A ESTRELA solitária (parte 2)

ESTRELA

A perda do apoio político e econômico da União Soviética e dos demais países do Leste Europeu, bem como a cessação da intermediação do Panamá na compra de produtos ocidentais, decorrente da queda do governo Noriega, velho aliado de Fidel Castro, levou Cuba – a estrela solitária – a uma crise nunca antes experimentada. Para se ter uma ideia, a União Soviética era responsável pelo fornecimento de todo o petróleo utilizado em Cuba, bem como por 63% dos alimentos e 80% das máquinas pesadas. No campo das exportações cubanas, o bloco soviético respondia por 63% das de açúcar, 95% das de cítricos e 73% das de níquel.Tudo amparado por generosos subsídios e garantias de compra.

A economia cubana já havia passado por situações difíceis no passado, mas nunca a população enfrentara as agruras por que teria de atravessar a partir do final dos anos 80.Com a produção interna e as exportações concentradas na criação de gado, no plantio de cana de açúcar e de frutas cítricas e na exploração do níquel, o país ficou à beira do colapso quando tais produtos tiveram de ser vendidos a preços de mercado no mundo ocidental e as importações de alimentos, máquinas e de petróleo, antes completamente provenientes do bloco soviético, passaram a ser pagas em dólar americano e também sem nenhum subsídio externo. No caso do petróleo a situação foi ainda mais critica, pois o produto simplesmente deixou de ser fornecido pelo bloco logo no início dos anos 90.

Entre 1989 e 1993 o PIB sofreu sucessivas quedas: 2,9% em 1990, 10% em 1991, 11,6% em 1992 e 14,9% em 1993 ( cf. Aimes, History of Slavering, p. 11). Nesta época Cuba passou a ser equiparada ao Haiti em termos de empobrecimento da população, figurando ambos os países como os mais pobres do hemisfério ocidental (cf. Marrero, Cuba, Economia y Sociedad, vol. 1, p. 220)

Para enfrentar esta situação calamitosa o governo cubano impôs medidas duríssimas à população no âmbito de um plano para ser executado no chamado “Período Especial em Tempos de Paz”.

Água, gás e eletricidade passaram a sofrer cortes programados em várias áreas do país. O fornecimento de óleo e gás foi reduzido em 50% e o consumo de energia elétrica em 10%. Os tratores importados da União Soviética foram substituídos por veículos movidos por tração animal e houve racionamento de alimentos e vestuário. A par disso, milhares de trabalhadores que laboravam nas áreas urbanas foram enviados para o campo, para a produção de alimentos.

Houve também um grande enxugamento da estrutura administrativa: o quadro de funcionários do Partido Comunista foi reduzido pela metade e os ministérios foram diminuídos e racionalizados.

Como era inevitável, o governo passou a procurar um substituto econômico para o açúcar, que deixou de ser a principal fonte de divisas para o país, acabando por encontrá-lo no turismo. E, à falta de recursos internos,  associou-se, para promovê-lo, ao capital estrangeiro ocidental, representado por empresários espanhóis, franceses e canadenses, o que — suprema ironia —  contrariava os cânones que balizaram a eclosão da revolução de Castro.

Para que pudesse ser feita tal mudança o monopólio estatal sobre o comércio exterior foi extinto, a Constituição sofreu uma emenda em 1992 para que se permitisse a transferência de propriedades do Estado a empresas joint ventures internacionais — algo impensável nos velhos tempos da parceria soviética — e foi editada uma nova lei relativa a investimentos estrangeiros, nos termos da qual uma empresa estrangeira poderia deter até 49% do consórcio, contratar executivos estrangeiros, ser isentada da maioria dos impostos e fazer a repatriação dos lucros em moeda forte.

A intenção do governo era manter uma política baseada nos princípios socialistas internamente e apoiar o capitalismo estangeiro externamente. Vale dizer, manter dentro do país um enclave de investimento externo e turismo que sustentasse sem mudanças a estrutura social construída pela Revolução.

Tal projeto, todavia, logo se revelaria ilusório, pois as medidas tomadas no chamado “Período Especial em Tempos de Paz” não foram capazes de combater o crescimento do mercado negro, a falta de dólares, o desequilíbrio monetário e o crescente desemprego.

Em vista disso, a partir de meados de 1993, foram promovidas três grandes reformas.

A primeira, estabelecida pelo Decreto-Lei 140, de agosto de 1993, criou a legislação sobre o dólar americano, nos termos da qual esta moeda seria utilizada para todas as transações envolvendo bens e serviços. O peso cubano continuaria a ser usado para o pagamento de salários, a compra de mantimentos e as transações internas do governo.

O uso do dólar, contudo, terminou causando divisões de relevo na sociedade cubana ao longo dos anos 90, pois a situação econômica daqueles que tinham acesso à moeda americana — principalmente em razão de atividades ligadas ao turismo e das remessas feitas por parentes residentes em Miami — era muito melhor do que os que não dispunham dela. Do ponto de vista ideológico tal situação, aliada ao preexistente câmbio negro do dólar, enfraqueceu em muito a ética igualitária pregada pela Revolução.

