Na semana passada, houve de uma breve reunião do presidente da República com ministros e secretários voltados a área de defesa e de segurança pública. Logo em seguida, tais autoridades promoveram uma coletiva de imprensa, para apresentação das medidas que que devem adotadas pelo governo na área de segurança pública. A fala inicial das autoridades foi no sentido de que não haveria estardalhaços nem pirotecnia política nas ações, muito menos na apresentação do que fora planejado. O discurso até pode convencer o leigo, mas a forma artificial como foi explanado, deixa muitas dúvidas da sua real eficácia no combate ao crime. A falta de argumentos e sequência de raciocínio lógico na explanação dos detalhes do tal plano, que aliás está sendo materializado em Estados da Região Sul mais pareceu propaganda enganosa. Não precisa ser especialista na área de segurança, para perceber na fala dos interlocutores, deslavada bravata num assunto tão sério quanto o é a segurança pública nesse país. Restou duvidosa a veracidade do objetivo buscado. Ora o problema era transferido para os Estados e municípios, ora diziam que seria feito o possível para debelar a sensação de insegurança que se alastra pelo país, principalmente em algumas cidades, como no Rio de Janeiro, enfim, nada de mais concreto que realmente possa representar efetividade no combate ao crime organizado. Apesar do plano contemplar metas e prazos para atingir resultados, o que é essencial, os ministros se recusaram a debatê-las na explanação. Só isso sugere a propaganda política delineando as ações do governo. É sabido que não se materializa nenhuma ação se não houver recursos financeiros suficientes para despesas. Não houve preocupação e seriedade em apresentar dados concretos sobre o plano, como itens básicos, como fases do planejamento elaborado, quais e quantos os atores envolvidos, onde buscar verbas, prazos de execução, avaliação e análise de resultados, entre outras previsões que necessariamente devem conter um planejamento tão importante quanto o da área da segurança pública. A sensação que ficou após a explanação é que o tal do plano nacional de segurança pública é que de tão utópico e insubsistente, certamente o crime organizado agradece, tamanho o descompasso daquilo que foi publicado e o que realmente pode ser feito de concreto. Do outro lado da ineficácia do poder público em implantar uma política de segurança pública séria e eficiente, o crime tem se organizado e hoje atinge todo o território nacional e até internacional. Os índices de crimes violentos no país tem aumentado, contrariando o discurso político.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), publicou semana passada, o Atlas da Violência 2017, relatando os números de homicídios registrados nos primeiros meses desse ano em comparação com outros anos, a partir de 2005 até 2015. Os dados coletados demonstram a realidade da (in) segurança no Brasil, restando comprovado que a adoção somente de medidas pontuais e desconexas de combate a violência não são ferramentas adequadas na busca de solução duradora plausível para o problema. O relatório avançou na apresentação de indicadores de violência, pois que procurou trazer situações antes desconsideradas, como o modelo estatístico adotado por órgãos públicos no registro de mortes, bem como a incidência do crime conforme variáveis geográficas, densidade demográfica e até alterações típicas em determinadas áreas do país. Nesse sentido, foram trabalhados indicadores por municípios com população acima de 100 mil habitantes. Considerou-se a flutuação da economia e o valor da renda per capita (PIB), conforme a região pesquisada. Outro dado importante considerado, foi a obtenção da média entre duas fontes distintas, quanto ao registro de mortes. Aquelas mortes registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde e outro sistema adotado por alguns Estados, chamado de registro de Mortes Violentas com Causa Indeterminada (MVCI). É importante fazer essa distinção de fontes, pois uma morte que tenha causa indeterminada no seu registro inicial na polícia, pode na verdade tratar-se de um homicídio doloso, quando depois é devidamente esclarecida a causa mortis. Outro fator considerado no relatório, diz respeito a faixa etária das vítimas, bem como situação de raça e sexo. Os números obtidos propiciaram uma visão mais nítida quanto a evolução do crime, bem como a sua diminuição, conforme o caso. Esse caótico quadro de insegurança encontrado em todos os cantos do país é que se pretende combater com a implantação do tal Plano Nacional de Segurança Pública.
