Na formação histórica do Brasil, a exploração ambiental sempre foi e ainda o é, atividade intensa em detrimento dos bens e recursos ambientais pátrios. Daqui foram levadas volumosas quantidades de matérias primas de ordem vegetal, mineral, animal, enfim, tudo o que poderia representar divisas importantes para o nosso desenvolvimento socioeconômico, cultural, político, entre outros tantos benefícios. Riquezas foram surrupiadas ao longo da história. Essa famigerada situação continua e de forma mais arrojada. Surge uma moderna forma de exploração de nossas riquezas,que sendo invisível, parece não existir, mas está a todo vapor. Popularmente chamada de biopirataria, trata-se de atividade que provoca prejuízos significativos ao país, não pela quantidade de material explorado, mas pela qualidade e importância do que é rapinado,por ser coisa endêmica que existe e integra complexos ecossistemas brasileiros. Um componente ou substância química que ocorra somente num tipo de sapo brasileiro, pode ser facilmente enviada para laboratórios no exterior e patenteada conforme interesses alheios. Vale lembrar que essa situação não é considerada crime contra o meio ambiente, somente mera infração administrativa ambiental. Ainda hoje é difícil impedir a exploração ilegal de madeira na Região Norte, mais difícil ainda, é combater a biopirataria, pois tratando-se de substâncias genéticas de origem animal, vegetal ou outro tipo, essas podem ser retiradas do país com certa facilidade. Através de registros e dados estatísticos, pode-se saber quantos veículos furtados ou roubados são encaminhados ilegalmente ao Paraguai, mas é impossível saber a quantidade e muito menos a qualidade de patrimônio genético retirado de forma ilegal do país. A atividade descrita como biopirataria, nada mais é do que um ataque invisível ao patrimônio genético brasileiro.


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A biopirataria, conforme definição encontrada na enciclopédia livre Wikipédia, é considerada uma atividade de exploração, manipulação, exportação ou comercialização internacional de recursos biológicos que constam nas normas da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, em 1992, realizada na cidade do Rio de Janeiro, quando da ECO-92. Em outras palavras, biopirataria é a prática de condutas individuais ou de instituições, voltadas a apropriação de conhecimentos e de recursos genéticos que pertençam às comunidades de agricultores e de indígenas, objetivando obter controle ilegal exclusivo do monopólio sobre eles. O produto nacional identificado e coletado em território brasileiro é levado e patenteado lá fora, desprezando-se sua origem nacional.A fruta da espécie vegetal arbustiva monocotiledônea nativa, mais encontrada na região Amazônica, conhecida por açaí (fruta que chora no termo tupi), foi levada e patenteada no Japão, desde 2003, situação que só foi revertida em 2007, através de ações do governo brasileiro reivindicando a origem e os benefícios da fruta. A norma brasileira protege o produto ou substância genética de natureza animal, vegetal, mineral ou outra, encontrada em qualquer lugar do território nacional, inclusive nas áreas que compreendem a plataforma continental, o mar territorial e a zona econômica exclusiva. Cada uma dessas áreas é identificada e definida por suas respectivas leis e regulamentos de exploração. Assim, a conduta de coletar e levar para fora do país, componente genético encontrado na carapaça do molusco endêmico do fundo abissal brasileiro, sem obedecer ao regramento normativo, configura a biopirataria. A questão é como fiscalizar essa situação que, além de ser invisível aos olhos, não prevê imputação criminal a eventual infrator. A Lei nº 11.105 de 24 de março de 2005, chamada de Lei de Biossegurança, que regulamenta atividades relacionadas a organismos geneticamente modificados – OGM, não se aplica ao patrimônio genético nem ao conhecimento tradicional associado, mas pode servir de parâmetro para criação de norma específica criminal para regular o tema biopirataria. Já a Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996, chamada Lei de Patentes, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, até prevê situação de crimes em algumas situações de descumprimento de regras ali estabelecidas, porém não menciona diretamente a proteção de patrimônio genético. A Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre crimes ambientais, também não tipificou a biopirataria como crime, nem como infração administrativa.

