Corremos contra o tempo e não a favor dele. Fosse o tempo vento, entenderíamos que em boa parte do caminho o sopro é a nosso favor. Talvez em todo ele. Mas teimamos. A partir do momento em que nos damos conta de que podemos escolher, é contra o vento que caminhamos.
No entanto, parece natural tamanha teimosia. Somos seres teimosos por natureza. Seria a evolução da espécie resultado de adaptações e sobrevivência de seres essencialmente “teimosos” ou sempre harmoniosos? Somos biologicamente teimosos, programados para sermos do contra? Remar contra a maré ou andar contra o vento é dolorido, demorado, desgasta vestes, músculos, desafia o próprio querer. E isso angustia, porque é algo da estabilidade que sempre buscamos em essência – sem encontrá-la plenamente, por certo. Mas a angústia é, também, essencial. Senão ela, quem chegaria a dar contornos a outros lugares que dizem de nós, como a autenticidade, liberdade e, também, alteridade? Quando sabemos da areia que rasga nosso rosto, reconhecemos também o que pode estar sentindo o outro desconhecido ao lado.
Da infância, acentuando-se na adolescência, prolongando-se pela vida afora e adentro, essa teimosia é impulso, fogo cuspido de dragão, queda que faz levantar. Com sorte, seguimos teimosos contra a massa poderosa e sua fala fácil, alienante e viciante. Por vezes, no entanto, a teimosia pesa a mão num excesso de si. É quando estamos crentes que abafamos, com nosso bafo sem eco, sozinhos em nosso suposto ideal. Então vemos que teimar é como berrar em sauna a vapor. Falta ar, fogem testemunhas, perde-se o sentido. Se por um lado firmamos nossa identidade, o excesso dela nos distancia da alteridade que nos faz ser “com” os outros.
A vida é ambiguidade. O que eu queria mesmo com tanto barulho pelo caminho? Silêncio e solidão. O que eu esperava com o silêncio cortante pela voz embargada frente ao esforço de tanto caminhar contra o vento? Escuta e companhia.
Muitas vezes, bastava uma virada, uma parada para olhar para trás com calma. Mas a teimosia não deixava. Não era necessário levantar a voz em meio ao zunido do vento contra para se fazer ouvir. O esforço em dar um passo após outro pode pedir uma parada. A dificuldade em olhar para o lado, achando que entrará areia nos olhos, pede um risco. Um risco pelo outro. Tombo após tombo, de repente se sente que a brisa está lá, sempre esteve. Faltava parar, virar para trás, para dentro. Um passo a passo atrás. Deixar de teimar com a vida e compreender o sentido da brisa – pra lá e pra cá.
VEIA OUTROS ARTIGOS DE TATIANA ROSA
Ao invés de conformar, confirmar. Sem muito planejar, reconhecer o vento a favor, que carrega, direciona, orienta a frequência. O sopro que traz companhias de mesma sintonia, gente que entrelaça as mãos como elos da rabiola de uma pipa, seres que se respeitam e aprendem a se entregar, com leveza.
Apenas o tempo, e cada um tem o seu, vence o poder da teimosia. E a pipa, quanto mais alta, quanto mais elos, quanto mais confiança na base e vento para fazê-la dançar, mais estável, adaptada ao ambiente e liberta ela se torna. Confiar na brisa é saber do amor que se tem – e que se dá.

TATIANA ROSA
É psicóloga, pós-graduanda em clínica psicanalítica; pedagoga e jornalista. E-mail: rosa.ta@gmail.com , Instagram: @tati_psico
VEJA TAMBÉM
PUBLICIDADE LEGAL É NO JUNDIAÍ AGORA
ACESSE O FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E PROMOÇÕES