Não sei como a moça alimentou esperança de Cinderela. Reside, desde que nasceu, nas beiradas da cidade grande e beiradas urbanas não são molduras. Nas extremidades se comprimem miséria, pobreza, desencanto, falta de perspectivas. Acumulam-se, sem planejamento, casas feitas de madeira ou de restos de tijolo e cimento. O ilícito com menor poder, mas ilícito, está exposto em cantos e recantos. E bem cedo, no mundo dos que foram empurrados, meninas e meninos, que não são vistos e protegidos, liberam seus instintos. Quem desconhece limites, entrega-se ao prazer sem freios e se distancia da felicidade. Doloroso!
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A moça nasceu nesse empurra de lá para cá e de cá para lá. Antes dos vinte, vieram os dois filhos. O moço que parecia dar liga com ela não correspondeu às suas expectativas de aconchego. Distanciou-se. Foi a partir da lonjura que ela começou a enumerar os defeitos tantos dele nisso ou naquilo e ignorar os anseios dos seus pequenos. Imaginava que cresceriam como ela: sem horizonte, na emoção gordurosa que não ilumina. E, aí, surgiu o mocinho, ajeitado no corpo e no cabelo e de coração à procura. O garotinho na barriga dela deu suporte para amarrar os dois. Foi nesse juntado que chegou a proposta de casamento. Na perua Tower do amigo, chegaram ao cartório, juntamente com a família da moça, trajados de festa, principalmente ela: vestido branco com cauda e buquê de flores azuis nas mãos. Como não havia corredor, percorreu os espaços do cartório com o coração batendo em ritmo de Cinderela.
Bonito isso: apesar dos ásperos dos caminhos, permitir que os sonhos renasçam. (Ilustração acima: Disney)
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MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE
Com formação em Letras, professora, escreve crônicas, há 40 anos, em diversos meios de comunicação de Jundiaí e, também, em Portugal. Atua junto a populações em situação de vulnerabilidade social.