Difícil mensurar, mas uma coisa é certa: se a vida é de uma pessoa LGBTQIA+, nossa sociedade tende a depreciar seu valor. Para alguns, no limite, uma vida assim não vale nada. Dito isso, quero falar da vida e, infelizmente, da morte de Renan Sposito Miossi, um homem gay de 37 anos, cruelmente assassinado em Jundiaí, São Paulo.
Renan(foto) era supervisor de vendas, ficou por mais de 24 horas desaparecido, até que seu corpo foi encontrado em uma casa, já em estado de decomposição. O suspeito do homicídio, Lucas Gonçalo dos Santos, trabalhava como massagista. De posse do carro de Renan, ele confessou o crime e foi preso. Segundo o delegado, os dois se conheciam há cerca de 20 dias e o massagista já havia prestado serviço para Renan. A causa da morte foi estrangulamento.
Se foi um crime de homofobia, não sabemos. Apesar das diversas especulações quanto à motivação do assassinato, somente o desfecho das investigações dirá o que ocorreu de fato. Independente disso, há um aspecto em saúde que gostaria de abordar em relação a essa tragédia. Trata-se dos comportamentos sexuais de risco, os quais grande parte dessa população está submetida.
Diversas pesquisas apontam que pessoas LGBTQIA+, por sofrerem preconceito e discriminação da sociedade, possuem maior probabilidade de tentar o suicídio, de desenvolver transtornos depressivos graves, de uso abusivo de substâncias e de comportamentos sexuais de risco.
Um conceito importante, que ajuda a explicar o fenômeno, é o chamado “Estresse de Minorias”. Nesta perspectiva, a vida das minorias sexuais e de gênero é impactada por três níveis de agentes estressores, que vai do mais externo ao mais interno. No nível mais externo encontram-se as situações e os traumas das violências vividas na prática, sejam elas físicas ou psicológicas. Em um nível intermediário encontram-se o medo e a angústia de sofrer possíveis ataques, mesmo antes de acontecer. A pessoa é tomada por um estado de vigilância constante e frequente, que esgota e adoece. Por fim, no nível mais interno, há o que chamamos de preconceito internalizado, ou seja, a própria pessoa acredita que sua vida tem menos valor por ser LGBTQIA+.
Como disse no início, um homem gay, uma mulher lésbica ou uma pessoa trans tem o valor de sua vida depreciada, hierarquizada, desvalorizada e anulada. É muito frequente nos relatos de pessoas LGBTQIA+, memórias de falas preconceituosas desde muito cedo, começando dentro de casa. Pode ser um pai que alega preferir um filho morto do que um filho gay ou uma mãe que faz cara de nojo ao ver um beijo homoafetivo na novela. Ou ainda uma piada homofóbica do irmão. Depois, na escola e em outros espaços sociais, o discurso que invalida sua vida permanece ativo, vulnerabilizando a pessoa e fazendo-a crer que sua vida vale pouco.
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Como consequência, ocorre o seguinte raciocínio: se a minha vida vale pouco ou quase nada, então por que seguir vivendo? Se minha vida vale pouco ou quase nada, então por que evitaria me entorpecer, me anestesiar e aliviar meu sofrimento? E se minha vida vale pouco ou quase nada, por que iria me preocupar com comportamentos sexuais de risco?
Esta linha de raciocínio ajuda a entender a complexidade da fatalidade, ampliando as variáveis envolvidas. Antes de julgar a vítima, vamos julgar e questionar a nossa própria sociedade. Se um comportamento sexual de risco tirou a vida do nosso querido e admirado amigo, de quem é a culpa? Dele, que não soube se cuidar? Do assassino, que deve ser punido? Ou da sociedade, que segue LGBTfóbica…
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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