O SILÊNCIO que nos liga: entre a vida e o depois dela

silêncio

Há perguntas que nos acompanham desde sempre. Surgem quando perdemos alguém e o silêncio vem. Quando adoecemos ou simplesmente quando o céu escurece de repente e ficamos a sós com o próprio coração: para onde vamos? o que há depois da morte? o que significa viver, afinal?

Essas perguntas não são fraqueza. São marcas daquilo que nos distingue: a consciência de que tudo passa, e o desejo de que algo permaneça. A vida humana, em sua grandeza e em sua fragilidade, pulsa entre a finitude do corpo e a eternidade do desejo de sentido. E talvez seja aí que comece nossa melhor parte: o mistério.

A vida é um breve sopro entre o antes e o depois. É feita de manhãs comuns, despedidas inesperadas, encontros improváveis e da rotina que não percebemos até que ela falte. Mas é justamente essa brevidade que a torna tão grandiosa. Porque sabemos que é finita, nos empenhamos em torná-la significativa.

Viver é mais do que sobreviver. É olhar nos olhos, é sentir, é sofrer e ainda assim continuar. É tropeçar nas próprias sombras e aprender a conviver com elas. É abrir espaço para o outro, mesmo quando não há certeza de que ele ficará.

Na pressa dos dias, esquecemos: estar vivo é um milagre cotidiano. Um privilégio cheio de silêncio. Respirar, amar, perder, começar de novo — tudo isso é prova de que ainda estamos aqui, tentando, apesar de tudo.

A morte é uma professora severa. Não grita, não avisa, não pede licença. Apenas chega — e com ela, o espelho: o que estamos fazendo com o tempo que nos resta?

A morte é tabu, mas não devia ser. Falar dela é falar da vida. Entender que ela é parte do ciclo é aceitar que somos passageiros, sim, mas também jardineiros do tempo. Podemos plantar amor, presença, palavras que ficam. E isso não morre.

Perder alguém muda tudo. Os móveis continuam no mesmo lugar, mas o mundo parece outro. E é. Porque a ausência de quem amamos reorganiza nossas certezas. É no luto que muitas vezes descobrimos o valor da presença, da escuta, do silêncio compartilhado.

Mas é também no luto que, surpreendentemente, o acolhimento floresce com mais força. As mãos que seguram as nossas, os olhos que não julgam nosso choro, o abraço silencioso — tudo isso é a prova de que, mesmo diante do fim, o humano ainda sabe cuidar.

Não se trata de provar. Trata-se de crer. A crença na vida após a morte não precisa ser lógica — precisa ser sentida. Para muitos, é um consolo; para outros, uma convicção íntima. Mas para todos, é expressão da esperança.

Acreditar que há algo depois não é negar a realidade, é ampliá-la. É olhar para o finito com olhos de infinito. É acreditar que o amor não morre, que a essência se perpetua, que existe um reencontro além do que os olhos alcançam.

E mesmo quem não tem fé religiosa pode experimentar essa transcendência: ao lembrar de quem partiu com carinho, ao manter vivos os valores de alguém, ao continuar amando quem já não está. Isso também é eternidade.

A vida após a morte, então, pode ser entendida como continuidade. Seja no plano espiritual, seja na memória viva daqueles que nos amaram. Há mais entre o nascer e o morrer do que supõe nossa pressa.

Em tempos de opiniões gritadas e verdades absolutas, o respeito tornou-se um gesto revolucionário. Respeitar é ficar em silêncio, é calar para ouvir. É entender que o outro vê o mundo por uma janela diferente. É deixar que o outro exista com sua fé, sua dor, seu tempo.

O respeito é o primeiro passo do acolhimento. E acolher é um gesto sagrado. É oferecer ao outro um espaço onde ele possa desabar sem ser julgado. É reconhecer a dignidade humana, mesmo no meio da queda.

E quando a dor é de luto, esse acolhimento ganha ainda mais importância. Porque quem sofre não precisa de explicação — precisa de presença. Às vezes, não é preciso dizer nada. Basta estar. O verdadeiro acolhimento é um silêncio cheio de amor.

É nessas horas que descobrimos a profundidade da humanidade: no abraço entre desconhecidos, nas mãos dadas no velório, nas palavras sussurradas entre lágrimas. O amor se manifesta com mais clareza quando o fim nos visita. E isso diz muito sobre quem somos.

No fundo, todos temos uma crença. Ela pode não ter nome, nem dogma, nem templo. Mas se manifesta quando fazemos o bem sem esperar retorno. Quando cuidamos de alguém só porque podemos. Quando, mesmo sem respostas, decidimos continuar com esperança.

A crença interior é essa força serena que nos move mesmo nos dias escuros. É o que nos permite amar de novo, recomeçar, perdoar. Não vem de fora, mas de dentro. E é isso que nos aproxima do que há de mais sagrado.

Talvez a verdadeira espiritualidade seja isso: uma forma de existir que reconhece o valor do invisível, a importância do outro e o mistério da vida. Uma espiritualidade que acolhe todas as dores, todas as crenças, todos os silêncios.

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Não importa como você chama essa força: fé, Deus, energia, universo. O que importa é que ela faz com que a vida tenha sentido mesmo diante da morte. E com que a morte se transforme em passagem, e não em fim.

Vivemos. Morremos. Amamos. Sofremos. Acreditamos. E recomeçamos. A vida é tudo isso. A morte, também. Mas entre uma e outra, há algo que permanece: a capacidade humana de crer, de respeitar e de acolher.

Essa é nossa luz. E, com ela, atravessamos os invernos da alma, certos de que, em algum lugar — aqui ou além —, tudo aquilo que foi amor permanece.(Foto: Mart Production/Pexels)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona, ainda, na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.

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