O psicólogo americano Abraham Harold Maslow, foi idealizador da proposta Hierarquia de Necessidades, mais conhecida como Pirâmide de Maslow, estabelecendo cinco necessidades hierarquizadas e prioritárias para obtenção da autorrealização das pessoas. Na base da pirâmide ficam as necessidades fisiológicas, depois as necessidades de segurança, seguidas das sociais e por último a necessidade da autoestima. Tudo isso somado, resultaria no sucesso pessoal buscado e desejado. A teoria sofreu várias críticas, mas permaneceu como uma forma de roteiro para obtenção de resultados, inclusive aplicada no setor administrativo e produtivo. Conhecer etapas para atingir metas pode ser o caminho para solução de problemas complexos, como é o caso da segurança pública no país. Adaptados esses conceitos na área da segurança pública, teríamos na base a necessidade de melhorar as condições pessoais dos agentes de segurança, tornando-os seguros no exercício da função, o que resultaria numa postura profissional lastreada na legalidade, respeitando os valores da cidadania, tudo refletindo na qualidade do serviço prestado à população. Desconsiderar a hierarquia dessas necessidades é contribuir para o desmantelamento da estrutura da pirâmide. Ações desconexas adotadas pelo poder público nessa área tão complexa, nada mais são do que medidas paliativas para um problema que merece um enfrentamento mais direto, mais concreto por parte daqueles que tem essa responsabilidade legal. Uma proposta que vem sendo discutida para a busca de soluções concretas na área da segurança pública é a unificação das polícias, cujos reflexos podem ou não trazer resultados favoráveis ao pretendido. Por certo, não é por falta de leis, regulamentos, projetos, discussões, reuniões, manifestações, entre outras, que ainda não se chegou a conclusão sobre uma política de segurança pública de efetivos resultados. A questão pode ser outra: a quem interessa uma estrutura de segurança pública ineficaz? O crime se estrutura e se alastra de tal forma que fica confusa a busca por resultados nessa área. A necessidade de emprego das Forças Armadas para atuação num campo de responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal, vem a confirmar essa desorganização do poder público para um problema recorrente. Teoria sobre o assunto é o que não tem faltado. A unificação das polícias até pode ser possível na teoria, mas na realidade a situação fica mais complicada.
Em 2009, foi elaborada a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, que envolveu todos os Estados, o Distrito Federal e municípios brasileiros, com diferentes representantes, tanto da sociedade civil, quanto do poder público ligado a área de segurança pública. Foram realizadas várias audiências pelo país, onde cada um pode apresentar sua opinião sobre o que deveria ser feito para a melhora do sistema de segurança pública, sendo apreciado e escolhido os temas mais votados pelos participantes cadastrados no evento. Todo o material foi compilado e deveria servir de base para reestruturar o sistema de segurança pública no país. Até se chegou a alguns princípios gerais e algumas diretrizes para obtê-los. Um desses princípios tratava de fomentar, garantir e consolidar uma nova concepção de segurança pública como direito fundamental e promover reformas estruturais no modelo organizacional de suas instituições, nos três níveis de governo, democratizando, priorizando o fortalecimento e a execução do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI e do Conselho Nacional de Segurança Pública com Cidadania – CONASP. Desde então, quase nada resultou em materialização de propostas, salvo um projeto de lei e algumas indicações de emendas à Constituição Federal. No final de 2016, foi apreciado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara Federal, o Projeto de Lei nº 3437/2016, que apesar do texto ter sido aprovado pelo relator, o projeto também foi alvo de duras críticas por parte de profissionais ligados à área de segurança pública, dada a sua inviabilidade de efetiva concretização. O projeto encontra-se suspenso naquela Casa Legislativa. Já o PRONASCI, programa criado em 2007, através da Lei nº 11.530 de 24 de outubro de 2007, com objetivo de articular ações de segurança pública para a prevenção, controle e repressão da criminalidade, estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas, vem capengando e fadado ao esquecimento pelo atual governo. Até 2014, início de 2015, o programa até trouxe algumas modificações na área da segurança pública, principalmente na destinação de recursos federais para municípios e estados, para utilização nessa área, através de projetos, destinação de veículos, equipamentos e armamentos não letais. Também representou importante ferramenta na busca da integração de ações conjuntas dos diferentes órgãos públicos, quanto ao trabalho de segurança pública e outras atividades de natureza social e de saúde. Não obstante alguns resultados obtidos, em 2016 tudo parou e não se falou mais nesse programa. O Conselho Nacional de Segurança Pública, criado pelo Decreto nº 7.413 de 30 de dezembro de 2010, dispondo sobre sua estrutura, composição e funcionamento, também deveria ser objeto de aprimoramento na área da segurança, principalmente através de articulação de ações, mas não é isso que se percebe ao longo do tempo. Uma das competências desse Conselho é a promoção e a integração entre órgãos de segurança pública federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, ou seja, deveria ser buscado fórmulas para ações conjuntas entre os atores responsáveis pela segurança pública. Ainda que integração não seja unificação, a atuação desse Conselho poderia coordenar ações necessárias ao aprimoramento da atuação dos órgãos de segurança pública no país. Ao contrário disso, o que se nota é a atuação de lobbies corporativistas cada um buscando interesses próprios, enquanto a criminalidade só se fortalece, repercutindo no agravamento da insegurança.
