Alunos comentam comigo que, na sala de aula, sou do tipo que ou eles amam ou odeiam. Penso sempre nisso, porque esforço-me para ser acolhedor, atender aos pedidos da turma e trazer o novo (isso é imprescindível). Sei, também, que não se consegue atender a toda a demanda e nem sempre os objetivos convergem, ainda que diante de conteúdos e assuntos pedagógicos, porém entendo que a credulidade me impulsiona ao exercício de ensinar e de aprender.

Já, sabedor deste olhar externo, policio-me e tento abrandar algumas interferências que me tiram do sério: falta de educação, descaso, desatenção, grosseria. Porém, isso não me faz melhor ou mais cortês: apenas me torna mais sociável e mais palatável. Eu sei disso. E isto me toma tempo de terapia, de planejamento e muita paciência para ser maleável e mais ser assertivo também.

Entretanto, nem sempre dou conta de atender às necessidades técnico-pedagógicas e os gostos enviesados dos meus alunos. Tento. Faço minha parte. E, quando nada flui, perco minha linha e procuro apontar as arestas, momento em que as coisas tomam rumos desagradáveis. É neste situação que noto não ser o mais afável e mais carinhoso dos seres. Houve tempo em que imprimia vida aos objetos, criando apagador que voava ou cadeira que se espatifava no chão. Desde 1990, perdi essa criatividade e optei por fazer de conta que não percebo o desinteresse da classe ou a impertinência da figura.

É aí que volto a dizer: não sou um alecrim dourado, tão pouco nasci no campo, sem ser semeado. Sou reativo, sim; assumo. Sou tempestivo quando tentam me enrolar ou sugerem me enganar. E sou incontrolável quando são grosseiros comigo. Não negocio espaço diante da grosseria e, nesta condição, tomo outro formato que não gostaria de ter minha frente. Nestas condições, acredito que deva ter magoado alguns, ferido outros e assustado muitos. Mas, são características que vão se adaptando, à medida que os anos vão passando.

Atualmente tenho percebido o quanto a Vida mudou meu estilo de ser; não me tornei um ser dócil e afável, um beneditino, mas tornei-me mais equilibrado diante de questões que me desagradam. Passei a lidar com a adversidade com outro olhar e isso tem me feito sofrer menos; a mentira, ainda, é algo que me deixa muito triste e não lido bem com ela, como também não tolero a traição e a dissimulação. Estes são males de uma mesma origem e todos são marcas de um caráter duvidoso, com o qual prefiro não ter trato, nem conviver.

E como fazer quando, em nosso caminho, surge algo desta natureza? Como lidar com este incidente de percurso? Qual solução para uma abordagem que temos ideia pré-concebida do final dela? Sempre me pergunto se devo manter a coisa andando ou se devo abortar já no inicio visto que o risco é eminente. Entretanto ainda espero e acredito que as pessoas melhorem ou que mudem seus caminhos. Quebro a cara, esborracho-me no chão, ralo-me todo e fico decepcionado com minha permissividade. Mas não deixo de tentar.

Tenho vivido experiências interessantes e diferentes daquilo que conheço em meu longo percurso; tenho um grande amigo com quem converso de tudo, sobre tudo e apesar de tudo. Pensamos muito diferente; sou mais intransigente (ele é mais reativo), sou mais duro, ele é mais teimoso; mas a experiência está sendo boa, porque acredito que estejamos crescendo juntos, eu no meu fim de linha e ele em sua trajetória a ser alicerçada. Diria que é o filho que a Vida não me deu.

Aprendo muito com as pancadas, com os escorregões, com as negligências e com as negativas, mas aprendo com as escutas, com as mudanças, com as revelações. Gosto e me permito aprender. Aliás, tenho muito a evoluir, porque não nasci pronto nem totalmente certo: estou sempre me reformulando e gosto desta aventura de buscar a felicidade. O que me preocupa, mesmo, é a resistência em aceitar mudanças ou em potencializar a experiência baseada em foco, mas o tempo dirá como avançar nesta situação inusitada.

Na docência e na clínica a toada tem sido mais branda: tenho agido como aquele que enxerga a linha de chegada e que não pretende seguir adiante: vai até onde deve ir e não se prolongue, nem no tempo nem na meta. Em ambos casos tenho, sim, a certeza de que se trata de uma ação conjunta em que ambos devem ter propósitos claros e explícitos, mas que o caminho não é o meu. Sou apenas o sinalizador, então, cabe à parceria assumir sua posição de escritor de sua história. Acredito, piamente, que estou parando minhas atividades docentes e de pesquisa, aquilo que exerci nestas últimas décadas.

Vou me voltar a cuidar dos meus queridos mais queridos, meus afilhados amados, minha Vida já bem cansada, meu novo lar, meu refúgio. De lá de cima posso observar a cidade se movendo e redimensionar meu espaço físico, mental e espiritual. Ainda tenho algumas coisas a fazer e a corrigir; acredito que sejam providenciais, mas quero amar mais intensamente aqueles que cruzarem meu caminho.

OUTROS ARTIGOS DE AFONSO MACHADO

PARCEIRO É PARCEIRO. RATO É RATO

INQUIETUDES

ESTOU EVITANDO DAR MILHO PARA OS BICOS

Confesso que termino 2021 esperançoso e feliz por haver vencido. Superei a depressão, superei alguns medos antigos, superei algumas vergonhas e aprendi a dizer não, ainda que sofra um bocado. Mas percebo que foi um ano em que a dose de resiliência cresceu, que a alegria se tornou genuína e que o amor me trouxe pessoas interessantes para perto. Afastei de mim aquilo que não me convinha e busquei ancoro na fé e no apoio de quem comeu o quilo de sal comigo, no pico da depressão. Os demais foram meros espectadores e destes a Vida está cheia.

Aprendi a dar valor ao que realmente tem valor. E estou feliz. Que venha 2022, mas que venha pegado, porque eu estou atento a tudo que me fará bem e que me moverá a ser um ser humano melhor, em especial a diminuir meus vacilos e erros. E vamos.

AFONSO ANTÔNIO MACHADO 

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport

VEJA TAMBÉM

ESPAÇO PARA ERRAR AJUDA NAS DESCOBERTAS, AFIRMA EX-ALUNO DA ESCOLA PROFESSOR LUIZ ROSA

ACESSE FACEBOOK DO JUNDIAÍ AGORA: NOTÍCIAS, DIVERSÃO E

PRECISANDO DE BOLSA DE ESTUDOS? O JUNDIAÍ AGORA VAI AJUDAR VOCÊ. É SÓ CLICAR AQUI