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Segundo consta no plano, pretende-se implantar e integrar sistemas de videomonitoramento entre Estados e Municípios, com participação das agências de segurança existentes. Realmente seria muito interessante conseguir implantar essas medidas, a exemplo do que já ocorre em algumas cidades norte americanas, onde os sistemas de monitoramento são integrados, possibilitando que cada um dos órgãos públicos de segurança tenham acesso aos dados coletados pelos diferentes sistemas existentes. A ideia parece perfeita e pode funcionar, desde que suplantados alguns óbices. O custo da implantação dessa tecnologia é muito alto e ao contrário do que acontece por lá, por aqui, até hoje, não se decidiu quem paga a conta, se é a União, o Estado ou o município. A União não investe diretamente em sistemas tecnológicos instalados no municípios. Pode até destinar verbas através de programas federais, o que depende de normatização, mas não pode interferir diretamente na administração dos municípios, conforme “Pacto Federativo”. Os Estados, da mesma forma, atuam em relação aos seus órgãos, no caso as polícias e demais órgãos vinculados, mas não diretamente no território municipal, pois que foge-lhe a competência legal. Os Estados podem atuar nas rodovias estaduais que cruzam os municípios. Já os municípios, não têm previsão de verbas para custear ações relativas à segurança pública, pois que não têm competência legal para tanto. Quando muito, aos municípios é facultado a criação de Guardas Municipais, para atuação de forma específica na fiscalização e proteção dos bens, serviços e instalações do município, como forma de prevenção primária da violência e da criminalidade.
É certo que podem ser firmados convênios de parcerias entre os entes públicos, nas três esferas de poder, porém a experiência tem demonstrado que é nesse momento que ocorrem os desencontros, principalmente por falta de vontade política e a própria burocracia existente. A atuação das Guardas Municipais pode contribuir e muito para os objetivos de melhorar a segurança pública nos municípios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2012, foi contabilizado a existência de quase mil corporações de guardas municipais, dessas somente algumas têm condições de implantar sistema de monitoramento que seja eficaz no seu território. Os altos custos da tecnologia e a qualidade dos equipamentos, bem como do sistema de transmissão de dados (fibra ótica), representam dificuldade dos municípios em avançar nessa questão. O plano nacional de segurança pública não contempla diretamente a atuação dessas valorosas instituições de segurança pública municipais, que se aprimoram a cada dia, produzindo importantes resultados no combate ao crime. Como exemplo de resultado, na região de Jundiaí, a partir de 2012, foi iniciado e aprimorado um sistema de inteligência integrada vinculando 18 municípios até 2016, interligando mais de oitocentas câmeras de monitoramento inteligente através da tecnologia Optical Character Recognition (OCR), com leitura alfanumérica de caracteres. As informações obtidas através desse sistema (Sentry), são disponibilizadas em tempo real entre os municípios que detém essa tecnologia, podendo ainda ser enviados esses dados obtidos, aos órgãos de segurança pública, mediante solicitações, sempre que necessário. Após crescente número de resultados positivos em prol da segurança pública nos municípios, a ideia era compartilhá-lo com o Estado, de forma que as informações fossem aproveitadas entre os diferentes órgãos, refletindo no aprimoramento dos resultados. Simplesmente tal pretensão benéfica ao combate à criminalidade, não andou.
A integração entre o monitoramento inteligente da área urbana da cidade com as câmeras de monitoramento das rodovias, possibilitariam obter maiores e melhores informações sobre a movimentação nas atividades criminosas, como o roubo de carga e outros crimes graves. As praças de pedágio espalhadas pela malha rodoviária, que já contam com sistemas de monitoramento e radares, poderiam integrar os sistemas de rastreamento dos Municípios e dos Estados, potencializando a coleta de dados de interesse no combate ao crime. O sistema implantado entre os municípios na região de Jundiaí e de Campinas, guarda certa identidade com o Sistema Alerta Brasil, que está sendo implantado pela Polícia Rodoviária Federal no norte do país. A diferença entre os sistemas reside somente no tamanho da área abrangida, enquanto aquele pode atingir todas as rodovias do Estado, por aqui ele atende somente as áreas dos municípios que estão integrados ao sistema. A tecnologia empregada (Sentry) é a mesma do sistema da Polícia Rodoviária Federal. Infelizmente, por uma série que questões (custos, tecnologias diferentes, confidencialidade, vontade política, etc.), a intenção de integrar os sistemas além dos municípios, não prosperou e é mais ou menos isso que se pretende fazer na implantação do plano de segurança. Será? Quanto ao compartilhamento de dados de inteligência decorrentes de operações conjuntas, essa medida até pode representar algum grau de utilidade para elaboração de futuras estratégias de combate à criminalidade, mas se torna inócua se consideradas as diferentes áreas de atuação e competência de cada órgão público de segurança.
A confidencialidade necessária das informações obtidas nessas operações, para fins de inteligência policial, não podem ser compartilhadas.Nesse sentido, basta uma rápida consulta ao conjunto de normas que disciplinam o assunto, como a Lei nº 9.883 de 7 de dezembro de 1999, que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, bem como o Decreto nº 8.793 de 29 de junho de 2016, que trata da Política Nacional de Inteligência. Certamente essas leis não foram consideradas, quando da elaboração do plano de segurança ou se foram, faltou conhecimento ou seriedade na sua contextualização.