Finalmente, situações envolvendo o patrimônio genético brasileiro e o conhecimento tradicional associado, passam a ser regulamentadas pela Lei nº 13.123 de 20 de maio de 2015, dispondo sobre temas tratados na Convenção sobre Diversidade Biológica. A lei dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, bem como à proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e ainda, sobre faz menção quanto a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Essas questões eram tratadas na Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que foi revogada por essa lei. Ao contrário das expectativas de defensores do meio ambiente e alguns órgãos de fiscalização ambiental, a lei não criminalizou atividades que representam prejuízos e danos ao patrimônio genético brasileiro, nem aos conhecimentos tradicionais associados de algumas populações do país. A lei trata somente sobre bens, direitos e obrigações relacionados ao patrimônio genético, o qual é definido como sendo uma informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, como no caso de substâncias oriundas do metabolismo destes seres animais ou vegetais. Situação factual da norma é a distinção entre conhecimento tradicional associado que vincule uma população indígena ou mesmo uma comunidade ou agricultor tradicional e aquele conhecimento que apesar de existir de fato, não se sabe a quem vincula. Ainda assim, esse conhecimento é protegido. A lei cria o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGen, que fica responsável pela coordenação e implementação de políticas para gestão do patrimônio genético. Através desse órgão será possível, mais à frente, saber quanto o país já perdeu de valores genéticos genuinamente brasileiros. Quanto ao descumprimento de regras estabelecidas, a norma prevê somente tratar-se de infração administrativa ambiental a ser apurada em procedimento administrativo que ainda será estruturado quando da regulamentação da norma. Da tramitação até a publicação da lei, houve um lapso temporal de mais de dez anos e se a sua regulamentação seguir o mesmo tempo, certamente perderemos muito mais do nosso patrimônio genético.

O procedimento administrativo eventualmente instaurado, atenderá o princípio da ampla defesa e do contraditório. Poderá resultar na imputação de sanções progressivas, conforme a gravidade do ato, iniciando com advertência, multa, apreensões de material e instrumentos, suspensão temporária de atividade, embargo, interdição, suspensão de atestado ou de autorização e por fim, até o cancelamento desses documentos de licença. As multas variam de R$ 1 mil até R$ 100 mil para infrator pessoa natural e de R$ 10 mil até 10 milhões, se praticada por pessoa jurídica. A competência de atuação é somente dos órgãos federais, a quem cabe fiscalizar, interceptar e apreender amostras que contém patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, oriundo de produtos ou de material reprodutivo, havendo descumprimento de regras estabelecidas. Ainda que a repercussão da biopirataria atinja valores e interesses pátrios, de soberania, não haveria nenhum problema se essa competência fosse repartida com demais entes federados. Os órgãos estaduais e municipais ambientais, já estruturados e em funcionamento, representam importante ferramenta nessa fiscalização. Nesse sentido, confirma a nossa Constituição Federal que proteger e defender o meio ambiente é dever poder público e da própria coletividade, preservando-o para as presentes e futuras gerações.


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Focando nosso quintal, a Serra do Japi recebe inúmeros pesquisadores já de longa data, inclusive estrangeiros, devidamente credenciados e autorizados pela prefeitura. Ainda que a atuação desses pesquisadores esteja conforme, espera-se, vale questionar se realmente o objeto de pesquisa não tem alguma relação com o patrimônio genético da rica fauna e flora do Japi, sem falar nos recursos hídricos e de solo, entre outros, que poderiam estar sendo explorados e enviados a outros países de forma ilegal, para outros interesses. Sabe-se de relato que há alguns anos, um pesquisador japonês foi encontrado por guardas municipais no interior da Reserva Biológica no Japi, coletando material do caule de uma espécie arbustiva (não era palmeira), sendo que ao avistar os agentes, teria ficado muito desnorteado na sua atividade, o que levantou certa suspeita por parte daqueles. Não restou apurado se o desespero do pesquisador japonês foi em razão da inesperada fiscalização ou da impossibilidade de diálogo entre eles em razão da língua ou se havia realmente algo a esconder dos patrulheiros. Até porque, a essas alturas, eventual substância extraída já estaria na condição de produto acabado e patenteado naquele país, como foi o caso do açaí brasileiro. Esperamos que não, pois se assim fosse, seria mais um ataque invisível ao nosso patrimônio genético, que neste caso seria contra a nossa dileta Serra do Japi. (foto acima: EBC)

 

BIOPIRATARIAJOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.