Violência contra mulheres: “DDM 24 horas em Jundiaí é necessidade, não é privilégio”, diz procuradora

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A procuradora do Município de Jundiaí, Gabriela Pires Nogueira, participou da 5ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, realizado no final de setembro, em Brasília. Na sessão da Câmara Municipal da última terça-feira(25), Gabriela usou a Tribuna Livre e fez um discurso forte sobre a violência que contra as mulheres que, segundo ela, é tornou-se uma pandemia. “A violência contra a mulher é incansável. A violência contra a mulher tem ódio. A sociedade ainda é extremamente dura, misógina, cruel. A violência contra a mulher é democrática, porque ela atinge a todas. É sarcástica, cruel, intensa e dilacerante com as mulheres mais vulneráveis. Atinge mães, avós, filhas, sobrinhas, tias e leva famílias ao medo, ao estigma”, afirmou ela na ocasião. O Jundiaí Agora conversou com Gabriela:

Antes da conferência nacional, a senhora participou do evento municipal. Hoje, quais os principais problemas enfrentados pelas mulheres de Jundiaí?

Apesar de Jundiaí ser uma cidade com ótimos índices de desenvolvimento, não temos um Delegacia da Mulher que atue 24 horas, por exemplo. Esse serviço, que é de responsabilidade do Governo do Estado, é essencial para atender de forma digna a mulher que procura proteção. Jundiaí é polo de várias cidades vizinhas. Termos um Hospital da mulher, como o CAISM(Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental/Unicamp) e o Hospital da Mulher (antigo Pérola Byington) acrescentaria na qualidade do atendimento aos casos de violência sexual, por exemplo, acompanhamento psicológico posterior e todas as medidas necessárias que um Hospital especializado consegue atender. Também temos um discurso recorrente sobre a necessidade de mais espaços de acolhimento, como as Casas da Mulher Brasileira, um espaço de acolhimento integral e humanizado, o que eu considero pessoalmente, uma necessidade.

A senhora disse, na tribuna livre da Câmara(foto acima), que “a mulher sofre todo tipo de violência todos os dias”. Além da violência verbal e física, as mulheres da cidade sofrem quais tipos de violência?

Todos os tipos: violência moral, institucional, sexual, patrimonial e a digital, essa última um fenômeno que temos observado com a projeção das redes sociais. Os espaços digitais viraram escudos para ofensas, ameaças, stalkers, divulgação de imagens de meninas e mulheres em situações vexatórias, simulações com uso de IA, propagação de ódio em grupos de aplicativos.

Qual a explicação para, em pleno século 21, isto ainda ocorrer?

Temos um modelo social que ainda tolera alguns tipos de violências como uma “brincadeira, coisa de família, caso pessoal”, e um modelo estrutural que ainda é muito machista. Estamos avançando, mas não na mesma velocidade que os crimes virtuais, por exemplo.

Acredita que além dos casos que chegam ao conhecimento da polícia, muitas mulheres acabam não denunciando? se sim, quais as razões para elas se calarem?

Todos os estudiosos e até os órgãos de segurança e políticas públicas são uníssonos quanto à subnotificação. Todas as vezes que uma plataforma séria apresenta estatísticas, sabe-se que os números apresentados não representam os verdadeiros números da violência. As razões são várias: sociais, medo, sensação de impunidade, descrédito no Estado, dependência emocional e financeira. Em algumas famílias a denúncia é vista como uma vergonha, uma exposição e ainda temos um fenômeno muito comum:  algumas mulheres demoram para identificar sua condição de vítima já que muitas vezes estão vivendo a reprodução de violências que viram em suas famílias. Por isso, elas normalizam ofensas, tapas. Existem mulheres que não sabem que relação íntima, mesmo dentro de um relacionamento, se não houver vontade de ambos é crime. Falta ainda diálogos abertos e instrução.

Sobre os casos denunciados: as vítimas têm respostas efetivas dos órgãos de segurança, da Justiça?

De modo geral o Judiciário Brasileiro é visto como moroso, consequentemente em casos de violência doméstica também temos este problema, sobretudo, em casos de feminicídio. O rito processual do Júri é bem específico o que torna a apuração morosa. Em algumas cidades há varas especializadas em violência doméstica, o que auxilia um pouco, mas não é a realidade da maioria das cidades brasileiras. Entre as mulheres, sobretudo, nas discussões entre coletivos e conselhos, a sensação é de que a Justiça tardia favorece a sensação de impunidade.

Na sua visão, a rede de atendimento às vítimas é satisfatória na cidade? O que poderia melhorar? DDM 24 horas? O que mais?

Sempre podemos melhorar. A DDM 24 horas é necessidade, não privilégio. Este ano tivemos uma renovação na Câmara, com mais mulheres. Eu percebi um diálogo mais sensível às pautas femininas, representatividade é importante. Investimento em palestras, convênios com o Estado para grupos de acompanhamento aos agressores após as condenações, também são alternativas que têm mostrado resultados. Aqui em Jundiai temos nossa patrulha Guardiã que é de excelência, mas claro, precisa de mais recursos para atender a demanda que é grande.

O que a senhora, como Procuradora do Município, pode fazer a respeito?

Além de Procuradora do Município sou membra do Conselho da Mulher de Jundiaí, uma das representantes do Executivo; faço parte da Comissão de Direito Constitucional da OAB de Jundiaí. Fui eleita Delegada na Conferência Municipal deste ano e na Estadual, fui para Brasília representar o Município nas discussões das políticas públicas do Governo Federal, procuro sempre estar presente nas discussões sobre a temática. Sempre que posso apoio os movimentos, este ano tive o privilégio de palestrar na Guarda Municipal na Conferência da Patrulha Guardiã, sempre estive e estou à disposição para dialogar, instruir e conduzir meu trabalho dentro e fora da Administração Pública com uma visão de inclusão social e respeito, aprendi que o silencio e a omissão também matam.

O que a Conferência Municipal levou para o evento nacional? Essas propostas foram aceitas?

A Conferência Municipal levou temas abordados e discutidos para a Estadual, que por sua vez fez um filtro para as discussões na Conferência Nacional, em Brasília. Em Brasília tínhamos mulheres de todo o território Nacional e pudemos ver como as realidades são diferentes. Aqui brigamos por uma DDM 24 horas. Em algumas cidades, sobretudo do norte do país, não há hospitais em raio de quilômetros, não há escolas, não há delegacias.

Como uma mulher nesta condição vai proceder para denunciar? Como ela vai chegar até o hospital, até a Delegacia, como ela vai se proteger das possíveis DSTs?

Em alguns lugares isso não vai acontecer, o tempo e a distância também serão algozes destas mulheres. Cada vez que vejo outras realidades vejo a importância dos coletivos e da participação da sociedade, a internet proporcionou essa possibilidade, mas claro, temos que lembrar que há lugares que sequer há acesso à internet.

CONFIRA A PROGRAMAÇÃO DOS 16 DIAS DE ATIVISMO PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

A Prefeitura de Jundiaí deu início à programação dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Qual a importância de eventos assim?

Toda vez que o Poder Público se omite a violência aumenta, o contrário também acontece. Nos lugares em que o Estado não é presente o crime, em geral, domina. O Estado tem papel essencial na condução de políticas sociais, como servidora me sinto representada ao ver o tema discutido, aberto, fomentado. Esse é o papel do Estado, fomentar discussões sociais, acolher, ensinar e principalmente: ouvir.

Não acha que este tipo de evento acaba falando com as vítimas quando, na realidade, deveriam atingir os agressores? Por que não elaborar propostas direcionadas aos homens que agridem mulheres?

Acredito que ambas abordagens são necessárias. O ativismo visa amparar, educar, acolher e propagar a ideia de que aqui o Estado está presente. Mas é claro que os agressores também devem ser contemplados, primeiramente com o rigor da Lei, mas também com grupos de apoio e psicológicos para educação. Penso que o problema são as prioridades. De modo geral sequer temos profissionais suficientes para atender às mulheres, assim, não faria sentido tirar das vítimas para oferecer suporte aos agressores. Acredito que estamos trabalhando uma sociedade melhor, vejo os movimentos sociais cobrando, participando, algumas políticas públicas, maior participação na política, em que pese eu entenda que ainda é pequena, e essas ações são sementes que darão frutos no futuro.

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