A Justiça e o YAKULT

3 anos atrás

Por dois anos fui Juiz em Casa Branca, onde julguei meus primeiros casos. Foram muitos e impactantes, como este. Sentou-se à minha frente uma moça que, apesar de moça, carregava as marcas da miséria e da tristeza. Estava ali porque havia furtado um Yakult.

Foi pega saindo do supermercado, encaminhada a uma Delegacia de Polícia e então levada a julgamento. Até então, nunca havia tido qualquer mácula, e isso me chamava a atenção. “Mas por quê? Por que uma pessoa que claramente não é bandida foi pegar um Yakult?”, perguntei.

De evidente, só se via que ela não podia pagar pelo Yakult. “Mas ainda assim, por que arriscar a reputação por um Yakult?”, questionei. Ela então me respondeu uma resposta que ainda me dói: “Porque eu queria saber qual o gosto”.

Ela foi absolvida e eu percebi algo. Jamais poderia julgar ninguém. Não senti a fome que ela sentiu nem passei pelas privações pelas quais ela passou. Não posso, por isso – eu simplesmente não tenho como –, dizer que aquele Yakult faz dela uma pessoa ruim. E não faz, claro que não faz.

Juízes julgam fatos, não pessoas. E fatos, para serem julgados, devem ter relevância para a sociedade. O Yakult não tem. E isso deveria valer para tudo e para todos.

Hoje todos julgam todos por tudo. Você é isso, você é aquilo, lulista, esquerdista, Bolsonaro, direitista, isentão, marxista, muito duro ou garantista. E por isso não te gosto, eu te julgo e te condeno, te excluo e te cancelo, ainda que você só exista! Como se alguém pudesse julgar alguém.

Não sabemos a fome que sua alma sente nem o gosto que sua vida tem. Julgar a miséria alheia só revela a miséria daquele que julga. É condenar a moça pobre pelo gosto do Yakult.(Foto: ww.areahumana.es)