Há dias em que a sensação é de que o século XXI chegou rápido demais para o coração humano. A tecnologia avança, as possibilidades se multiplicam e o tempo parece correr em velocidade que os olhos mal conseguem acompanhar. Contudo, apesar de toda modernidade, algum valor essencial parece estar ficando para trás. Em muitos lugares, a pobreza de espírito se espalha como uma neblina silenciosa, encobrindo o brilho de virtudes que por tanto tempo guiaram a convivência humana.
Falta escuta, falta cuidado, falta humildade para reconhecer que ninguém caminha sozinho. O vazio não está no bolso, mas na alma que se recusa a compreender o outro. A convivência entre gerações nunca foi simples, porém, hoje se torna quase um duelo. Jovens que crescem acreditando que tudo lhes é devido, que o mundo precisa se curvar aos seus desejos, demonstram impaciência diante de qualquer orientação.
O respeito que antes era um valor sagrado se enfraquece como um objeto esquecido num canto da memória coletiva. Muitos adultos são tratados como obstáculos, como vozes ultrapassadas que já não merecem atenção. A ideia de dever, de responsabilidade compartilhada, parece perder espaço para um discurso de direitos absolutos, onde cada um reivindica o máximo sem oferecer sequer o mínimo em troca. A vida não se aduba apenas com exigências. Colhemos aquilo que respeitamos, e nada frutifica em solo de arrogância.
As relações humanas, por sua vez, sofrem com uma superficialidade dolorosa. O consumismo, antes limitado às vitrines e aos produtos, agora invade os afetos. Pessoas se tornam descartáveis como embalagens de um uso só. Conexões são firmadas pela conveniência, e não pelo compromisso. Gera-se um paradoxo amargo: quanto mais redes conectam, mais corações se isolam. A empatia se dissolve diante da pressa, e a insensatez ganha força no ego inflado que acredita poder tudo, mesmo sem saber nada.
O vínculo de valor, que deveria ser cuidado com paciência, se rompe ao primeiro sinal de incômodo, porque ninguém mais parece disposto a permanecer quando já não há vantagem imediata. Viver em um mundo que transforma seres humanos em ferramentas de uso rápido exige equilíbrio emocional e maturidade. Requer coragem para nadar contra a corrente que arrasta para a indiferença. Exige também sensibilidade para reconhecer que a sabedoria não brota de telas luminosas, mas da experiência acumulada em quem já enfrentou tempestades antes de nós.
Respeitar os mais velhos não é apenas reverência à idade, mas convicção de que há ensinamentos que o tempo lapidou e que merecem ser ouvidos com atenção silenciosa. As injustiças sociais e a ausência de solidariedade refletem essa pobreza de espírito que parece imperar. Muitos jovens são ensinados a competir antes de aprender a colaborar. São incentivados a vencer antes mesmo de compreender o valor de caminhar ao lado dos outros. A impaciência com os processos naturais da vida gera frustrações rápidas e revoltas intensas, porque não foram preparados para lidar com a demora, com o esforço, com o fracasso.
A sociedade do agora cria adultos frágeis, emocionalmente instáveis, que transformam qualquer frustração em ofensa pessoal. A falta de empatia corrói os laços. A falta de propósito esvazia as vidas. O mundo descartável não entende a importância da permanência. Não compreende que a verdadeira evolução está na construção e no cuidado, e não na troca constante. Quando os vínculos se tornam temporários e as relações se baseiam em benefícios imediatos, perde-se o valor do coletivo.
A insensatez toma o lugar da lucidez, porque a pressa não permite reflexão. Tudo se transforma em consumo: amizades, amores, até mesmo sonhos. O coração se torna depósito de expectativas inalcançáveis e frustrações acumuladas. Conviver com esta pobreza de espírito exige paciência. Exige dizer não à lógica de descarte. Exige proteger aquilo que ainda é sagrado: a dignidade humana, o respeito, a gratidão. A sabedoria dos mais velhos deveria ser tratada como patrimônio, e não como ruína.
São eles que guardam histórias, conselhos e fundamentos. São eles que nos lembram que a vida é maior do que essa pressa insana de querer tudo antes da hora. Escutar quem veio antes é um gesto de humanidade. Nada substitui o aprendizado que nasce da convivência com quem já percorreu os caminhos que hoje trilhamos.
A liberdade sem responsabilidade produz ruínas. A falta de valores gera confusão. O individualismo extremo sufoca qualquer possibilidade de construção coletiva. Que o século XXI não seja apenas o tempo das grandes inovações, mas também o tempo da redescoberta da simplicidade de ser humano. Que o respeito volte a ocupar o lugar de essência e não de exceção. Que possamos ensinar aos jovens a beleza dos deveres e o orgulho de cumprir compromissos. Que compreendam que nenhum direito se sustenta quando a base ética se quebra.
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DOR, INVISIBILIDADE E SAÚDE MENTAL
A vida pede equilíbrio. Nem toda modernidade é progresso, se ao caminhar para o futuro deixarmos cair pelo caminho a nossa humanidade. Que o olhar volte a ser mais profundo, que o toque seja mais verdadeiro, que o diálogo seja mais sensato. Que o amor seja mais compromisso do que impulso. Que o mundo deixe de ser descartável, para que as pessoas também deixem de ser.
Em tempos de tanta pobreza de espírito, cultivar valores se torna um ato de resistência. Honrar quem nos antecedeu, viver com serenidade e respeito, compreender que ninguém cresce sozinho. Que possamos ser o exemplo que o tempo tentará imitar. Porque, apesar da insensatez que insiste em circular pelas ruas do presente, ainda há quem cuide. Ainda há quem ame. Ainda há quem respeite. Enquanto existirem aqueles que se levantam pela dignidade humana, o mundo não estará perdido. O equilíbrio ainda pode ser cultivado, como uma semente teimosa em florescer, mesmo no solo mais árido.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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