Canabidiol: Sítio sem produção. Pacientes sofrem, diz farmacêutico

canabidiol

Em julho deste ano, a Polícia Civil apreendeu 125 pés de maconha, 16 quilos da erva e também cinco litros de canabidiol pronto para envaze. A operação aconteceu em um sítio da Estância São Paulo, em Campo Limpo Paulista. A propriedade é do Instituto CuraPro, que produz medicamento à base de Cannabis. A questão, segundo Deusdete de Almeida, farmacêutico do instituto há dois anos e meio, está parada na justiça. A produção de remédios para mais de dois mil pacientes também. Ele afirma que muitos estão sofrendo e uma senhora teve o quadro de saúde agravado com a falta do óleo e morreu.

Reportagem do G1 da época informou que “o responsável pelo local não apresentou nenhum documento que comprovasse a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o plantio e produção de canabidiol. Um documento recolhido pela polícia indicava que o instituto havia sido proibido pela Anvisa a fabricar e comercializar o medicamento”. O farmacêutico disse que o instituto tem autorização do Tribunal de Justiça, um habeas corpus segundo ele, para o plantio. “Existe também um processo que corre em segredo de justiça contra a união e a Anvisa. Nenhum produtor de canabidiol do Brasil tem autorização. Provocamos a justiça exatamente para solicitar o documento. Este processo ainda está em andamento. Porém, o juiz não determinou que nossas atividades fossem paradas. A Anvisa veio até o instituto e alegou que não temos estrutura. Alegou também que estamos numa zona comercial e não industrial e não poderíamos fabricar o remédio. Não somos uma fábrica de remédios. Somos uma associação. Não temos lucros. Salvamos pessoas”, explicou.

O Jundiaí Agora entrevistou Deusdete(foto abaixo):

O que é o Instituto CuraPro?

O instituto, cuja sede fica na vila Mariana, na capital, é uma associação de pacientes. Todos são associados ou paciente com enfermidades complexas ou parentes. No meu caso, tenho um sobrinho com autismo de grau severo e ele utiliza a canabidiol através do instituto. O fundador é o Marco Antônio Carboni. Ele iniciou este projeto em 2017 por causa da mãe, que tem asma grave a ponto de não poder andar. Ele importou o remédio que era caro demais, chegando a gastar R$ 15 mil por ano. No ano seguinte, quando ele foi renovar a compra dos medicamentos, o valor do dólar tinha dado um salto e a compra ficou inviável. Porém, parar não era uma opção. A esposa do Carboni também utilizou a Cannabis para tratamento de câncer e hoje ela está curada. Um ano depois do instituto ser inaugurado já contava com mais de 150 pacientes. Juridicamente existimos desde 2019. Atualmente, o instituto tem mais de dois mil pacientes. Eles sofrem com várias doenças como câncer, aids, fibromialgia, epilepsia, escleroses, artrites, artroses, psoríase, autismo. Todos que se tornam associados têm acesso não só aos óleos por nós produzidos como também vários outros serviços como orientações psicológica e jurídica, até indicação de médicos parceiros. O instituto tem hoje parceria com o Governo do Estado de São Paulo e realiza projeto na favela do Paraisópolis, na capital. Levamos educação profissionalizante para os moradores e tratamento médico, seja com canabidiol ou não. Veja a contradição: o Estado é parceiro do instituto em ações beneficentes e a própria justiça está nos processando. Também atendemos a Prefeitura de Juquiá, na Baixada Santista. Até o meio deste ano também atendíamos a Prefeitura de Luiz Antônio, perto de Ribeirão Preto, que comprava os nossos óleos para fornecer aos moradores.

Onde a Cannabis do instituto é produzida?

