A importância de preservar a história LGBTQIA+

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A região interiorana onde moramos é repleta de histórias e, graças a fotógrafos, autores, historiadores, jornalistas e outros profissionais, conseguimos mantê-las vivas. O Jundiaí Agora mesmo tem uma aba dedicada a história da cidade – o ‘Jundiaí de Antigamente’ -, onde revive documentos e ocasiões de outrora.

É importante para que possamos entender quem somos no presente, precisamos revisitar documentos do passado e ouvir pessoas que viveram outras épocas. Embora documentos sejam fontes mais confiáveis, nem sempre eles existem, o que nos leva, muitas vezes, a depender das memórias de quem esteve mais próximo dos acontecimentos. Contudo, não podemos confiar cegamente na memória humana, que é falha. Ainda assim, para muitas histórias, especialmente aquelas relacionadas a grupos marginalizados, esse é o único caminho para acessar fragmentos de vivências esquecidas.

Não sou natural desta cidade, nem deste estado, mas aqui é onde escolhi chamar de lar. Por isso, me importa profundamente o que já aconteceu neste lugar. Preciso compreender como a região se tornou o que é hoje e também entender a vida dos meus amigos e as motivações que cada um carrega. Pode parecer um grande devaneio, mas certas sensações e comentários que ouço no dia a dia aqui só fazem sentido quando investigo o passado. O problema é que, ao pensar nos meus semelhantes, não encontro grandes registros documentais.

Quando cheguei a Jundiaí, quis saber não apenas o que acontecia na época, mas também mergulhar na história da cidade. “Como deve ter sido crescer LGBTQIA+ em uma cidade assim?”, me perguntava. Meu primeiro lugar de pesquisa, um tanto informal, foi o fumódromo de um bar. O que ouvi de jovens adultos sobre o passado era marcado por nostalgia e saudade de festas e casas noturnas que não existiam mais. Entre comentários, alguns especulavam que esses espaços foram fechados por atenderem a um público específico que, segundo eles, Jundiaí nunca aceitou bem. Foi nesse contexto que conheci também pessoas mais velhas, que me levaram a um tempo ainda mais distante, compartilhando histórias sobre como era ser uma pessoa diversa nos anos 70, 80 e 90.

Essas conversas me transportaram para lugares e situações, mas apenas através da oralidade. Nosso país, historicamente LGBTfóbico, não permitiu, em nenhum momento, que pessoas diversas fossem devidamente apresentadas nos registros. São raros os exemplos em obras literárias, pinturas, jornais, e, em uma cidade interiorana, a escassez é ainda mais gritante. Isso não significa que no passado havia menos pessoas LGBTQIA+. Elas sempre existiram, mas eram forçadas ao silenciamento, inclusive na mídia. Ainda hoje, a resistência de veículos regionais em representar figuras que fogem do padrão é evidente.

Esse incômodo por não haver, logo busca por representação não é recente e não é só minha. Destaco com admiração o projeto “Centro de História Oral e Memória Social LGBT de Jundiaí”, criado em 2018 para formar um banco de dados virtual sobre a história da comunidade na cidade. Menciono também, com muito carinho, o livro Lacração, de Bella Tozini, que usou a fotografia para representar figuras LGBTQIA+ em Jundiaí na década de 2010. Acredito que os criadores desses projetos compartilham o desconforto de saber que, além de nós mesmos, poucos parecem ter se interessado em perpetuar nossa história.

A luta continua. Hoje, artistas e outros profissionais dão o melhor de si para que as próximas gerações de pessoas LGBTQIA+ não precisem enfrentar o mesmo apagamento da história. Poetas registram nosso cotidiano, fotógrafos documentam o que podem, pintores retratam nossa vida com cores vibrantes, criando um arquivo rico de histórias que nunca tivemos muito a oportunidade de ler sobre os nossos. Estamos construindo o presente para que o futuro possa encontrar inspiração e encontrar mais facilidade ao começar de algum lugar.

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Durante este ano, registrei com meu celular a forma como as pessoas se vestem em festas LGBTQIA+ em Jundiaí. Entre peças customizadas, correntes prateadas e posturas cheias de orgulho, encontrei em fotos de resolução questionável o reflexo de quem aquelas pessoas são. Essa documentação, ainda que amadora, é uma forma de manter viva a essência de uma comunidade que insiste em existir e se expressar.

Para o próximo ano pretendo continuar esse projeto embora ainda não saiba exatamente onde ele vai me levar. O que espero é que nossa história hoje seja registrada de forma consistente, através de nossos olhares, e o tempo todo. Esta coluna também é parte desse movimento. Precisamos ocupar os espaços que conquistamos com tanta dificuldade e garantir que, em cada nicho, nossa memória seja preservada.(Foto: Anna Clara Bueno)

ANNA CLARA BUENO

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