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Até então, pode-se afirmar que apesar de não ter avançado a unificação das polícias, literalmente falando, pode-se dizer que ocorreram várias situações e regulações buscando esse objetivo. Porém, é importante salientar que qualquer mudança para ser realmente eficaz,alterando a atual política de segurança pública do país, tem que necessariamente passar primeiro por alterações na Constituição Federal. O artigo 144 da CF é o que merece essa prévia atenção. Certamente, não é por falta de Propostas de Emendas à Constituição – PECs, que isso já não tenha se consolidado, pois que há uma lista considerável de propostas em tramitação no Congresso Nacional, que até então não tem levado a nada. Entre essas, a PEC nº 430/2009, que tem apensadas a PEC nº 432, de 2009, trata da unificação das polícias; a PEC nº 321, de 2013, trata das polícias estaduais e as polícias municipais, de natureza civil e de criação facultativa dessas últimas; a PEC nº 423, de 2014, que dispõe sobre “polícia única”, consistente no ciclo completo de ação policial; a PEC nº 431, de 2014, que também trata do ciclo completo de polícia na persecução penal, sob coordenação do Ministério Público;a PEC nº 89, de 2015, que trata de alterações nos procedimentos de investigação; a PEC nº 127, de 2015, que também fala do ciclo completo nas ações das polícias; as PEC nº 198 de 2016, PEC nº 273, de 2016 e PEC nº 319, de 2017, tratam de regular as estruturas funcionais das policias, entre outras propostas.
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Persistindo na ideia de se buscar fórmulas para a unificação das polícias, como medida de melhorar a prestação de serviço de responsabilidade dessas instituições, o assunto também foi objeto de discussões no 11º Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ocorrido nesse mês na capital paulista. A discussão girou em torno de qual seria o modelo ideal de polícia para o Brasil, ou seja, uma polícia unificada, um ciclo completo no atendimento das ocorrências por cada uma das instituições já atuantes, enfim, teoria é o que não falta e não faltou até os dias atuais para buscar soluções na área da segurança pública.
De concreto, até então foram discutidas e inventadas várias propostas de alteração na estrutura da política de segurança pública no país, porém nada de concreto foi implantado. As polícias civis e militares são instituições centenárias e tem cada uma a sua história na formação do país. Não é tão simples modificar ou mesmo extinguir tais instituições, desconsiderando tudo o que representam para a garantia e manutenção da ordem pública, bem como da incolumidade da população. São estruturas centenárias de polícia que já têm suas competências e atribuições regradas na lei. Assim, além da primeira mudança necessária da Constituição, fazer a adequação do regramento infraconstitucional é muito complexo e poderia até representar certa instabilidade na prestação do serviço de segurança pública por essas instituições. Isso sem falar na questão do corporativismo.
A briga de egos institucionais deve ser combatida com inteligência em prol da população e não daquelas. Unificar ou não as policias deve ser secundário ao que deve ser priorizado: buscar resultados positivos contra a criminalidade. Projetos mirabolantes não se concretizam se alienados da realidade da rotina do trabalho policial. Talvez as aplicações por analogia dos conceitos identificados na pirâmide de Maslow possam trazer alguma clareza de ideias para os governos, na busca de soluções concretas para a segurança pública brasileira. (foto acima: Governo do Estado de SP)
JOSÉ ROBERTO FERRAZ
Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.