Era produzida no nosso sítio, em Campo Limpo Paulista. Como temos uma média de 2.100 pacientes e cada um precisa de um frasco a cada dois meses em meia, produzimos entre 12 a 15 mil frascos por ano. Em termos de quilos, seriam aproximadamente 25 a 35 quilos de maconha por ano. Já estávamos no nosso segundo ciclo de produção quando a Polícia Civil cumpriu mandato de busca e apreensão. No dia, eu estava lá, juntamente com agrônomos e nosso gerente, todos contratados pelos instituto. Nós apresentamos um habeas corpus em favor dos nossos pacientes permitindo o cultivo de 102 plantas em fase adulta. Tínhamos, na ocasião, 125 pés. Quarenta e sete estavam em fase adulta, que é de floração, período em que se colhe e extrai o extrato. As outras não estavam maduras. Quando as plantas entram em floração é que descobrimos o sexo delas. Se for macho, temos de retirar todas as plantas das estufa. Elas polinizam as fêmeas e aí não teremos os frutos que precisamos. Explico isto porque estávamos 100% dentro da determinação judicial. Mesmo com o habeas corpus, a Polícia – com aval da promotoria de Campo Limpo – cortou os pés e estamos respondendo a um processo. Quatro meses depois, o processo não saiu da fase de inquérito. A promotoria não ofereceu a denúncia. O processo está parado. Tivemos de demitir 15 funcionários e neste período estamos com problemas com vários pacientes. Além dos 125 pés e dos 16 quilos apreendidos, também apreenderam cinco litros de óleo pronto para envaze. Apreenderam todas as embalagens do instituto que comprovam que não temos nada a ver com traficantes. Ninguém aqui é bandido. Somos profissionais que trabalham pela saúde de milhares de pessoas que dependem do óleo para ter uma vida mais digna. Com o canabidiol protegemos o organismo e evitamos a degeneração dele. Contudo, existe um obscurantismo no nosso Estado. As pessoas precisam entender o que é o tratamento com a Cannabis. Ela traz alívio para a dor de muita gente. Isto deveria ser tratado com a devida seriedade. Hoje já computamos seis pessoas que foram para o pronto-socorro porque estão sem o óleo, voltaram a ter crises epilética. Uma senhora da Paraíba, com 84 anos, tinha Alzheimer avançado e morreu. Ela parou de comer e beber água. Ela teve insuficiência renal, foi para o pronto-socorro, ficou 14 dias na UTI, voltou para casa e morreu quatro dias depois. Pessoas com esclerose múltipla que usavam o óleo regrediram e não há medicamento capaz de recuperar os movimentos delas. Precisamos mudar o entendimento dos legisladores e julgadores para que a identificação entre nosso trabalho e a ação de um traficante seja mais simples. Recentemente, o STJ julgou um processo e permitiu o uso da Cannabis para fins medicinais e científicos. O STJ só respeitou a Lei Antidrogas. O artigo segundo desta lei permite, desde 2006, o uso da Cannabis. Não é crime. O juiz do nosso caso precisa enxergar isto através dos mais de dois mil documentos que enviamos.

Por que escolheram Campo Limpo para produzir Cannabis?

Escolhemos esta cidade por conta da proximidade com São Paulo e do ar limpo. Na época conseguimos uma boa negociação. Neste local, tínhamos um projeto para criar uma clínica para tratar diversos tipos de demências, transtornos psicológicos e retardos mentais. Seria um trabalho social. Verbas poderiam ser direcionadas para o sítio de Campo Limpo. Por outro lado, a nossa chegada também ajudou a cidade já que investimos bastante. Tudo foi por água abaixo…

Quais os benefícios terapêuticos da Cannabis? Para quais doenças é recomendada?

A planta já é estudada há 80 anos. É um medicamento milenar. Foi usada na China e até no Brasil para curar asma. Depois da Segunda Guerra, os Estados Unidos promoveram uma guerra às drogas, o que passou a valer para todo mundo. A cannabis tem mais de 500 princípios ativos. Destes, 150 já foram estudados e são comprovadamente através de estudos científicos, terapêuticos. São antibactericidas, antioxidantes, anti-inflamatórios, analgésicos, anticonvulsivantes, antidepressivos, sedativos, neuroprotetores, imunossupressores, broncodilatadores, reguladores de pressão arterial, cicatrizante, relaxante muscular e fortificante ósseo. O remédio fortalece o sistema imunológico. Também produz novos neurônios. Falta estudo para quem diz que maconha mata neurônio. Na área psicológica serve para TOC, TDH, estresse, ansiedade, depressão, insônia, bipolaridade, transtorno do humor e dependência química. Na neurologia, o canabidiol é usado contra a epilepsia, convulsões, Parkinson, Alzheimer, doença de Huntington, escleroses, dores crônicas, distrofia muscular, autismo, enxaqueca, lesões vertebrais, membros fantasmas, síndrome de Tourette, hérnia de disco, osteoporose, bursite, fadigas. Também serve para a saúde feminina e tem muitas aplicações nas áreas dermatológica, pneumológica e endócrina.

