silêncio.
O projeto aprovado, que agora segue para sanção do presidente Michel Temer, permite a terceirização de todas as atividades de uma empresa, incluindo suas atividades fim. Só para constar, não existe uma norma específica para serviços terceirizados hoje em dia, porém, súmulas da Justiça do Trabalho estabelecem que apenas as atividades meio, aquelas que não estão ligadas diretamente à atividade principal da empresa, como segurança ou limpeza, podem ser terceirizadas.
Basicamente, quando uma empresa contrata uma agência de propaganda, por exemplo, ela está recorrendo à terceirização. Embora o marketing seja um elemento fundamental para manter suas vendas, ele não é a atividade principal de uma fábrica de doces, por exemplo. Agora, com a nova lei, no entanto, a mesma fábrica de doces poderá contratar uma empresa para manter em funcionamento sua principal linha de produção.
Um olhar mais atento vai permitir perceber que a situação não é bem aquela que os favoráveis à nova lei propagam. Começando pelo custo da mão de obra. Um dos grandes problemas enfrentados por empresas em condições de ampliar seus investimentos está justamente no custo indireto da contratação da mão de obra. Os pesados encargos trabalhistas continuam existindo e recairão na conta das empresas prestadoras de serviço.
Quando se avalia a contratação de serviços terceirizados para atividades meio, a situação é uma. Mesmo que os custos fiquem muito próximos do que a empresa arcaria normalmente se ela mesma contratasse os funcionários, ainda vale a pena. Só a liberação de recursos humanos e materiais com o controle dos serviços de limpeza, segurança ou manutenção de informática compensa o contrato.
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Agora, quando se pensa na atividade fim, a situação é completamente diferente. Tomemos como exemplo um trabalhador especializado com nível médio que ganhe R$ 3,5 mil por mês. Considerando benefícios e os custos trabalhistas, esse trabalhador custará para a empresa, por mês, cerca de R$ 5,7 mil para a empresa contratante.
Se optar pela terceirização da mão de obra, o custo final do funcionário continuará sendo os mesmos R$ 5,7 mil, porém, ficarão a cargo da prestadora de serviço. A lógica, se considerarmos que a prestadora de serviços não está ali para fazer caridade, é que o salário pago para aquele funcionário fique abaixo dos R$ 3,5 mil, que é a média que se paga para um trabalhador com o nível de especialização que a empresa produtora está procurando.
A questão aqui é bem simples: compensa correr o risco com a terceirização da atividade fim, colocando o coração da sua produção nas mãos de um funcionário que, muito provavelmente, terá menor grau de especialização do que aquele que a empresa contrataria normalmente?
Alguém por aqui lembrou que esse tipo de situação já acontece com os fabulosos aparelhos da Apple. De fato, a gigante costuma terceirizar toda sua linha de produção para empresas da Malásia, Singapura e até no Brasil. A situação, porém, é diferente. Não se trata de contratar trabalhadores menos especializados, mas de recorrer à contratação em regiões onde a mão de obra é mais barata. Isso pode ser injusto com os trabalhadores americanos, mas não é um problema nosso, convenhamos.
De qualquer forma, a normatização dos serviços terceirizados já representa um avanço. Principalmente num segmento que ainda não tinha nenhum tipo de regulação e que contrata mais de 12 milhões de pessoas. Ainda que não empolgue na garantia da manutenção da qualidade da produção final de uma empresa.
O projeto aprovado na Câmara dos Deputados estava hibernando desde 2002. Como já havia passado por votação no Senado, segue direto para sanção do presidente. Outro projeto de lei que trata do mesmo tema, e que havia sido aprovado na Câmara em 2015, aguarda votação no Senado. Caso os senadores decidam se mexer e colocar esse projeto na pauta, uma nova opção de legislação poderá ser apresentada para a escolha do presidente Michel Temer. (foto acima: Agência Brasil)
RONALDO TRENTINI
É jornalista e escritor. Com passagens pelo Jornal de Jundiaí, Jornal da Cidade, Jornal O Tempo e A Tribuna de Jundiaí. Foi secretário de Comunicação na Prefeitura de Jundiaí. Escritor independente, é autor da série Mistério & Sombra, disponível na Amazon.com.br, entre outros livros.