Setenta e oito anos após o fim da 2ª Guerra Mundial, a jundiaiense Thaisa de Almeida Bestetti, de 43 anos, decidiu ir para a Itália e seguir os passos do avô, Arlindo. Ele era oficial da Força Expedicionária Brasileira(FEB) e ajudou a libertar várias cidades dos nazistas. O que era para ser um projeto pessoal ganhou repercussão em todo país. Com apoio do Museo Nazionale dell’Emigrazione Italiana, os cartões postais que Arlindo mandava para o Brasil foram ampliados. Thaisa recebeu um carro para percorrer 20 das 70 cidades onde o nonno passou e entregou os cartões aos prefeitos. Começou a aventura no dia 3 deste mês. Conversou com remanescentes, confirmou histórias registradas por Arlindo num diário, se emocionou e terminou a viagem nove dias depois. Depois desta imersão, Thaísa – que é formada em Turismo pela Puccamp e trabalha na escolinha do Real Madrid, no Brasil – pretende concluir o livro que está escrevendo. A filha do ex-delegado e ex-vereador Carlos Alberto Bestetti acredita que é importante resgatar as raízes familiares. “A história dos nossos antepassados não foi fácil. Só estamos aqui graças aos esforços deles. É preciso honrá-los”, diz. A entrevista com Thaisa:
A sua família é de qual cidade italiana?
É da cidade de Trezzo Sull’adda, região da Lombardia…
Quando começou a planejar esta aventura?
A nossa história familiar foi interrompida duas vezes: quando meus bisavós vieram para o Brasil e perderam contato com os parentes e com o fim da 2ª Guerra Mundial. Nesta época, meu avô foi reencontrar a família. Ele era tenente da FEB, estava na Itália e achou os parentes. Só que naquela época não era como é hoje. O contato era difícil. Ele trocou cartas por algum tempo até que as correspondências pararam de ser trocadas. Meu avô, que morreu em 2002, escreveu um diário de guerra, onde registrou a rotina na guerra, as pessoas que o ajudavam e como foi o reencontro com os parentes italianos. Ele ainda estava vivo quando descobrimos este diário, que foi transformado num livro para a família em 1998. Um ano depois da morte dele fui morar em Barcelona. Lá, numa Páscoa, decidi encontrar a família do mesmo jeito que meu avô fez. E eu consegui. Como morava relativamente perto, era mais fácil visitá-los. Ficamos muito próximos. Os meus parentes italianos vieram para cá. No ano passado, pensando que estes fatos são muito bonitos e deveriam ser escritos para não se perderem, decidi fazer um livro contando toda a história da minha família. Nele tem um capítulo dedicado ao meu avô e a guerra, o reencontro com a família. A guerra acabou reunindo a minha família novamente. Ao fazer a pesquisa para o meu livro encontrei muitos documentos, fotos, cartões postais que ele mandava para o Brasil. Eu já sabia que iria para a Itália no final de 2023 para falar com meus parentes e pensei: vou fazer o mesmo trajeto que meu avô fez na 2ª Guerra. Uma amiga argentina passou contato de uma conhecida dela que está fazendo pesquisa num museu na Itália. O trabalho dela é sobre ‘imigrantes italianos no esporte’. Conversamos, contei a minha história e ela a levou para o Museo Nazionale dell’Emigrazione Italiana, o MEI, em Gênova. O Museu me ajudou nesta viagem, colocando-me em contato com prefeituras. Ampliaram os cartões postais enviados pelo meu avô. Eu entreguei estes cartões aos prefeitos das cidades que visitava. Mas o meu projeto era pessoal. Não teria divulgação como acabou acontecendo. Eu apenas pretendia percorrer os caminhos que meu avô passou. Foi uma viagem muito corrida, feita nas minhas férias. Por isto não pude visitar todas as cidades em que ele esteve. Queria fazer o trajeto dele com mais tempo. Mesmo assim, meu passaporte tem o carimbo de cada cidade que estive. Além disto, neste ano, o governo italiano está lançando o ‘Turismo de Raízes’, incentivando os descendentes a buscarem suas origens. E no Brasil, neste ano, será celebrado os 150 anos de imigração italiana.
Ele, como descendente de italianos, ficou triste de ver o país destruído?