A segunda reforma, introduzida pelo Decreto-Lei 141, de setembro de 1993, criou o emprego autônomo, fazendo surgir centenas de pequenos negócios no setor de serviços, como cabeleireiros, bombeiros hidráulicos e mecânicos. No final de 1995 cerca de 200 mil cubanos achavam-se registrados como autônomos (5% da força de trabalho) e em junho de 1996 o governo autorizou a exploração individual de serviços em 40 outras atividades.

O negócio mais difundido entre os cubanos foi o dos restaurantes, apelidados de “paladares” em razão da novela brasileira “Vale Tudo”, exibida na ilha, cuja heroína, vinda do interior para o Rio de Janeiro, sobrevivia vendendo sanduíches na praia e depois, na esteira da evolução do pequeno empreendimento, abriu uma rede de restaurantes com o nome de “Paladar”.

O lucro obtido pelos “paladares” foi tão grande que ofendeu o senso de moralidade revolucionária de Fidel Castro, que em vista disso logo determinou seu fechamento, embora dois anos depois tenha autorizado sua reabertura com restrições: limitação a 12 mesas e exploração apenas por famílias. Logo eles se tornaram uma instituição popular em Cuba.

A terceira reforma, introduzida pelo Decreto-Lei 142, de setembro de 1993, dispunha sobre o estabelecimento de cooperativas agrícolas denominadas “Unidades Básicas de Produción Cooperativa” (UBPCs), que substituiriam as antigas “fazendas estatais”.  As terras permaneceram nas mãos do Estado, mas as UBPCs puderam explorá-las permanentemente e tiveram garantido o direito de ficar com toda a produção obtida, além de terem autonomia administrativa, eleger seus dirigentes, controlar suas próprias contas bancárias e relacionar os salários com a produtividade. Por outro lado, a produção das cooperativas sujeitava-se a cotas que tinham preços fixados pelo Estado, e os financiamentos de que elas necessitavam só podiam ser obtidos com a intermediação de agências do governo central.

No âmbito desta reforma retornaram os mercados agrícolas privados, que tinham sido abolidos por Fidel Castro em 1986, os quais passaram a fornecer à população, frutas, ovos, hortaliças e carne.

À vista de tantas mudanças, as lideranças cubanas exiladas em Miami e o resto do mundo ocidental passaram a apostar na democratização Cuba, com a realização de eleições livres. Isso, entretanto, não ocorreu. Fidel Castro continuou a insistir na retórica socialista, pregando que as reformas tinham vindo “para melhorar e aperfeiçoar o socialismo”, para “tornar o socialismo eficiente, e não destruí-lo” conforme  afirmou à “Assembléia Nacional” reunida no final de 1993. Apesar disso, as mudanças nessa área mostraram-se inevitáveis e em 1991 a Constituição de 1976 foi alterada para permitir a eleição direta para deputados para a Assembléia Nacional. Os candidatos, todavia, teriam de ser escolhidos dentre os que figuravam numa lista elaborada pelo Partido Comunista, numa espécie de “democracia dirigida”.

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As reformas também causaram o aumento de influência das Forças Armadas no gerenciamento da economia, estimulada diretamente por um pesado corte no orçamento militar em 1994. passando elas a gerir hotéis e o turismo por meio da empresa “Gaivota”, o abastecimento das zonas livres e das áreas industriais, através da “Almacenes Universales” e a construção civil, por intermédio da “Construcciones Antex”. O apoio financeiro era fornecido pelo “Banco Metropolitano”, mantido pelo Exército.

E o resultado delas ao longo do tempo, do ponto de vista econômico, terminou sendo favorável ao povo cubano: o PIB, que era de 0,7% em 1994, deixou de cair, terminando por alcançar um crescimento médio de 3,5% ao ano em 1996.

O futuro de Cuba, mormente em razão da morte de Fidel Castro e da assunção ao poder de uma nova classe de dirigentes que não participaram da Revolução de 1959, ainda é uma incógnita. É certo, contudo, que o longevo apoio socioeconômico soviético, à parte a questão da doutrinação ideológica, terminou propiciando aos cubanos uma educação aprimorada e excelentes níveis de saúde, condições que, aliadas à sua vibrante cultura e amor aos valores nacionais, constituirão por certo o impulso de Cuba a um futuro brilhante, o qual dependerá evidentemente de uma verdadeira e permanente redemocratização daquele país. (Foto: eplrj.wordpress.com)


MAURÍCIO CAMPOS DA SILVA VELHO
 
É juiz substituto em Segundo Grau do Tribunal de Justiça de São Paulo, atuando na 4ª Câmara de Direito Privado daquela Corte.