Se a Câmara Municipal é a representação fidedigna da população de uma cidade, a sessão de ontem à noite mostrou que o jundiaiense – pelo menos a parcela presente – é incapaz de lidar com a democracia em seus momentos mais tensos. E eles ocorrem com frequência. Dois projetos polêmicos – Escola Sem Partido e Ideologia de Gênero – lotaram o plenário e dividiram de forma cega e surda, a opinião de quem acompanhava os trabalhos dos vereadores. E pouco importa se foram aprovados (o que acabou acontecendo) ou rejeitados. Isto faz parte do jogo que sim, é cheio de conchavos e artimanhas. Partindo-se do princípio que na democracia é preciso respeitar o direito do outro e que a Câmara é, por si só, uma das fontes da liberdade do cidadão, o Legislativo se transformou num circo dos horrores por mais 2h30.
O que aconteceu ontem na Câmara é inconcebível para um país que pretende ser de primeiro mundo. Ocorreu no principal estado da União, numa cidade que tem a quinta maior economia de São Paulo. E o pior: a sessão da Câmara precisou contar com a presença maciça de guardas municipais para evitar enfrentamentos entre os que apoiavam e os que rejeitavam as propostas. O clima era tão tenso que as “torcidas” tiveram de ser separadas. No meio, um muro de GMs para evitar possíveis brigas (foto principal). Isto não foi o suficiente para que as manifestações ficassem dentro do tolerável para ambos os lados. Quem se inscreveu para falar na tribuna enfrentou uma turba enlouquecida pelas palavras que não iam ao encontro de seus próprios pontos de vista.
A proposta de Marcelo Gastaldo, que proíbe a adoção de políticas de ensino que tendam a aplicar a Ideologia de Gênero foi aprovada em primeiro turno. Antes, professores que chegaram a discursar pediram para que o projeto fosse analisado numa audiência pública. A fuzarca foi tanta que o presidente da Casa, vereador Gustavo Martinelli, teve de ameaçar chamar os guardas municipais para que que os que iam falar na tribuna continuassem a se manifestar. O silêncio vinha por alguns segundos. Depois, a gritaria recomeçava. E o mesmo aconteceu com quem se mostrava favorável à proposta. Em sessão extraordinária, o projeto foi aprovado em segundo turno.
ENTENDA A POLÊMICA SOBRE OS DOIS PROJETOS POLÊMICOS
Pior ainda é ouvir os representantes da população, eleitos democraticamente, citarem Karl Marx, comunismo e disciplinas escolares implantadas pelo regime militar. Tudo isto dava mais lenha para que o forno de uma ou outra ala, no plenário, gritasse coisas do tipo “não vai ter golpe”, “minha bandeira não é vermelha”, expressões que foram usadas em um contexto completamente diferente.
Aprovados os projetos, quem estava do lado dos vencedores da noite passou a cantar o Hino Nacional. Joaquim Osório Duque Estrada e Francisco Manuel da Silva, os autores, devem ter se revirado nos túmulos. Encerrado o hino, os mesmos passaram a gritar “queremos Bolsonaro para presidente”.
Voltando à democracia, é preciso respeitar a opinião do outro e aceitar os resultados das urnas. Não é preciso concordar. Mas é preciso respeitar quem quer ressuscitar uma matéria criada para – conforme pesquisadores – transmitir a ideologia do regime autoritário ao exaltar o nacionalismo e o civismo dos alunos e privilegiar o ensino de informações factuais em detrimento da reflexão e da análise.
Indo mais fundo, também é preciso respeitar quem ache que a vida com os militares era melhor. Ou até mesmo quem pretende votar em Bolsonaro para presidente. Também devemos respeitar quem não concorda com o programa Escola sem Partido sem que estas pessoas sejam ofendidas ou apontadas como seres que querem corromper nossos filhos. O mesmo se aplica para os defensores da Ideologia de Gênero que, depois da sessão de ontem, não ficou claro se existe ou não.
O que não pode acontecer é que as pessoas se tranquem dentro das certezas de seus mundos e não se permitam ouvir o que o outro tem a dizer. E se não concordar, respeitar as ideias contrárias as suas. (fotos do Motoboy Xororó)