Vale lembrar que o Programa Nacional Segurança Pública e Cidadania, criado em 2006 e regulamentado pela Lei nº 11.530 de 24 de outubro de 2007, já traz em seu conteúdo importantes ferramentas para articulações de segurança pública, para a prevenir, controlar e reprimir ações de criminalidade, além de estabelecer políticas sociais e ações de proteção às vítimas em geral. Apesar de alguns programas estabelecidos pelo PRONASCI já estarem sendo executados em alguns Estados e Municípios, não foi sequer mencionado no mirabolante plano de segurança nacional. Dessa forma, consideradas todas as complexas pretensas ações do plano de segurança, demonstra a distância e a dificuldade para sua efetivação. De outra sorte, sabe-se que hoje o crime organizado consegue obter prévia informação privilegiada das operações policiais, simplesmente “comprando” a fonte, pois que tem estrutura organizacional, seja de pessoal, de material, de dinheiro, enfim, condições de se alastrar perigosamente em todo o território brasileiro.
O plano de segurança também faz algumas referências dentro do controle de infrações administrativas, prevendo a criação de fluxo constante de comunicação entre órgãos de segurança pública estaduais e municipais, para agilizar ações nessa área, no caso as Guardas Municipais. Prevê ainda a identificação de locais onde ocorram desordens de natureza física e social, verificação de veículos abandonados em via pública e a fiscalização de estabelecimentos quanto a indiscriminada de bebida alcoólica. Realmente são medidas de atribuição e competência dos municípios, fiscalizadas através do poder de polícia administrativo municipal, que podem ser compartilhadas com as Policias Civis e Militares. Para sacramentar essa previsão do plano, bastaria atentar para a regulamentação da Lei nº 13.022 de 8 de agosto de 2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, pois que ainda prevalece polêmica na legalidade de atuação dessas instituições municipais, por força de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn, impetrada junto ao Supremo Tribunal Federal, pela Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais, questionando a constitucionalidade da referida norma, quanto a legalidade de atuação das Guardas Municipais.
No item que cuida de ações e operações, o plano faz menção a criação de grupo de trabalho composto por corregedores da Polícia Civil, junto à Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, para elaborar documento visando a uniformização dos procedimentos de polícia judiciária. Não se sabe se por desconhecimento da lei ou por qualquer outra infundada razão ou intenção, mas é correto afirmar que as medidas de polícia judiciária à cargo da autoridade policial, já são legalmente balizadas pelo que consta do conjunto normativo em vigor e alterar esse regramento é no mínimo afrontar o que manda a Constituição Federal. Na contrapartida, porém, não se vislumbra no mesmo item, elaboração de qualquer tipo de procedimento padrão de ações de polícia ostensiva, que resguarde a dignidade da pessoa humana, bem como os próprios direitos humanos, atingidos pelos excessos praticados em algumas ações repressivas dessas corporações militares.
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Apesar da insistência dos jornalistas presentes na coletiva de imprensa, quando da apresentação do plano, as autoridades presentes não quiseram falar sobre metas estabelecidas, sob alegação de que o interesse maior seriam os resultados. De qualquer forma o plano traz algumas metas, como a redução anual em 7,5% nos homicídios dolosos em 2017 nos municípios já abrangidos pelo plano e a mesma porcentagem nas capitais e cidades limítrofes, até 2018. Conforme dados do Atlas da Violência acima registrado, não são esses os resultados obtidos até agora. Quanto ao Sistema Penitenciário, a meta é obter informações completas de detalhadas em tempo real, sobre a situação dos presídios brasileiros, até dezembro de 2017. Buscar a redução de 15% até 2018, da superlotação nos presídios. Aumentar em 10%, até final de 2017 e 15% até 2018, a apreensão de armas e drogas. Essa meta é um tanto quanto contraditória, pois que aumentar o número de apreensões de armas e drogas, significa que realmente há mais armas e drogas à disposição do crime. O correto seria que aumentar as ações de segurança essas devem diminuir proporcionalmente a ocorrência de crimes e não aumentá-los, ainda que através de previsão. Enfim, é o que está previsto no fantasioso plano de segurança nacional.
Para o bem estar social, seria realmente importante que os resultados pretendidos pelo plano nacional de segurança fossem verdadeiramente atingidos ou pelo menos que produzisse algum resultado expressivo nessa calamitosa área. Quando se constata que uma política nacional de segurança pública, não contempla ferramentas imprescindíveis à sua concretude, em que pese sua complexidade de fatores, só revela a falta de vontade política para tratar de uma das demandas mais expressivas da população, que é ter um mínimo de segurança pública no seu cotidiano, refletindo na qualidade de vida de todos. Enquanto o Estado falha no seu dever de proporcionar segurança às pessoas, o crime organizado se estrutura e até agradece essa incompetência e falta de vontade política dos governantes. (foto acima: Youtube)
JOSÉ ROBERTO FERRAZ
Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.