Surpreendo-me com a capacidade que certas pessoas têm em abstrair as questões mais concretas da vida. São tão peritos na arte de abstrair que conseguem fazer de suas mentiras verdades absolutas. E de suas verdades uma lei a que todos os mortais devem seguir ou admirar. Este nível de desvio mental é um fenômeno que está se alastrando, tanto como o vírus da gripe: até os mais cretinos estão se tornando insuportáveis “influencers” de um bando de desmiolados inconsistentes de raciocínio.
A medida que o tempo passa percebe-se que as pessoas buscam lideranças vazias de significado, em função de suas existências vazias de sentido: é a lei da oferta-procura. Um não tem o que dar e o outro não sabe o que procura para receber. Neste impasse, qualquer um que fale meia dúzia de palavras de efeito, ou fale mais forte, leva o incauto para sua lábia. E, assim, temos os seguidores.
Em tempos passados, diziam que os treinadores de futebol (e de outros esportes, também) tinham este perfil. Chegaram, inclusive, a nomear os mais falastrões e a indicar seus seguidores mais fanáticos. Em seguida, vieram os pastores e bispos evangélicos, acompanhados pelos padres carismáticos que pulularam nas rádios e TVs, em missas e cultos shows. Mas esta praga se alastrou e, hoje, toma boa parte de nossos jovens e até adultos jovens, destituídos do senso crítico e em busca de conversinhas de efeito.
Ainda numa análise nem um pouco profunda, podemos dizer que não foi o advento de mais canais abertos e mais rádios populistas que proliferaram estas criaturas impolutas, que vomitam suas verdades absolutas. Devemos isto à falta de estrutura das casas e famílias que não cuidam de seu bem maior: os filhos. Temos uma população de jovens que seguem mais seus ídolos do que a seus pais, que quase não vêm e quase não trocam olhares e palavras. E não é o início do caos.
Sim, não são apenas os pais que devem ser apontados como negligentes; claro é que demais aparelhos ideológicos do estado entram para compor o quadro que tem fragilizado nossa sociedade: a escola, com seus docentes pouco qualificados, de poucas leituras e quase nenhuma tática para lidar com jovens inadaptados e irrequietos. Hoje a escola mira nos hiperativos, como se todos sofressem do mesmo mal, num diagnóstico enviesado e frágil, que se arrastará por longo tempo, trazendo dissabores tanto para a escola, como para os alunos em inadaptação.
Adultos irrequietos, tornam-se confusos e portadores de uma irritabilidade a cada contradição. Não toleram ser desmascarados, nem aceitam seus erros. Vivem como se o Mundo girasse à sua volta e acreditam que são infalíveis e pregam verdades absolutas. Donos de um discurso fácil e frágil, fogem de argumentações e de quem argumente, por sentir que o perigo pode desmascarar seu mundinho fútil e suas falas falaciosas: pobres de ideias e de boas argumentações, transformam mais mentiras em verdades e se orgulham dos fãs que os elogiam.
Estudos apontam que assim nascem os mitos. Os mitos de uma geração oca, de “ossos vazios” que não pensam e não sentem. Apenas aplaudem o líder insano. E vivem, todos, numa bolha de ilusões, acreditando nas mentiras e nos sonhos delirantes do mito, príncipe da barbárie. Destes temos aos montes, desde o “influencer” do TikTok até alguns líderes religiosos, dos políticos aos parentes descolados, dos amigos-parceiros aos professores incultos. Triste filão da sociedade.
É perceptível que a maioria deles se fundamenta na mesma quimera fundadora: as redes sociais. O “zapping”, a impaciência e o coletivo trazem atrativos e atratores que combinam com seu estilo de vida: a pressa na resposta (quando é para si) e a dormência intelectual; Tudo deve ser rápido e instantâneo, aguçam sua intuição rasteira e a proposta de ajuda mútua só funciona se for a valor de si, mesmo usando em demasia a palavra empatia e cobrando do seu grupo atitudes empáticas.
O raciocínio lógico, que cobra o avançar em ritmo de passo- a- passo é desprezado e ridicularizado, como se fosse ultrapassado e falacioso, de maneira tal que o emburrecimento se concretize vertiginosamente e os buracos de sensações atinjam homéricos déficits de aproveitamento: a vida louca só entende o que for ansiedade e risco. Estabilidade é coisa do passado remoto e não há motivo para busca-la.
Assim anda nossa juventude e nossos adultos jovens; inconsequentes e frágeis em sua formação como profissional e como homens. Por pior que cobremos da família, que também é produto da mesma anarquia cultural, as opções de escolha são poucas, uma vez que não enxergam a dimensão de suas relações humanas. Tudo é efêmero. Tudo é passageiro. Tudo é fugaz.
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A saúde corporal comprometida (obesidade, expectativa de vida reduzida) e o estado emocional em frangalhos (agressividade, depressão, comportamentos de risco) aliam-se ao desenvolvimento intelectual reduzido (empobrecimento da linguagem, dificuldade de concentração e perda de memória) ocasionando eventos de ansiedade que apenas pioram, com o passar dos tempos. Tudo sempre e bem observado, mas encarado como um estado e não como um traço já delineado.
Triste concluir que a enfermidade sociocultural apenas cresce e que atinge enormes proporções, porque não se busca a raiz: massageia-se a capa da situação, sem que se aprofunde e tente-se extirpar aquilo que corrompe os comportamentos. Precisamos de mais reflexões e análises sobre nosso comportamento e nosso comprometimento conosco e com os outros para podermos traças projetos de mudanças. Para isso, é necessário que não acreditemos nas nossas mentiras que buscamos fazer passar por verdades absolutas.(Ilustração: huffingtonpost.co.uk)
AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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