A VIDA que permanece

vida

A vida sempre se esconde nos pequenos detalhes, nos segundos que se repetem sem que percebamos, nos passos cotidianos que damos em direção ao amanhã, como se o amanhã fosse uma promessa eterna. Crescemos acreditando que viver é colecionar anos, conquistas, histórias, mas quase nunca lembramos que viver é também morrer um pouco, todos os dias. Morremos quando deixamos de ser quem fomos, quando sonhos se desfazem, quando pessoas seguem outros caminhos, quando a infância se despede silenciosa de dentro do peito.

No entanto, esta morte constante não nos assusta. Pelo contrário, faz parte da própria dança da existência. Só ficamos verdadeiramente abalados quando a morte estende sua mão para o corpo, para aquilo que julgamos ser a essência de quem somos. Costumamos esquecer que a vida não cabe apenas na pele. A vida transborda, respira em lugares que não alcançamos com os olhos. Quando alguém parte, o que deixa de existir é somente o corpo.

A presença permanece nas memórias, nos gestos que a pessoa ensinou sem perceber, no sorriso que ainda oferecemos por herança, nos abraços que ficaram guardados na lembrança. Há quem diga que do outro lado existe silêncio. Outros acreditam em reencontros, em música, em luzes que não se apagam. Independente das crenças, a verdade é que a vida não cabe em um caixão. Ela continua de outras maneiras, às vezes mais livres, mais plenas, mais amplas do que conseguimos compreender enquanto estamos presos às obrigações terrenas.

Sentimos saudade de quem foi embora. Esta saudade se instala como uma visita que nunca avisa quando vai chegar. Há dias em que ela se senta conosco à mesa do café e lembra, com uma doçura imensa, de tudo o que vivemos ao lado daqueles que amamos. Em outros dias, ela prefere ser uma tempestade que despenca por dentro, arrancando lágrimas e silêncios que ninguém entende. A saudade é um mistério, porque também sentimos saudade dos vivos, daqueles que caminham ao nosso lado, mas parecerem distantes, envolvidos em suas próprias guerras, incapazes de nos tocar de verdade.

Às vezes, a saudade é real e revela uma ausência que fere. Às vezes, é frágil e quase ilusória, fantasiada de uma presença que nunca existiu por completo. Nem sempre sentimos falta da pessoa, mas do que gostaríamos que ela tivesse sido para nós. A saudade precisa ser avaliada com cuidado. Há saudades que libertam e outras que aprisionam. Algumas são laços de amor que nos lembram do quanto fomos felizes. Outras são correntes que nos mantêm presos a dores antigas, insistindo em reviver partidas que não desejávamos aceitar. A saudade verdadeira ilumina o passado e aquieta o coração. A saudade pouco real inventa histórias que nunca vivemos e nos rouba o presente. O desafio está em reconhecer o que vale a pena guardar em nossa memória, em nossos afetos, em nossos dias. Carregar o peso do que não nos fez bem é morrer antes da hora. Selecionar o que permanece faz parte da arte de viver.

É preciso compreender que a morte não é inimiga da vida. Ela é sua parceira silenciosa, que nos recorda do valor do tempo. Se não houvesse fim, nada teria importância. O limite é o que dá cor aos dias. Cada encontro se torna precioso porque pode ser o último. Cada abraço ganha intensidade porque sabemos, mesmo que inconscientemente, que não há garantias de repetição. Viver como se não houvesse amanhã não é uma expressão vazia. É uma direção. Uma convocação para que sejamos mais presentes, mais atentos, mais verdadeiros com quem amamos e com quem nos ama de volta.

Existem pessoas que passam pela vida com medo da partida: medo de perder, medo de sofrer, medo de dizer adeus. Evitam amar profundamente para não sentir a dor da ausência depois. Contudo, o preço de evitar a dor é alto demais. Quem não arrisca no amor se condena a uma existência morna, sem brilho, sem história. Aceitar a finitude é escolher viver com intensidade. A vida se torna maior quando entendemos que ela não dura para sempre. No instante em que acolhemos que tudo é passageiro, cada segundo se transforma em eternidade.

O tempo não espera. Todos os dias, ele leva embora um pouco de nós. A juventude se desfaz no espelho, as forças mudam de direção, os planos se reinventam, os caminhos se alteram. No entanto, enquanto estivermos aqui, é preciso celebrar. Rir com o corpo inteiro. Amar com a alma aberta. Escolher estar perto de quem desperta o melhor que existe dentro de nós. A existência é curta, mas pode ser imensa se for vivida com alegria. Não se trata de felicidade constante. Isso seria uma ilusão. Trata-se de plenitude, de presença, de entrega. Há beleza até na dor, quando ela revela o quanto fomos verdadeiros em nossos afetos.

A morte física chegará para todos. Não há privilégio nem exceção. Porém, aqueles que aprenderam a viver permanecem para além da própria despedida. Permanecem nos olhos de quem fica e continua, em outro plano ou formato, a caminhar por horizontes que ainda desconhecemos. Somos feitos de matéria que acaba, mas somos também feitos de afeto, que não tem prazo de validade. Permanecerá onde houver lembrança, onde houver amor, onde houver um coração que continue a bater um pouco por nós.

A vida continua do outro lado, dizem muitos. Talvez continue aqui também, dentro de cada um que aprende a reconhecer no ciclo da existência a naturalidade do ir e vir. Se viver é morrer, morrer também é uma forma de continuar vivendo, de transformar a essência em algo ainda mais livre. Quando chegar a hora, que seja apenas uma travessia. Que o último suspiro seja, na verdade, o primeiro de uma nova experiência, tão real quanto esta que chamamos de vida.

VEJA OUTROS ARTIGOS DO PROFESSOR AFONSO MACHADO

ALEGRIA DE VIVER

PROFESSOR INVISÍVEL

GERAÇÃO DE RING LIGHT

Enquanto isso, cabe a nós valorizar o que realmente importa. Amar antes que a saudade se transforme em arrependimento. Dizer o que sentimos enquanto há ouvidos para ouvir e braços para acolher. Estar junto de quem queremos bem, não porque o amanhã está garantido, mas exatamente porque ele pode não estar. A existência merece ser celebrada com toda a alegria e intensidade que couber no peito. Cada instante é uma dádiva. Cada relação é uma semente de eternidade.

Se a vida é breve, que seja profunda. Se a morte é certa, que o amor seja ainda mais. O segredo talvez esteja em viver do jeito que gostaríamos de ser lembrados. No fim das contas, quando a despedida chegar, o que restará será o que oferecemos de amor, de verdade, de presença. Que façamos de nossos dias um legado de ternura. Que sejamos luz no caminho de quem caminha ao nosso lado. A vida é agora. A vida é sempre. A vida continua, mesmo quando a morte acredita que terminou a história.(Foto: Ivan Samkov/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

VEJA TAMBÉM

PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA

ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES