Meu amor, o que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar; me diz o que você faria.
Ia manter sua agenda de almoço, hora, apatia
ou esperar os seus amigos, na sua sala vazia
Meu amor, o que você faria se só te restasse esse dia?
Sempre me vejo pensando nisso: o que eu faria, se soubesse que era meu último dia? Sei que o imediatismo toma conta de meu tempo, verifico que preciso de um dia com 32 horas; uma semana de 9 dias; um mês de 40 dias e um ano de 15 meses, visto que tudo que temos que fazer ou entregar é para ontem ou anteontem e, que mesmo que estejamos realizando as mesmas coisas de antes, o tempo está mais veloz. Não damos conta de fazer o que fazíamos no mesmo espaço de tempo. E o que você faria?
Mas, enfim, o que faria: correria prum shopping center, andaria e deixaria minhas últimas passadas por lugares onde tanto andei ou arriscaria ir a uma academia, cuidar ainda mais do corpo, para entrega-lo de volta, bem cuidado e amado, sem pensar na vaidade mas na saúde mental? Ou ainda para me esquecer que não dá tempo para o tempo que já se perdia naquele local de hedonismo e mentiras sobre resistência física, anabolizantes e ebulição do Narcisismo?
Se só me restasse este dia e se o mundo fosse acabar, de fato, o que eu realmente faria? Talvez realizaria um dos meus sonhos mais cobiçados que é andar pelado na chuva ou correr no meio da rua, sem as preocupações com os olhares, censuras e vergonhas: seria o último dia e arriscaria a explodir de alegria neste momento. Confesso que entraria de roupa no mar e treparia sem camisinha, pois já era o fim. Seria o último dia.
O mundo lá fora, sempre a rodar estonteantemente e, em cima dele, tudo vale porque a Vida corre com perspectivas do que seja o Amor ou nem tanto: assim é a Vida; pensei no tempo, e era tempo demais, uma vez que tudo acontece neste espectro de duração incontrolável, mas sempre percebo alguém sorrindo para mim (e retribuo, porque sou dos que gostam de carinho. Sou passional demais), aceno, beijo, abraço, acaricio…sou assim, em especial se for o último dia, quero morrer disso: de carinho!!!
Mas, vamos lá, mesmo sendo hipotético, se hoje fosse o último dia, percebo que estou sozinho: ninguém ao meu lado nem escondido de mim. Ainda que saiba que andamos juntos na mesma, atravessando a última madrugada, para ver o sol nascer e, em nossa aurora, perceber, a delícia de viver tudo que a gente sempre quis viver e poder olhar nos olhos de alguém e conseguir dizer: “Estou feliz, fica comigo, namora comigo, viva comigo até o fim. Eu sou seu abrigo e você o meu, nada mais oferece perigo. Fica comigo, vai…namora comigo até o fim”
Loucura! O que eu faria se fosse o último dia? Penso em tantas coisas e nunca dei conta disto…talvez abrisse as portas do hospício, destruiria as delegacias, dinamitaria os ministérios todos, inoperantes e falidos, distribuiria alimentação e roupas aos necessitados, alteraria o trânsito facilitando a Vida de todos e sentaria numa praça, daquelas com pássaros e chafariz e riria. Riria muito porque estaria feliz, bem feliz, plenamente feliz.
Então, vamos insistir: o eu faria se só me restasse esse dia? Se, de fato e verdadeiramente, o mundo fosse acabar o que eu faria? Neste exato momento, aqui no meu canto, sozinho e pensativo, tenho certeza de que faria aquilo que já esboço, em algumas tentativas arrojadas, sem restrições (porque sou audacioso e impertinente), tudo que a gente sempre quis: poder olhar nos olhos de alguém e falar de emoções.
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E, então, eu veria você sumir por aí, apesar de haver avisado que a cidade era um vão. Pegaria sua mão, olharia para você, sorriria, pediria que você olhasse para mim (sou muito visual e gosto disto). Os letreiros da cidade a nos colorir, embaraçam as imagens que vagam pelas ruas desertas. Flanamos livremente, comemorando os últimos instantes do último dia; as vitrines nos refletirão, as luzes serão flashes que ampliarão nossas silhuetas, nossas sombras a se multiplicarem.
No fundo, no fundo, a alegria só aumenta porque optamos por gastar os últimos instantes com tenacidade e coragem. A coragem com que enfrentamos nossas perdas, que foram doloridas e muitas; aquela que aprendemos a cultivar vendo as pessoas nos trocando por outras, as chefias nos ‘coisificando’, os médicos nos ‘medicalizando’ e as emoções nos permitindo dizer em alto e bom tom, com muita coragem e força: estou feliz.(Foto: Adam Borkowski/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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