Quais países já usam a erva para medicamento?

Na América do Sul: Paraguai, Argentina, Uruguai e Colômbia. Inclusive o Brasil. Médicos já estão receitando aqui. O problema é que aqui precisa comprar o medicamento importado, gerando emprego lá fora e pagando em dólar. Produzir aqui seria mais barato, geraria emprego e o medicamento estaria disponível para toda população. Ou então, procurar o judiciário depois de contratar um advogado, pode ser que a pessoa consiga o tratamento gratuito. Algo que hoje está nas farmácias por R$ 800, no instituto custa R$ 200 já que não temos fins lucrativos. E quem comprova que não pode pagar, não paga. Estados Unidos, Canadá, Austrália, Portugal, Bélgica, França, Espanha, Alemanha, Suíça, Israel, todos usam para fins medicinais. Estamos 20 anos atrasados em relação aos países europeus no uso do canabidiol.

Pode dar exemplos reais de melhoras através do uso da erva?

Tínhamos crianças com 20, 30 convulsões por dia. Quando começam a tomar o canabidiol o organismo se equilibrou, atenuando as descargas elétricas no cérebro. As convulsões diminuíram sensivelmente. O comportamento da criança muda para melhor e há o desmame dos medicamentos tradicionais. Já os portadores de autismo têm pouca interação social. A Cannabis também regula isto.

Em 2021, a Câmara de Jundiaí apresentou uma moção de repúdio ao projeto de Lei 399/15, do deputado Fábio Mitidieri(PSD-SE), que viabiliza a comercialização de medicamentos com extrato, substratos ou partes de Cannabis na formulação. A autoria da moção, que foi rejeitada, teve como autores vereadores considerados ‘conservadores’. Como o senhor vê a apresentação da moção e a rejeição dela?

Infelizmente sabemos que na política pouco se trata do ser humano e muito se trata de interesses obscuros. Neste caso, como cidadãos, pessoas com direitos e deveres, vemos um obscurantismo gigante. Os políticos deveriam defender o povo. O conhecimento deveria ser obrigatório para eles. No entanto, pouco conhecem a ciência. Poucos médicos estudaram os benefícios da Cannabis. Na última segunda-feira(25), a Cannabis foi incluída na Farmacopeia Brasileira. Por que ficamos aquém disso? Não estamos falando de Cannabis recreativa. Estamos falando de canabidiol, um remédio. A morfina, derivada do ópio, é vendida e ministrada em hospitais. Tem muita gente viciada em medicamentos derivados da morfina. Ninguém vai se viciar na Cannabis. Ficamos nas mãos de um ser humano político e não de um técnico…

Por que o uso não é regulamentado, afinal?

Talvez sejam os interesses que não são dos pacientes seja mais importantes. Interesses maiores, como da indústria farmacêutica, da indústria têxtil e da indústria de energia. Elas são contrárias. A partir do momento que se regulamenta o uso da Cannabis para fins medicinais, teremos remédios mais baratos e a venda de medicamentos tradicionais cairá. Aliás, a indústria farmacêutica já tem seus produtos a base de Cannabis prontos e estão aguardando a legislação sair. A produção e uso de canabidiol não tem nada a ver com a criminalidade, que não aumentará e nem diminuirá com a regulamentação.

O senhor não considera hipocrisia não permitir o uso da Cannabis para fins terapêuticos enquanto outras drogas, como álcool e tabaco, são socialmente aceitos?

Total hipocrisia. Uma hipocrisia gigantesca. Existem interesses gigantescos envolvidos. Não estão preocupados na solução desta questão. Até porque, se alguma das pessoas que tomam decisões no país precisar da Cannabis, ela irá importar. Dinheiro para a elite não falta. Quem sofre é a população…(Foto das estufas: Polícia Civil)

VEJA TAMBÉM

PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA

ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES