Violência Digital: a urgência de um estatuto contra a impunidade

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A era digital, caminho sem volta, com suas promessas de conexão e liberdade de expressão, revelou-se também um novo, perigoso campo de batalha especialmente para mulheres, crianças e adolescentes, minorias, idosos e todos os tipos de grupos vulneráveis. Através de coletivos, grupos de estudos e de mulheres militantes em causas sociais, observo com profunda preocupação a escalada da violência que migrou para o ciberespaço, pois, agora ela tem potencial de instantaneamente atingir incontável número de pessoas.

Seus reflexos são de todo tipo: estelionato sentimental, “vaquinhas” com recursos desviados, terceiros apossando-se de histórias tristes (e da ajuda também), crimes de ódio, assédio e o uso distorcido de tecnologias avançadas, como deepfakes e a inteligência artificial (IA), para constranger e silenciar os mais vulneráveis.

É imperativo que a sociedade e o Estado reconheçam que a violência on-line não é virtual, mas sim “violência real com consequências reais”. Os dados são alarmantes: um relatório recente da ONU Mulheres aponta que 70% das defensoras de direitos humanos, ativistas e jornalistas entrevistadas já enfrentaram violência no ambiente digital no exercício de seu trabalho.

O objetivo primordial desse abuso é envergonhar, amedrontar, descredibilizar, silenciar e afastar as mulheres do debate público; ameaçando a própria liberdade de expressão e a democracia que se faz com pluralidade.

A gravidade se intensifica quando notamos que essa agressão digital frequentemente transborda para o mundo físico: 41% das entrevistadas relataram ter sofrido ataques presenciais vinculados ao abuso on-line, para jornalistas, essa proporção mais do que dobrou desde 2020, atingindo 42% em 2025.

Não bastasse a facilidade da propagação, o uso da IA (tecnologia que deveria ser utilizada como suporte, auxílio, ferramenta de trabalho e estudo) é utilizada para potencializar o dano, pois, a inteligência artificial trouxe um novo tempo, com possibilidades infinitas: imagem, voz, montagens, simulações…tudo o que a serviço de malfeitores é um Shangri-La.

Entre as mulheres entrevistadas neste recente estudo, aproximadamente uma em cada quatro ativistas e jornalistas já sofreram violência on-line assistida por IA, como o uso de deepfakes e conteúdos manipulados. Escritoras e comunicadoras públicas que abordam temas de direitos humanos enfrentam a maior exposição, atingindo 30%. Seguramente pela perversão da punição. Essa modalidade de agressão, baseada em conteúdos falsos ou alterados, visa causar danos psicológicos, morais, descrédito de seus conteúdos e danos à saúde, incitando, inclusive, agressões.

A despeito da gravidade do cenário, o arcabouço legal brasileiro ainda engatinha em relação à proteção destes grupos, considerando o final de 2025, temos um projeto de lei em andamento, originariamente o PL 116/2020 que busca adequar a Lei Maria da Penha para caracterizar, entre outras, a forma de violência eletrônica contra a mulher, em seus diversos meios.

Para os mais jovens, usuários fiéis das plataformas, o país deu um passo crucial e extremamente necessário em 2025, com a criação do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (Lei nº 15.211, de 17 de setembro de 2025). Este estatuto aborda diretamente a proteção em ambientes digitais, tocando em temas críticos como segurança, privacidade e controle parental. Não podemos esquecer que a infância e juventude é um período de descoberta, curiosidade, vulnerabilidade em relação ao “grupo” e tendências; além de um cérebro em formação.

Essa receita transforma a criança e o adolescente em parte tanto ativa quanto passiva dessa preocupação, razão pela qual a supervisão pelos responsáveis, seja diretamente, seja através de aplicativos de controle é imperiosa, o celular pode ter a ação lesiva de uma arma de fogo.

O mito da desresponsabilização das plataformas – As plataformas digitais e as empresas de tecnologia frequentemente buscam se eximir da responsabilidade por conteúdos abusivos, invocando argumentos como a “intimidade”, a “liberdade de expressão” ou a mera ausência de regulação específica. Essa postura ignora o impacto real e desproporcional da violência que facilitam.

É como escolher apenas colher sem plantar, receber apenas os bônus…todos sabemos que nosso rastro digital vale ouro para as plataformas e são vendidas a preços altos, ou você ainda não reparou que só de “pensar” em um produto ele “bomba” na sua tela?? São os famosos cookies, um produto valioso e assertivo criado na era digital.

O exemplo do “ECA digital” demonstra que a legislação já reconhece o papel das plataformas na aplicação de medidas de proteção, controle parental, comprovação de idade e transparência no uso de dados pessoais. Contudo, é necessário ir além, estabelecendo mecanismos de governança e penalidades que inibam a infração e exijam ética digital, se as plataformas lucram, elas devem reverter parte deste lucro em investimentos para a segurança de seus usuários.

A transformação digital impõe um dilema fundamental: a inovação tecnológica não pode ser um pretexto para a impunidade nem para a negação de direitos já conquistados. O desafio que se impõe é garantir que o avanço tecnológico caminhe lado a lado com a proteção dos direitos humanos, mulheres, idosos, minorias, crianças e adolescentes.

A reflexão que proponho é clara: é urgente que o Congresso Nacional avance em uma agenda regulatória que discipline e responsabilize de forma inequívoca as plataformas, exigindo-lhes transparência e o compromisso ético de não lucrar com o ódio e a violação da dignidade humana. Somente assim, o ciberespaço poderá se tornar, de fato, um ambiente seguro e inclusivo para todos.

A violência digital deixa marcas reais e cresce tanto quanto o lucro das plataformas, que fingem não ver o elefante passando. Sejamos vigilantes.(Foto: www.parana.pr.gov.br)

GABRIELA DAYANE PIRES NOGUEIRA

É advogada desde 2013. Atualmente é Procuradora-chefe da Consultoria Jurídica da Prefeitura de Jundiaí. Também é membra da Comissão de Direito Constitucional da OAB Jundiaí e do Executivo do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Foi Delegada eleita pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (6ª Conferência Municipal), representante de Jundiaí na 5ª Conferência Nacional em Brasília, para políticas públicas para mulheres. Está no 9º semestre de Odontologia. Instagram: @gabrielapiresnogueira.adv

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