TRABALHO e psicanálise

trabalho

As duas últimas semanas de setembro foram bem corridas. Bastante trabalho, me dividindo entre a clínica psicológica, grupo de estudos, docência e os cuidados com a casa. Na vida familiar, nosso objetivo, alcançado com sucesso, era sair em férias por 20 dias, a partir de primeiro de outubro. Este texto foi enviado ao editor do jornal no final do mês passado. Nessa correria, me ocorreu a ideia de relacionar a sociologia do trabalho à teoria psicanalítica.

Na expectativa de proporcionar uma reflexão, optei por falar de um recorte psicanalítico bem específico e basilar, que trata do “princípio do prazer” e do “princípio da realidade”. Após apresentar esses dois conceitos, vou relacioná-los ao mundo do trabalho.

Um fundamento da psicanálise repousa na dinâmica entre o “desejo” e a “falta”, como o motor do psiquismo. Desejo, nesta perspectiva, está para além de uma vontade, uma necessidade a ser atendida, que seria da ordem do consciente. Aqui, falamos de desejo como um impulso inconsciente, uma energia que pulsa, quase que instintivamente.

Assim, o desejo nos energiza, tirando-nos de um estado de repouso para outro de excitação, gerando desequilíbrio e desconforto. O que o organismo quer, evolutivamente, é ter o desejo satisfeito, voltando ao estado de repouso, de equilíbrio, ou seja, de sentir prazer pelo desejo alcançado. Essa pulsão do organismo em atender aos desejos é o “princípio do prazer”.

O bebê, por exemplo, com fome (desejo de sobrevivência), chora incansavelmente até que a mãe lhe ofereça o alimento, restabelecendo o equilíbrio e o prazer. Entretanto, onde há desejo, há falta. Quando o bebê chora e a mãe não atende prontamente, entra em cena o “princípio da realidade”, ou seja, quando o prazer encontra limites.

O “princípio do prazer” procura sempre os caminhos mais curtos para sua realização, mas como o “princípio da realidade” impõe barreiras, o prazer busca desvios no sentido de superar os obstáculos colocados pela realidade exterior. Nesse movimento, jogamos o desprazer da falta para algum lugar obscuro do psiquismo, por meio de mecanismos de defesa, tais como a negação ou a repressão.

O problema é o preço que se paga pelos desejos negados ou invalidados. Isso faz a pessoa sofrer, com potencial de gerar sintomas no corpo e comprometer a saúde mental. 

E o trabalho? Se pensarmos no trabalho como algo primordial na vida das pessoas, seja pelas necessidades básicas de sobrevivência, pelas questões econômicas, de identidade, de pertencimento etc., temos que o trabalho é um objeto de desejo central. Desejo que gera excitação para obtê-lo e, na falta, sofrimento. E quanto mais falta, por mais tempo, mais sofrimento.

A pergunta é: esse objeto de desejo, o trabalho, tão cobiçado, está disponível e distribuído com equilíbrio e justiça? Parece-me que não. Na atualidade, o mundo do trabalho é precário, escasso, insuficiente e excludente, impondo um princípio da realidade que obriga as pessoas a empurrar tanto desprazer no inconsciente, até que o corpo comece a dar sinais de adoecimento.

Na impossibilidade de atender ao desejo pelo trabalho, por um período prolongado de tempo, a carga excessiva de sofrimento pode fazer o sujeito, inclusive, parar de tentar obtê-lo. Não é que a pessoa não queira mais trabalhar. O que ela não quer mais é sofrer.

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O IBGE classificou esse grupo como “desalentados”, pessoas que pararam de tentar conseguir trabalho. São preguiçosos? Não se pode afirmar. Mas sei que estão em sofrimento. O motor do psiquismo dessas pessoas deu pane… muito triste.

Por fim, a mesma ciência que elaborou estes modelos explicativos de funcionamento do psiquismo, criou também um método para diminuir o sofrimento, aliviando sintomas: a cura pela fala. Diferente do senso comum, curar não é eliminar os sintomas. Curar vem do latim curo, que significa “dar atenção, cuidar, acolher”. A cura pela fala é a contribuição fundamental da psicanálise.

MARCELO LIMÃO

Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP.  Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042

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