DELAPIDAÇÃO dos valores humanos e urgência de fidelidade

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As relações humanas, em suas diversas esferas — profissionais, acadêmicas e afetivas —, têm sido profundamente impactadas por traições e ingratidões que, infelizmente, se tornam cada vez mais frequentes. No ambiente de trabalho, entre colegas, nas relações professor-aluno e entre pares afetivos, essas rupturas de confiança afetam não apenas a dinâmica das relações individuais, mas também enfraquecem a estrutura social e emocional que sustenta a convivência humana. Esta crônica discutirá as causas e consequências da delapidação dos valores humanos como a lealdade e parceria, e propõe a necessidade de um realinhamento que restaure a crença na fidelidade, respeito e colaboração.

No ambiente de trabalho, a traição entre colegas é uma questão cada vez mais comum. Em um cenário altamente competitivo, o desejo de ascender profissionalmente a qualquer custo muitas vezes leva à quebra de confiança entre colaboradores. Promessas são feitas e quebradas, segredos profissionais são vazados, e alianças são desfeitas em nome do sucesso individual. Esse tipo de traição profissional vai além das questões éticas; ela mina o senso de comunidade dentro das organizações e gera um ambiente tóxico, onde a desconfiança se torna a norma.

A causa da traição entre colegas pode estar ligada à crescente pressão por resultados imediatos e à cultura de competitividade exacerbada que domina muitas corporações. Quando o sucesso pessoal é visto como mais importante do que o coletivo, os valores humanos que deveriam sustentar as relações de trabalho, como o respeito, a colaboração e a lealdade, são rapidamente esquecidos. Em vez de ver o colega como um aliado, muitos o veem como um obstáculo a ser superado. Isso leva a um ciclo de desconfiança e animosidade, que prejudica não apenas os indivíduos, mas a organização como um todo.

Para um realinhamento desse tipo de comportamento, é necessário que haja uma redefinição dos objetivos e valores dentro das instituições. É preciso cultivar uma cultura corporativa que valorize a colaboração em detrimento da competição desenfreada.

O sucesso de uma organização é intrinsecamente ligado à capacidade de seus colaboradores de trabalharem juntos em harmonia, apoiando-se mutuamente e construindo relações baseadas na confiança e no respeito. Isso requer um esforço consciente dos líderes para promover uma cultura de ética e responsabilidade coletiva, onde as conquistas são compartilhadas e não conquistadas à custa da lealdade dos outros.

Nas relações entre professores e alunos, a ingratidão e a quebra de confiança também são problemas recorrentes. Professores que se dedicam a orientar e guiar seus alunos frequentemente se deparam com a ingratidão daqueles que, uma vez atingido o sucesso, esquecem os esforços investidos em seu desenvolvimento. Essa dinâmica cria um ciclo vicioso onde o respeito pela autoridade acadêmica e o valor do conhecimento compartilhado são cada vez mais desvalorizados.

A ingratidão de alunos para com seus professores não se manifesta apenas na forma de falta de reconhecimento, mas também na quebra de confiança em momentos decisivos. O plágio, por exemplo, é uma forma de traição acadêmica em que o aluno se apropria do conhecimento alheio sem o devido crédito, traindo a confiança que lhe foi dada pelo professor ao ensinar e orientar. Esse comportamento é sintomático de uma sociedade que valoriza mais o sucesso imediato do que o processo de aprendizagem e crescimento pessoal. Para restaurar a confiança entre professores e alunos, é crucial que se reconstrua a ideia de que o processo educacional é uma parceria.

O professor deve ser visto não como uma figura de autoridade distanciada, mas como um mentor que está disposto a compartilhar sua experiência e conhecimento em benefício do aluno. Do mesmo modo, os alunos devem ser incentivados a reconhecer o papel fundamental dos professores em seu desenvolvimento, valorizando o processo de aprendizagem como algo que transcende a obtenção de notas ou certificados. Um realinhamento dessa relação exige um esforço de ambas as partes para construir um ambiente de reciprocidade e respeito mútuo. As traições e ingratidões nas relações afetivas são um reflexo mais íntimo e doloroso do que ocorre em outras esferas.

Quando uma traição ocorre entre pares afetivos, seja ela emocional ou física, o impacto é devastador. A base de confiança e segurança que sustenta o relacionamento se desfaz, deixando um vazio que dificilmente pode ser preenchido. A traição afeta não apenas a dinâmica da relação, mas também a autopercepção de quem foi traído, minando sua autoestima e sua capacidade de confiar no outro.

Assim como no ambiente profissional e acadêmico, as causas das traições afetivas estão profundamente enraizadas em uma cultura que valoriza o individualismo e o prazer imediato. A incapacidade de lidar com as dificuldades e frustrações que surgem em um relacionamento muitas vezes leva ao desejo de procurar satisfação ou validação fora dele. Essa busca por soluções rápidas e superficiais reflete uma falta de compromisso com os valores de fidelidade e parceria que deveriam ser a base de qualquer relação afetiva duradoura.

No entanto, é possível realinhar as relações afetivas para que se sustentem na fidelidade e no respeito mútuo. Isso exige um esforço contínuo de comunicação aberta, transparência e comprometimento por ambas as partes. A traição muitas vezes ocorre quando as expectativas e necessidades emocionais não são discutidas de forma clara. Assim, a chave para prevenir essas rupturas está na construção de um espaço onde ambos os parceiros possam expressar suas vulnerabilidades, trabalhar juntos para superar os desafios e reafirmar seu compromisso com a parceria.

Em todos esses cenários — no trabalho, na academia e nas relações afetivas —, podemos observar uma delapidação dos valores humanos essenciais que sustentam a convivência social: lealdade, gratidão, respeito e confiança.

Essa erosão dos valores está enraizada em uma cultura de imediatismo, onde o sucesso individual é priorizado em detrimento da construção de laços fortes e duradouros. O resultado é um mundo onde as relações são mais frágeis, e a traição e ingratidão se tornam respostas comuns às frustrações cotidianas.

Para restaurar a crença na fidelidade e na parceria, é necessário um realinhamento profundo nas nossas atitudes e nas estruturas sociais que promovem a competitividade e o individualismo. Devemos redescobrir o valor das relações humanas genuínas, que se baseiam na confiança mútua e no apoio contínuo. Isso começa com a promoção de uma cultura de reciprocidade, onde o sucesso individual não é alcançado à custa do outro, mas sim em colaboração com ele.

Além disso, é preciso ensinar e reforçar a importância da gratidão e do respeito em todas as esferas da vida, desde as relações profissionais até as afetivas. Somente assim será possível construir um futuro onde a fidelidade e a parceria voltem a ser valores centrais em nossas interações humanas.

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As traições e ingratidões que ocorrem entre colegas de trabalho, professores e alunos, e pares afetivos são reflexos de uma sociedade que está perdendo de vista os valores humanos fundamentais. No entanto, é possível reverter esse quadro por meio de um realinhamento consciente, que valorize a fidelidade, a parceria e o respeito.

Ao resgatar esses princípios, podemos restaurar a confiança nas relações e construir um ambiente mais ético e saudável, onde o sucesso e a felicidade sejam compartilhados, e não obtidos à custa da integridade do outro.(Foto: Cottonbro Studio/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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