No diário ele registra uma tristeza imensa de ver a fome, a destruição. Ele relata que famílias comiam restos. Ele repetia: “que triste é a guerra”…
Qual foi o critério de escolha das cidades que você conheceu?
Tentei escolher as cidades mais importantes durante a guerra, por onde ele passou, onde ele ficou mais tempo. Foram mais de 20 cidades, locais que consegui resgatar histórias que meu avô contava…
Você conseguiu confirmar ‘in loco’ algumas das histórias do seu avô ou o tempo apagou tudo?
Sim. Encontrei pessoas que se lembram da chegada dos brasileiros e do meu avô, principalmente na cidade de Trezzo Sull’adda. Ele estava num jipe. Meu avô levou as crianças para passear de carro. Também deu comida e chocolate para elas. Estas pessoas, agora idosas, nunca se esqueceram disto. Também encontrei pessoas da família que acolheram meu avô, que foram especiais para ele. Achei pessoas que viveram nos mesmos lugares que ele. Elas contaram as mesmas histórias que ele registrou no diário. Meu avô tirou muitas fotos na Itália. Temos a máquina fotográfica dele até hoje. Tentei refazer as fotos dele colocando um canhão pequeno de madeira, que o representa para mim. Vivi momentos muito emocionantes: eu estava nos lugares em que ele passou, com pessoas que ele conheceu!
SAIBA MAIS SOBRE A AVENTURA DE THAISA
Como o italiano de hoje vê a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial?
Não são todos italianos que sabem da participação do Brasil na guerra. Mas, nos locais onde os pracinhas passaram, nas cidades libertadas exclusivamente por eles, são lembrados com carinho e são honrados. Em Montese, até o início da pandemia, as crianças cantavam o hino da Força Expedicionária Brasileira(FEB), no dia da libertação da cidade. Isto deverá ser retomado. Montese fica perto do lugar onde ocorreu a batalha de Monte Castelo. Nas cidades próximas de Bolonha e Modena, os pracinhas são muito lembrados também. Há museu com partes dedicadas somente à FEB. Há monumentos em homenagens aos soldados brasileiros mortos.
Você falava que é de Jundiaí, uma cidade que recebeu milhares de imigrantes italianos?
Sim, falava. Em Gênova, o prefeito de lá falou que conhece o nosso prefeito, o Luiz Fernando Machado. Também disse que conhece a nossa cidade…
LEIA TRECHOS DO DIÁRIO DE ARLINDO BESTETTI
Dezembro de 1944: Eu e meus auxiliares ocupamos um depósito na casa de um senhor de nome Paselli.
Lama, lama, lama era tudo o que havia. Chegava a causar desânimo. O lugar onde eu estava hospedado era um depósito de forragem, pois não havia outro cômodo na casa do contadini(agricultor). Tinha como companhia cinco vacas que ficavam no pavimento inferior. Seu cheirinho desagradável não era nada animador, mas tinha de suportá-lo, pois sempre era melhor ficar ali, do que morar em barracas. O frio era insuportável.
Noite de 1º de janeiro de 1945: Eram mais ou menos 23 horas, quando fui acordado por uma voz alarmada, que me chamava, apressadamente. Ao abrir os olhos, notei que enorme clarão dominava a dependência onde eu morava. Ardia um intenso fogaréu por todo o palheiro. Só tive tempo de me pôr em pé, chamar os soldados que dormiam nos fundos e me pôr a salvo, somente com a roupa do corpo: camisa, ceroula e meias de lã. As chamas lambiam meu leito e todos meus pertences. Em poucos minutos, destruíram o depósito todo. Desolado, eu contemplava o medonho espetáculo da destruição de todos meus haveres e de parte do material da bateria. As armas e munições que eu possuía no depósito começaram a arrebentar, dando a impressão de um verdadeiro combate. Preocupava-me muito o enorme clarão que era visível à grande distância e podia ser aproveitado pelo inimigo, sempre astuto no seu possante observatório e que bem podia, naqueles momentos, estar apreciando nosso movimento. Este fato muito me contrariou por ter se dado logo no primeiro dia do ano e por ter me deixado em precária situação, pois fiquei sem roupa, sem morada, sem dinheiro e sem minhas recordações de família. Fiquei somente, comigo mesmo, vestido de ceroula e camisa, oferecendo um alvo propício para uma gripe, tremendo de frio, sobre a neve. Assim, comecei o “radioso” ano de 1945.
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