E quando é PRECISO DESENHAR para o outro entender…

O que dizer de vulnerabilidade, que não seja teórico? Acredito que esta semana está se tornando um momento memorável de minha vida, em que passo das teorizações para a vivencia: já senti ódio, aflição, desespero, loucura, solidão, comiseração, empatia, muita antipatia, mas vivi integralmente o sentido lato e estrito da palavra vulnerabilidade. E, por incrível que possa parecer, num momento assim é preciso desenhar para que o outro entenda a minha situação…


Saio da sala de uma cirurgia de três horas e pouco para uma UTI moderna, ampla, confortável, limpa, controlada, higienizada. Mas uma UTI. Sou recebido pelo meu médico, por visitas, por médicos intensivistas, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem dóceis, prestativos e esclarecidos o suficiente para meu bem-estar. Mas estou numa UTI.

Com estimativa de ficar apenas 48, ou 36 ou 24 ou 12 horas, passo longos e desesperados três dias neste hotel cinco estrelas. Mas numa UTI. Vou ao apartamento, recebo medicação a cada segundo, sempre sendo informado de que se tratava de X para aquilo, de Y para aquilo outro, de W para outra coisa, ainda.  Dentro do ambiente hospitalar.

Até que recebo a notícia: você está em alta. Logo vai para sua casa. Naquele instante percebi o que é aquilo que aprendi na teoria sobre a Síndrome de Estocolmo: não queria vir pra casa. Lá eu estava seguro, cuidado, observado, guardado, sem perigos.

Mas, vim. Vim por em prática a minha autonomia, minha liberdade, minha conduta sobre minha Vida. Que horrível. Que sofrimento. O corte doía, queimava, latejava, raspava, impedia me locomover, virar e me sentar. As visitas chegavam e ficavam uma hora, duas horas conversando e eu sem condições de respirar ou de me virar na cadeira e o infeliz me olhando e dizendo: como você está bem…e eu dizendo: vaza filho do capeta. Sai Satanás.

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Alguém quer saber o que é vulnerabilidade? Vulnerabilidade é isso: ter tudo e não ter nada, estar rodeado de pessoas que não percebem seus limites, seus drenos, seus cortes, suas dores e seus temores. Vulnerabilidade é coisa de educação emocional e e de empatia, que apenas os agraciados por uma força superior conseguem ser capazes de desenvolver e  aplicar. Até pessoas íntimas e da convivência diária se perdem e confundem os propósitos: insistem em visitar e insistem em ser úteis, quando o cidadão só quer estar vivo e sozinho com seus limites.

Aprendi e, tão logo retorne à UNESP, vou dar uma aula sobre este tema. Uma aula prática, explicativa e direta. Uma aula que dispense comentários e indignações. E, garanto: aprendi a viver. Vou refazer meu núcleo secundário de agregados, porque as experiências foram cruéis: temos muita gente insensata e inconveniente ao nosso lado, que não se limitam a torcer pelo outro…têm que atormentar. Para hoje está bom. (Foto: Youtube)


AFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.